Pânico com coronavírus leva a explosão em venda de armas e munição nos EUA
Com o avanço do Sars-Cov-2 no país, onde já foram registrados mais de 55 mil casos e de 700 mortes, donos de lojas relatam que, nas últimas semanas, houve um salto nas vendas e longas filas nas calçadas.
Em pânico com o novo coronavírus, que já soma mais de 55 mil casos e de 700 mortes nos Estados Unidos, muitos americanos estão correndo às lojas para estocar não apenas comida, álcool em gel e papel higiênico, mas também armas de fogo e munição.
Proprietários e funcionários de lojas de armas no país relatam que, nas últimas semanas, houve um salto nas vendas, com lojas lotadas e longas filas nas calçadas. Em diversos locais, há o temor de que os estoques de munição não sejam suficientes para atender à demanda.
"A procura aumentou 800%", diz à BBC News Brasil o proprietário da Dong's Guns, Ammo and Reloading, David Stone, cuja loja de armas, em Tulsa, é uma das mais antigas no Estado de Oklahoma, em operação desde 1946.
Muitos americanos estão se armando com medo de que a pandemia e os consequentes efeitos negativos na economia levem à falta de mantimentos e aumento da criminalidade. Alguns dizem temer que, em caso de caos generalizado, a polícia, sobrecarregada, não tenha capacidade para proteger a população.
"As pessoas estão com medo de que haja uma revolta. Têm medo de roubos e coisas do tipo", afirma Stone. "Muitos estão comprando armas pela primeira vez."
Além dos clientes que estão comprando sua primeira arma de fogo, há outros que já são proprietários, mas estão estocando munição.
Segundo o portal Ammo.com, que vende munição online, no período de 23 de fevereiro a 23 de março houve aumento "sem precedentes" de 434% nas transações em todo o país, em comparação ao período de 24 de janeiro a 22 de fevereiro. Em alguns Estados, o crescimento foi ainda maior. No Colorado, o volume de vendas cresceu 1.276% no período.
"O crescimento (das nossas) vendas está diretamente relacionado ao surgimento da covid-19 (a doença causada pelo novo coronavírus) e sua propagação pelo país", diz o site.
"Desde 23 de fevereiro, as vendas começaram a crescer, à medida que pesquisas pelo termo 'coronavírus' ganharam força, segundo o Google Trends (ferramenta que analisa buscas na internet)."
Verificação de antecedentes
Os relatos iniciais de aumento na procura por armas e munição surgiram no mês passado, em Estados da Costa Oeste americana - que registraram os primeiros casos da doença no país.
No início de março, o site The Trace, mantido por uma organização sem fins lucrativos favorável ao controle de armas e que cobre notícias relativas ao tema nos Estados Unidos, revelou que surtos da doença nos Estados de Washington e Califórnia estavam levando americanos de origem asiática a comprar armas com medo de serem alvo de ataques com motivação xenofóbica.
Desde que o novo coronavírus foi inicialmente identificado, na China, em dezembro do ano passado, pessoas de origem asiática em diversos países relataram ter sofrido agressões.
Mas com o avanço do vírus, a procura por armas e munição se espalhou por todos Estados americanos e em diferentes setores da população, não apenas entre compradores de origem asiática.
Dados do National Instant Criminal Background Check System (NICS), sistema operado pelo FBI para verificar antecedentes criminais de quem compra armas no país, registram 2,8 milhões pedidos de verificação no mês passado, um aumento de cerca de 30% em relação a fevereiro de 2019.
Mas em fevereiro o coronavírus ainda não havia se espalhado tão amplamente pelos Estados Unidos. A expectativa é de que os dados relativos a março, que serão divulgados no mês que vem, revelem um salto bem maior.
Em nota, Larry Keane, vice-presidente sênior da National Shooting Sports Foundation (NSSF), uma das associações comerciais que representam a indústria de armas e munição, disse estimar que o volume diário de pedidos de checagem de antecedentes pelo NICS seja atualmente o dobro do que o verificado há um ano.
O grande volume resulta em maior tempo de espera para a conclusão da verificação de antecedentes - e da venda. Na Pensilvânia, o sistema chegou a sair do ar em alguns momentos nas últimas semanas devido ao aumento no número de pedidos.
No Colorado, o Bureau of Investigations, divisão do Departamento Estadual de Saúde Pública responsável pela checagem de antecedentes naquele Estado, diz ter recebido 14 mil pedidos de verificação em apenas uma semana, o dobro do volume normal. Com isso, a espera, que costumava ser de cinco a oito minutos, passou para dois dias.
Períodos de crise
As vendas de armas nos Estados Unidos costumam crescer em anos eleitorais, como este, e também em períodos de crise e desastres naturais, como após os atentados de 11 de setembro de 2001 ou a devastação causada pelo furacão Katrina em 2005.
A procura também costuma aumentar sempre que os proprietários de armas temem que o governo possa tomar alguma medida para restringir seus direitos. Nos dois primeiros anos após a eleição do republicano Donald Trump, em 2016, o setor registrou desempenho fraco, já que não havia preocupação de que o governo adotasse restrições.
Isso começou a mudar no ano passado, depois que os democratas (que costumam defender restrições à posse e ao porte de armas) retomaram o controle da Câmara dos Deputados.
Mas muitos proprietários e funcionários de lojas dizem nunca terem visto aumento na procura tão grande quanto o registrado neste momento.
"É maior até mesmo do que após Sandy Hook, que foi o maior aumento que eu já tinha visto (até então)", diz à BBC News Brasil o proprietário da loja Staudt's Gun Shop, Joseph Staudt, referindo-se ao massacre na escola Sandy Hook, em Newtown, Connecticut, no qual 20 crianças e seis adultos foram mortos por um atirador em dezembro de 2012.
Logo após aquela tragédia, o então presidente Barack Obama se lançou em uma campanha para restringir o acesso a armas, o que provocou corrida às lojas por parte de americanos que queriam se antecipar a possíveis proibições.
Staudt afirma que, somente na segunda-feira da semana passada, sua loja, localizada em Harrisburg, no Estado da Pensilvânia, vendeu US$ 35 mil (cerca de R$ 179 mil) em armas e munição. "Normalmente, costumamos vender entre US$ 3 mil e US$ 5 mil dólares", ressalta.
Segundo Staudt, ao longo da semana o valor total das vendas superou US$ 150 mil (cerca de R$ 764 mil).
"Muitos (dos clientes) estavam comprando sua primeira arma. Não tinham armas de fogo e estavam com medo do que pode acontecer se houver falta de suprimentos e as pessoas se desesperarem. Querem garantir que poderão se proteger", observa Staudt.
Nesta semana, a NRA (National Rifle Association), principal grupo de lobby pró-armas dos Estados Unidos, divulgou um vídeo que mostra uma mulher armada e em uma cadeira de rodas, falando sobre como sua arma será usada para proteção "quando tudo der errado".
"Eu espero sobreviver ao coronavírus. (Mas) isso está nas mãos de Deus. O que eu posso controlar é como me defender se as coisas forem de mal a pior", diz a mulher.
Preocupação
Apesar do sucesso nas vendas, no sábado passado Staudt foi obrigado a fechar sua loja. A Pensilvânia faz parte de um grupo de Estados que incluíram lojas de armas na lista de estabelecimentos que não são considerados essenciais (assim como bares, restaurantes, academias de ginástica e outros locais de comércio e lazer) e, portanto, devem ser fechados para evitar a propagação do novo coronavírus.
Um grupo de ativistas por direitos à posse de armas chegou a tentar apelar à Suprema Corte da Pensilvânia para impedir o fechamento das lojas de armas, mas não teve sucesso.
Nos Estados que mantêm suas lojas abertas, alguns proprietários tentam implementar medidas para reduzir o risco de contaminação, como pedir que os compradores preencham os documentos necessários ainda do lado de fora do estabelecimento e limitar o número de pessoas que podem entrar de cada vez.
Em meio à recente explosão na procura por armas, autoridades de saúde pública e defensores de restrições alertam para o risco de suicídios, violência doméstica e acidentes, especialmente em um momento em que a pandemia faz com que muitas pessoas estejam isoladas e enfrentando incerteza financeira e muitas crianças estejam em casa o dia inteiro, com o fechamento das escolas.
Outra preocupação é o grande número de novos proprietários, inexperientes no manejo de armas. Inúmeras pesquisas em saúde pública indicam que ter uma arma em casa, em vez de proteger, pode aumentar os riscos para os moradores.
A Brady: United Against Gun Violence, organização nacional que promove controle de armas, alertou em nota que os proprietários devem garantir que suas armas sejam guardadas em segurança e separadas da munição.
"Ao mesmo tempo em que é compreensível buscar o que pode parecer como proteção em tempos de convulsão, nós devemos reconhecer os riscos de trazer armas para dentro de casa, e adotar todas as medidas apropriadas para reduzir esse risco", afirma a presidente da organização, Kris Brown.
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