Coronavírus: por que a Espanha enfrenta nova onda de infecções após quarentena rigorosa
A Espanha teve um dos confinamentos mais rigorosos contra a covid-19 entre os países da Europa. No entanto, apenas dois meses após a reabertura, o vírus está se espalhando mais rápido do que em qualquer nação vizinha.
Quando o estado de emergência terminou, em 21 de junho, a Espanha registrava de 100 a 150 casos por dia. Esse número aumentou para mais de 3 mil.
Atualmente, o país tem o maior crescimento no número de casos na Europa, quando considerados os diagnósticos positivos por 100 mil habitantes.
O número de mortes, entretanto, segue bem menor do que o registrado durante o pico. Chegou a 122 na quinta-feira (13), contra 950 registradas em 2 de abril, o dia com mais mortes per capita na Europa durante a pandemia de coronavírus.
A maior parte da transmissão é agora entre jovens, e cerca de três quartos dos testes positivos são em pacientes que não apresentam sintomas.
O governo da Espanha admite que os números "não são o que queremos ver", mas aponta para diferenças importantes em relação à primavera. Apenas cerca de 3% dos casos atuais requerem tratamento hospitalar, menos de 0,5% necessitam de cuidados intensivos e a taxa de mortalidade atual é de 0,3%.
"A mortalidade é muito baixa, assim como a taxa de hospitalização. Algo mudou muito, embora o aumento ainda seja preocupante", diz Ildefonso Hernández, professor de saúde pública da Universidade Miguel Hernández de Alicante.
"Enquanto os casos estão aumentando, temos que pensar que uma segunda onda está a caminho. Não temos muito tempo para reagir antes do retorno às rotinas em setembro."
A temporada de turismo na Espanha acabou sendo menos movimentada que o esperado. Isso porque a maioria dos países passou a incluir esse destino na lista de contraindicações semanas após a reabertura do país, no fim de junho.
Isso significa que as áreas de praia evitaram, até agora, taxas mais altas de infecção, embora a taxa de infecção da Catalunha esteja um pouco acima da média nacional, com 145 casos por 100 mil habitantes.
Diferença entre as regiões
A saúde é uma competência das 17 regiões da Espanha, e algumas parecem muito mais bem preparadas do que outras. Na extremidade da escala com melhores resultados, a região norte das Astúrias tem uma taxa de infecção de 32, enquanto Aragão, no nordeste, chega a 500.
A capital de Aragão, Saragoça, tornou-se um centro de transmissão comunitária nas últimas semanas, mas os problemas começaram no início do verão, quando milhares de trabalhadores sazonais, muitos deles migrantes, começaram a viajar para os pomares da região.
Empresas de produção e embalagem das frutas têm sido criticadas por não fornecerem acomodação para trabalhadores migrantes, levando-os a viajar entre abrigos e campos ou habitarem lugares insalubres.
"Tudo o que acontece em Aragão está muito ligado a surtos entre os trabalhadores sazonais na colheita de frutas. Deveria haver mais antecipação dos problemas que poderiam surgir devido à situação de acomodação desses trabalhadores", explica Juan González Armengol, presidente da Sociedade Espanhola de Medicina de Emergência (Semes).
E o pior é que mais de 55 asilos para idosos em Aragão registraram casos de coronavírus desde o fim do estado de emergência.
Há o risco de que as áreas que escaparam da pior devastação da pandemia durante a primavera sejam atingidas por uma segunda onda à medida que o outono se aproxima.
Em junho, Aragão estimou cerca de 760 mortes em residências, 10 vezes menos do que em Madri.
Como a política danosa está colocando Madri em risco
A política espanhola carece de qualquer consenso ou espírito de colaboração na gestão da crise do coronavírus.
Enquanto o governo nacional do primeiro-ministro socialista Pedro Sánchez enfrentou acusações de rivais de mentir sobre as taxas de mortalidade, o governo regional de Madri, dirigido pelo conservador Partido Popular, atraiu críticas igualmente ferozes.
Depois de um colapso chocante do sistema de hospitais públicos de Madri na primavera, e com 50% a mais de mortes do que a região mais populosa da Catalunha, a capital está agora vendo o número de casos dobrar semana após semana.
"Entre os fatores para os altos números de infecção que estamos vendo, a qualidade da democracia espanhola tem sua participação. Se a prestação de contas fosse mais rígida, não seria aceitável que algumas regiões, e não apenas Madri, demorassem tanto para implementar medidas", diz Hernández.
Os números
Oficialmente, 28.813 pessoas morreram de covid-19. O Ministério da Saúde da Espanha contabiliza apenas aqueles que testaram positivo para o vírus.
De acordo com as estatísticas que consideram o excesso de mortalidade, a estimativa é que 44.596 morreram devido à covid-19.
O governo espanhol diz que mais de 19 mil idosos morreram em lares de idosos, embora apenas cerca de metade tenha sido incluída no número oficial de mortos.
À medida que as infecções aumentaram, hospitais em muitas áreas pararam de enviar ambulâncias para lares de idosos, de modo que os residentes morreram sem diagnóstico e muitas vezes com muito pouco tratamento.
"Nunca mais podemos deixar nossos idosos morrerem sozinhos e com medo", disse Ximena Di Lollo, da Médicos Sem Fronteiras, que criticou a falta de preparação e equipe escassa.
Como a juventude espanhola acelerou a onda no norte
Durante três meses, os espanhóis ficaram confinados. Isso significa, claro, que muitos jovens ficaram presos em suas casas. E agora as festas de rua e a vida noturna estão sendo apontadas como os maiores catalisadores de novos surtos, junto com reuniões familiares.
Os festivais foram cancelados, mas isso não impediu que multidões se reunissem em Pamplona, capital de Navarra, para o dia 7 de julho, data do início da mundialmente famosa tourada (corrida de touros) de San Fermín.
Na sexta-feira (14), 400 jovens desfilaram pelas ruas da vizinha Tafalla, marcando o "não-festival" da cidade.
No vizinho País Basco, que está à frente de Navarra como a terceira região mais afetada da Espanha neste mês, os encontros de grupos jovens também estão relacionados aos surtos.
Das 350 pessoas convocadas para teste após uma noite movimentada na boate Back & Stage de Bilbao no mês passado, pelo menos 34 testaram positivo, o tipo de resultado que levou a um acordo entre as autoridades espanholas a encerrar toda a vida noturna após 1h.
"Foi como qualquer outra noite no clube e muitas pessoas não usavam máscara, mesmo quando dançavam. Fui um dos primeiros a tirar a minha", disse Arkaitz Serrano, de 18 anos, ao jornal El País.
"Os espanhóis foram extremamente meticulosos em seguir as regras durante o confinamento, mas houve um relaxamento massivo agora que voltamos a uma espécie de normalidade", observa Hernández.
O governo basco proibiu esta semana as chamadas festas botellón, reuniões de jovens ao ar, com bebidas alcoólicas. Mas o botellón é um problema nacional.
Em Madri, o governo regional pediu reforços da polícia para encontrar e dissolver essas festas, cujo número tem aumentado à medida que as restrições a baladas e bares entram em vigor.
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