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Mulan: a lenda chinesa que inspirou o novo filme da Disney

Lan Dong * - Revista BBC HistoryExtra

07/09/2020 18h02

Personagem tradicional da cultura chinesa, Mulan já foi readaptada para diferentes contextos históricos e ganhou fama mundial com animação de 1998.

Mulan, filme de ação da Disney, alcançou uma marca histórica na última semana ao se tornar a primeira produção de orçamento multimilionário (US$ 220 milhões) de Hollywood a ser lançada diretamente na TV, sem ter passado pelo cinema.

A pandemia da covid-19 afetou os planos de lançamento do filme, inicialmente previsto para março, adiado para julho e depois para agosto, até que a Disney o retirou de seu calendário de estreias, a despeito dos grandes investimentos em marketing.

Finalmente, soube-se que Mulan seria colocada para venda em streaming sob demanda, por US$ 29,99 (R$ 160), no Disney+ (serviço que estará disponível no Brasil a partir de 17 de novembro) - em uma amostra do esforço para encontrar esquemas de distribuição alternativos para produções hollywoodianas lucrativas no momento em que a maioria dos cinemas de EUA e China (os maiores mercados) seguem fechados pela pandemia.

A superprodução é uma nova versão da animação Mulan, de 1998, e uma adaptação da lenda chinesa sobre a luta de uma menina que supera desafios e demonstra seu valor, não só para salvar o Império Chinês e honrar sua família, como também para assegurar um interesse romântico e casamento futuro.

Embora a animação tenha ajudado a popularizar Mulan para o público global, a lenda já tinha um longo histórico de adaptações e transformações na China e em outros lugares, antes e depois de 1998.

A história real de Mulan na cultura chinesa

Na China, Mulan é praticamente sinônimo de "heroína".

O primeiro texto escrito da história de Mulan é um folclore que remonta às dinastias do norte da China, entre 386 e 581 d.C.

Em pouco mais de 300 palavras, a Balada de Mulan conta a história de uma menina que se veste de homem e se junta ao Exército, ocupando o lugar de seu pai, por não ter um irmão mais velho para cumprir esse papel.

Depois de anos na campanha militar a serviço de seu país, ela regressa ostentando a honra e agrados do imperador.

Seus pais, sua irmã e seu irmão mais novo preparam um banquete de boas-vindas. Mulan troca de roupa, arruma o cabelo, se maquia e cumprimenta seus companheiros soldados, agora em choque ao descobrir que se trata de uma mulher.

À semelhança de outros contos populares e com numerosas variações, a lenda de Mulan inclui alguns elementos típicos: o personagem principal que sai de casa, se aventura e conquista algo extraordinário.

Histórias do tipo tendem a ser elásticas, o que permite a adição de detalhes e adaptações variadas.

Vale a pena destacar a mensagem subjacente: a transgressão de Mulan (fingir ser homem) é justificada (para salvar o pai e servir o país), reivindicada (pelo êxito no serviço militar) e mitigada ao final (ela volta para casa e retoma a vida de mulher).

Portanto, é extraordinária, mas sem ameaçar a estrutura social vigente.

Desde a balada, tanto o nome quanto a história de Mulan foram adaptadas e recontadas em diferentes gêneros ao longo de várias dinastias imperiais chinesas. Escritores do país elogiaram as façanhas da personagem, como sua lealdade, virtude e habilidades marciais, ao mesmo tempo em que lhe acrescentavam detalhes vívidos.

Cada reconto costuma refletir o contexto histórico de sua época.

Por exemplo, uma peça de teatro do século 16 chamada Mulher Mulan vai ao Exército no lugar de seu pai retrata Mulan como uma donzela guerreira que passa a usar sapatos masculinos mas depois que regressa à casa, volta a prender seus pés, uma prática comum em pés femininos da época. A obra termina com o casamento de Mulan com um marido escolhido pelos pais.

Adaptações nos anos 1930 apresentam Mulan como uma heroína nacional e um símbolo chinês em um momento de luta contra a invasão japonesa.

Mais tarde, a personagem teve um papel importante na ideologia política do Partido Comunista em defesa da igualdade de gênero.

É uma figura histórica real?

Não há evidências de que Mulan tenha existido de verdade, embora não se descarte que uma pessoa real tenha inspirado a balada original.

Esse texto não traz nenhum detalhe sobre a aparência de Mulan, mas, posteriormente, começaram a surgir desenhos dela em livros sobre mulheres belas ou como ilustrações dos recontos da história.

Ao mesmo tempo em que não serve de prova de que Mulan foi de fato uma figura histórica, isso trouxe elementos adicionais à história, fazendo com que ela continuasse a se transformar.

A popularização entre o público de língua inglesa

Embora seja difícil precisar a data exata da primeira aparição de Mulan em inglês, as traduções da Balada de Mulan começaram a aparecer por volta do século 19. E, no século seguinte, foi por meio de The Woman Warrior (A mulher guerreira, em tradução livre) que Mulan foi apresentada mais amplamente a leitores nos EUA e, nas traduções, para outros países.

O livro recebeu prêmios e honrarias e passou a ser amplamente utilizado em escolas e universidades, gerando acalorados debates acadêmicos e conquistando leitores em geral.

A animação de 1998 da Disney, junto com sua sequência Mulan II (lançada diretamente em vídeo em 2005) e a produtos complementares, ajudaram a fazer do personagem um fenômeno global.

E, mesmo havendo tantas adaptações da história de Mulan ao cinema, em chinês e inglês, nenhuma recebeu tanta atenção de espectadores e críticos quanto a animação de 1998.

Alguns elogiaram o personagem como modelo a seguir; outros criticaram a caricatura racial e a apropriação cultural do filme.

De qualquer modo, a versão animada da Disney foi lançada em mais de 30 versões dubladas, foi um sucesso de bilheterias e conquistou enorme popularidade global.

O novo filme, de ação ao vivo, dirigido pela neozelandesa Niki Caro e com um elenco asiático, reflete o êxito financeiro e a influência cultural duradoura de seu antecessor animado - e evidencia a popularidade de Mulan entre crianças e adultos.

*Lan Dong é autora de "A Lenda e o Legado de Mulan na China e nos EUA". É professora do Departamento de Inglês da Universidade de Illinois em Springfield (EUA)

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