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Eleição nos EUA 2020: Trump tem chances de reverter resultados pedindo recontagem dos votos?

Mariana Sanches - Da BBC News Brasil em Washington

05/11/2020 19h40

Republicano já anunciou que pedirá nova apuração no Wisconsin. Os dados e a experiência do próprio presidente em 2016 mostram que, com a margem de 20 mil votos de Biden, virada é improvável.

Com mais de 99% das urnas apuradas, Wisconsin, um dos três grandes Estados-pêndulo no Meio-Oeste americano, projeta vitória do democrata Joe Biden sobre o presidente Donald Trump na eleição.

Biden lidera por pouco mais de 20 mil votos e, por isso, levaria os 10 delegados do Estado no Colégio Eleitoral. Mas, dois dias depois da eleição, a definição no Wisconsin pode ainda estar longe de ser obtida, mesmo que 100% dos votos sejam apurados. Isso porque a campanha do republicano Trump anunciou que irá pedir recontagem dos votos.

"O Wisconsin tem sido uma corrida acirrada como sempre soubemos que seria. Tem havido relatos de irregularidades em vários Condados, que levantam sérias dúvidas sobre a validade dos resultados. O presidente está dentro do limite para solicitar uma recontagem, e faremos isso imediatamente", afirmou o gerente da campanha Bill Stepien, em nota, sem mencionar especificamente quais seriam as "irregularidades" a que se referiu.

Até o momento, não há qualquer evidência sólida de fraude eleitoral.

Nos Estados Unidos, cada unidade da federação tem suas próprias regras para votação e apuração. Pela lei do Wisconsin, qualquer candidato pode pedir recontagem dos votos, sem necessidade de recorrer à Justiça, desde que a diferença entre ele e seu oponente seja menor de 1%.

"No Arizona e na Geórgia, onde a apuração ainda não terminou, a distância entre os dois candidatos pode ser ainda menor, o que torna bastante provável um pedido de recontagem também ali", afirmou à BBC News Brasil o estatístico Jonathan Hanson, professor de política na Universidade de Michigan e ex-assessor legislativo no Congresso.

A Geórgia garante que candidatos possam pedir nova apuração em caso de derrota por menos de 1%, e o Arizona assegura recontagem automática caso haja resultado com margem inferior a 0,1%.

A recontagem pode mudar o cenário?

Há, no entanto, dúvidas se o presidente Trump irá mesmo seguir com o plano da recontagem, e não só porque o custo da empreitada pode chegar a US$ 3 milhões (R$ 16,6 milhões), conforme projeção do jornal The New York Times, que teria que ser bancado pela campanha do republicano.

Mas também, e especialmente, porque há pouca chance de que uma recontagem possa realmente mudar o atual resultado favorável a Biden.

Essa advertência foi feita ao presidente por um de seus aliados, o republicano Scott Walker, ex-governador de Wisconsin, via Twitter: "Após recontagem na corrida presidencial de 2016 em Wisconsin, os números aumentaram em 131. Como eu disse, 20 mil votos é um grande obstáculo".

Walker se refere a uma recontagem pedida pela então candidata do partido verde, Jill Stein, que tinha como objetivo reduzir a margem a favor do então candidato Donald Trump, que venceu no Wisconsin há 4 anos, com diferença de votos a favor muito semelhante à margem pela qual está perdendo agora: 22.617 votos sobre a democrata Hillary Clinton.

Ao final da recontagem, as autoridades eleitorais do Wisconsin encontraram 131 votos a mais... para Trump.

Histórico recente é desfavorável a recontagens

O histórico de eleições e recontagens nos Estados Unidos entre 2000 e 2015 corroboram a opinião e a experiência de Walker. Dos 4687 pleitos ocorridos no período, 27 tiveram recontagem. Desses, em apenas três houve uma reversão de resultados.

Em nenhum desses três casos, no entanto, houve uma diferença maior do que 450 votos em relação à primeira apuração. Foi essa diferença de apenas algumas centenas de votos recontados que definiram o Governador de Washington em 2004, o senador por Minessota em 2008 e um auditor estadual em Vermont em 2006. A compilação foi feita pelo instituto apartidário FairVote.

Na quinta-feira, quando os Estados Unidos completam mais de 48 horas de apuração sem chegar a um resultado final, uma das líderes do FairVote, a pesquisadora da Universidade da California em Berkeley Charlotte Hill escreveu um artigo para o jornal The New York Times em que afirma que "a eleição de 2020 já se provou uma bagunça, enterrada em litígios e infestada de desinformação que se espalha por meio de partidarismo tóxico".

Os americanos temem repetir o cenário traumático da eleição de 2000, quando o democrata Al Gore e o republicano George W. Bush disputaram a presidência.

Bush foi declarado vitorioso na Flórida por uma margem de apenas 1784 votos, em um universo de mais de 6 milhões de votos. A disputa da recontagem foi parar na Suprema Corte, e os americanos levaram mais de um mês para descobrir quem seria seu novo presidente.

A recontagem no Estado revisou a vantagem de Bush para apenas 537 votos, e ele levou não apenas os delegados da Flórida como venceu a eleição no colégio eleitoral.

Por que insistir em recontagem se pouco ou nada mudará?

Em 2016, quando foi alvo do pedido de recontagem no Wisconsin pelo partido Verde, um furioso Trump foi ao Twitter acusar a agremiação de pretender "encher seus cofres" com a ação. Isso porque os verdes lançaram uma campanha de arrecadação de fundos para pagar pela recontagem, conforme manda a legislação estaadual.

Agora, é Trump quem lançou uma campanha para financiar recontagens e processos judiciais. Até quinta-feira, a campanha republicana já arrecadara mais de U$ 8 milhões (R$ 44,2 milhões) com esse objetivo.

Mas o que poderia motivar o presidente a seguir adiante com uma empreitada que poderia levá-lo a não só confirmar a própria derrota como a perder milhões de dólares?

"Há uma clara tentativa dos republicanos de criar uma narrativa de que houve uma votação ilegal, que os democratas estão tentando roubar as eleições, o que vai criando confusão e dúvidas na população", afirma Hanson.

Ainda durante a campanha, Trump afirmou que o processo de votação pelo correio seria fraudulento. Esse é o meio pelo qual uma parcela significativa dos democratas optaram por votar, para evitar exposição ao novo coronavírus.

Os Estados Unidos vivem uma terceira onda da doença e têm registrado seguidos recordes diários de novos casos nas últimas semanas. A pandemia já matou mais de 230 mil pessoas no país.

E apenas oito horas após o início das apurações, Trump fez um discurso na Casa Branca em que se dizia vencedor da eleição e acusava o processo de ser fraudulento, mesmo sem evidências disso.

Ele já entrou com inúmeros processos judiciais, o que forçou a Pensilvânia, por exemplo, a paralisar a contagem por algumas horas na manhã desta quinta-feira. Um de seus advogados na Pensilvânia, Rudy Giuliani, afirmou que havia "roubalheira em massa" no Estado.

"A campanha de Trump está buscando qualquer rota jurídica que possa impedir ou retardar uma possível derrota dele. Mas esses artifícios tendem a ser completamente infrutíferos. Na prática, os republicanos devem apenas ajudá-lo a criar uma desculpa para si mesmo, de que ele foi roubado", avalia Hanson.


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