Como milhões de pessoas ficaram sem eletricidade no Texas, o Estado que mais produz energia nos EUA
O Estado do Texas, nos Estados Unidos, alega ser o maior produtor de energia do país e um dos maiores do mundo, mas esta semana milhões de seus habitantes ficaram no escuro.
A onda de frio que atinge o Texas deixou sem água e eletricidade muitos de seus moradores, que tiveram que sobreviver às baixas temperaturas sem ter os confortos habituais.
Na sexta-feira (19), o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, aprovou uma declaração estado de emergência no Texas, abrindo caminho para investimento de fundos federais no combate à emergência climática pela qual o Estado passa.
Em um comunicado divulgado pela Casa Branca, Biden disse que "ordenou assistência federal para complementar os esforços de recuperação estaduais e locais em áreas afetadas" pela onda de frio.
A eletricidade foi gradualmente restaurada, mas as condições permanecem críticas em um Estado não acostumado a essas ondas de frio.
Segundo especialista, a raridade do frio no Estado não deveria se traduzir em falta de preparação, especialmente em um Estado com tantas fontes de energia. Como o Texas chegou a esse ponto?
Capital nacional da energia
O Texas é o Estado número um tanto para a produção de petróleo bruto quanto para gás natural, de acordo com a Agência de Informação de Energia dos EUA (EIA, na sigla em inglês). O Estado produziu 41% da produção de petróleo dos Estados Unidos em 2019 e um quarto de sua produção de gás natural.
A energia eólica também está em alta no Texas, que produziu cerca de 28% de toda a eletricidade gerada por esse meio em 2019, de acordo com a EIA.
Depois da crise, grupos contrários ao uso de energia renovável tentaram espalhar notícias falsas de que a culpa pela falta de energia era da produção de energia eólica, mas, na verdade, o que aconteceu foi o contrário: um dos motivos da falta de enegia foi a alta dependência do Estado do uso de gás natural para a produção de energia elétrica, além da falta de infraestrutura adequada para o frio.
As usinas de gás natural e carvão precisam de água para permanecer operacionais, mas as instalações de água congelaram.
"Muitas empresas de geração de energia congelaram durante a noite e perderam a capacidade de gerar energia", escreveu o governador do Texas, o republicano Greg Abbott, no Twitter.
Combinados, o gás natural e o carvão respondem por mais da metade da energia consumida pelo estado em 2020.
"Tivemos problemas na distribuição de gás e eletricidade por vários motivos", disse Michael Webber, professor de Recursos Energéticos da Universidade do Texas em Austin, à BBC News Mundo, o serviço de notícias em espanhol da BBC.
"A demanda de energia era muito alta por causa do frio e esse mesmo frio fez com que algumas usinas quebrassem: fechavam e paravam de funcionar. Também dificultava o fornecimento de gás natural", explica. "A combinação de escassez de gás natural e eletricidade cria uma crise com apagões intermitentes como o que vimos."
Peculiaridades do sistema
O sistema de energia do Texas tem algumas características particulares que podem ter influenciado a crise vivida esta semana. Ao contrário de outros Estados, o Texas tomou a decisão de isolar sua rede elétrica do restante do país.
Isso significa que, em circunstâncias normais, o Texas não poderá exportar o excesso de energia para os Estados vizinhos. Mas, em situações de necessidade, como no caso atual, em que o sistema estadual falhou, também é impossível que a energia seja redirecionada para lá a partir de outros locais.
Para Webber, o Estado adotou esse sistema para evitar a supervisão federal e atenção regulatória de Washington.
"Uma rede independente tem vários benefícios, pois facilita a forma de captação de energia renovável e melhora o funcionamento das linhas de transmissão", afirma. ele. "Mas sem dúvida tem seus inconvenientes, e a principal delas é impedir o apoio de outros Estados ou países quando surgem dificuldades", acrescenta.
Além disso, desde 2002, o mercado de energia no Texas está parcialmente desregulamentado, o que também ocorre em outros estados, mas não de forma tão intensa.
O Texas não deu, por exemplo, incentivos às empresas de energia para instalar sistemas de backup para lidar com eventuais emergências, como apontou o economista Paul Krugman no jornal The New York Times. Isso tornou a eletricidade mais barata em circunstâncias normais, mas deixou o sistema vulnerável quando surgiram problemas.
De acordo com um relatório de 2014 da TCAP (Texas Coalition for Affordable Electricity, coalização por eletricidade acessível, em português), a "desregulamentação custou aos texanos cerca de US$ 22 bilhões (perdidos em arrecadação) entre 2002 e 2012. E os residentes do mercado desregulamentado pagam preços consideravelmente mais altos do que aqueles que vivem em partes do Estado ainda sob regulamentação."
O TCAP descobriu que um consumidor médio em uma das áreas regulamentadas, como Austin ou San Antonio, pagou US$228 a menos em 2012 do que os consumidores em áreas não regulamentadas.
No entanto, o relatório concluiu que uma nova regulamentação do mercado desregulamentado não resolveria o problema e sugeriu uma série de reformas destinadas a aumentar a eficiência do mercado.
As lições do passado
Embora as cenas de neve e gelo que vimos atualmente no Texas sejam incomuns, não são inéditas.
Em 2011, há uma década, outra forte onda de frio deixou milhões de texanos sem energia, levando o Estado a considerar possíveis soluções para evitar que uma situação semelhante se repetisse. Em um relatório de 357 páginas, a Comissão Federal de Regulamentação de Energia incentivou o Estado a aclimatar suas usinas para o inverno, com isolamento térmico, canos de calor e outras medidas.
No entanto, o relatório parece ter sido ignorado, porque muitos dos principais geradores não estavam aclimatados ao frio neste ano, especialmente no sistema de gás natural.
"Aparentemente, não aprendemos as lições certas ou não implementamos as soluções baseadas nessas lições, então agora temos uma repetição da mesma situação", lamenta Webber.
Nesse contexto, não faltaram pessoas tentando culpar as energias renováveis, e até mesmo o Green New Deal, uma proposta da deputada Alexandria Ocasio-Cortez e de outros legisladores federais de esquerda para tornar a energia mais renovável e combater as mudanças climáticas.
"É ridículo responsabilizar o Green New Deal, primeiro porque ele ainda não existe. Mas também porque o Texas tem um sistema de energia independente, então legisladores de outros Estados ou de Washington não tomam decisões pelo Texas quando se trata de eletricidade", afirma Michael Webber.
"Também é ridículo responsabilizar as energias renováveis, porque no Texas temos uma rede dominada por gás natural e carvão, que respondem por 70% da eletricidade. A energia nuclear é 10% e a energia eólica e solar 20%. Quatro quintos vêm das convencionais fontes, por isso é ridículo culpar essas outras opções", diz ele.
Como evitar outra crise?
Os especialistas concordam que o Estado precisa aclimatar todas as suas instalações de energia. E para Michael Webber, há muitas outras coisas que podem ser feitas para evitar cenas como as atuais.
"Podemos aclimatar as usinas de energia e o sistema de gás para funcionar no frio, mas também investir em sistemas de aquecimento mais eficientes em nossas casas para que elas não precisem de tanta energia. Podemos considerar outras tecnologias, como armazenamento de energia ou microrredes, para tornar a rede geral mais resiliente", diz ele.
"Podemos nos interconectar com outras redes. Podemos diversificar nosso sistema para que não seja tão dominado pelo gás", conclui.
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