Equador e Peru: o que esperar das eleições de amanhã em dois países devastados pela pandemia
Amanhã, os eleitores do Equador e do Peru irão às urnas para eleger seus presidentes em meio a um conjunto de crises que foram intensificadas durante a pandemia do coronavírus.
A exemplo do que ocorre em outros países da América Latina, nos dois países andinos a forte queda na economia agravou a situação de pobreza e de exclusão social e evidenciou a precariedade dos sistemas de saúde.
O quadro contribuiu para a apatia e a indefinição do eleitorado. As cenas dramáticas de pessoas morrendo nas ruas da equatoriana Guayaquil e as intermináveis filas para a compra de tubos de oxigênio no mercado paralelo na capital peruana, Lima, no ano passado, ainda estão na memória e entre os temores dos habitantes dos dois países — que também ainda enfrentam registros altos de covid-19.
Nos últimos dias, as filas continuavam, porém, menores que antes. "Os que podem compram os tubos por precaução e os deixam em casa. Quando algum familiar sofre a doença, chamam um médico particular para controlar as medições do tubo e assim se evita ter que ir a um hospital onde a situação é caótica", conta um economista peruano residente em Lima. Muita gente ainda não sabe se vai votar e só decidirá na última hora por medo a ser infectado. O voto é obrigatório, mas a multa em torno de 88 soles (cerca de 20 dólares) é avaliada como opção pelos que podem pagá-la.
O analista político Alfredo Torres, presidente executivo da Ipsos-Peru, disse à BBC News Brasil que a situação da pandemia "gerou muita irritação" na população com o sistema de saúde "que não funciona" e a falta de vacinas. E a situação, afirma Torres, se reflete na "fragmentação histórica" prevista para a eleição deste domingo.
Para completar, o Equador já está em seu quinto ministro da Saúde desde o início da pandemia e, no Peru, um escândalo de "fura-filas" de vacina contra a covid-19 provocou, em fevereiro, a saída dos ministros da Saúde e das Relações Exteriores do governo de Francisco Sagasti — quarto sucessor a assumir a Presidência desde a queda do presidente Pedro Pablo Kuczynski, PPK, e depois do vice-presidente, Martín Vizcarra e do presidente do Congresso da República Manuel Merino.
O desgaste político dos líderes atuais no Equador e no Peru é outro fator desta eleição, como observaram analistas e observadores ouvidos pela BBC News Brasil.
"O presidente (equatoriano) Lenín Moreno gerou desconfiança dos setores ligados ao ex-presidente Rafael Correa quando rompeu a relação com ele. Mas a decisão de Moreno de romper com Correa também acabou gerando desconfiança em relação a ele nas outras forças políticas. Ele é hoje o presidente menos popular desde a volta da democracia em 1979", disse o cientista político Simón Pachano, professor da Flacso (Faculdade Latino-americana de Ciências Sociais) do Equador.
Pachano acrescentou que não está claro quem poderá ser o vencedor do pleito desde domingo. "As pessoas já estavam desanimadas com a economia e o desempenho de Lenín Moreno, e a pandemia somou mais desânimo aos eleitores", disse.
Será neste ambiente político que os equatorianos votarão no segundo turno entre candidatos que são vistos como extremos opostos em função de suas trajetórias e das propostas que apresentaram durante a campanha eleitoral.
Os presidenciáveis Andrés Arauz, que se define de esquerda, é da Fuerza Compromiso Social (Força Compromisso Social) e foi ministro no governo Correa. O empresário Guillermo Lasso, conservador, é contrário a iniciativas como o casamento entre pessoas do mesmo sexo e na reta final da campanha disse, porém, que governaria para todos, como observou Pachano.
Arauz é o candidato do ex-presidente Correa, o qual governou o Equador durante dez anos, entre 2007 e 2017, e hoje mora na Bélgica (em exílio, nas palavras de opositores, já que foi condenado a oito anos de prisão por denúncias de corrupção em seu país). No primeiro turno da eleição, em fevereiro, Arauz, 36, foi o mais votado, com 32,7%. Lasso recebeu 19,74% dos votos com uma leve diferença para o terceiro candidato, Yaku Pérez, do movimento indígena Pachakutik, após uma apuração que durou vários dias.
Das pesquisas divulgadas antes da eleição, cinco apontavam Arauz como vencedor e quatro indicavam que seria Lasso.
Com uma população de cerca de 17,3 milhões de habitantes e aproximadamente 13 milhões de eleitores, o Equador registra 32% de pobres, segundo dados oficiais. O país onde a moeda é o dólar registrou queda de 7,5% da sua economia em 2020, segundo o FMI (Fundo Monetário Internacional).
Para este ano, o organismo prevê que o país registrará recuperação de apenas 2,5%, segundo publicou o jornal El Comercio, de Quito. A situação econômica, incluindo a manutenção ou não do dólar, e o possível retorno de Correa ao país, caso Arauz seja eleito, fizeram parte das discussões políticas na reta final da campanha, em que os candidatos apareceram quase todo o tempo usando máscaras como prevenção contra o coronavírus.
Fragmentação e 'Bolsonaro peruano'
No vizinho Peru, a fragmentação política é tal que a disputa neste primeiro turno inclui uma lista de 18 candidatos presidenciais.
Nos dois casos, existe cautela entre os analistas sobre o resultado, apesar de, no Peru, a expectativa ser de realização do segundo turno no dia seis de junho.
"Aqui todos parecem opositores e o candidato governista (Julio Guzmán) aparece com poucas chances", disse um observador dos bastidores da política local.
Dos 18 candidatos, 6 deles teriam a chance de chegar ao segundo turno — entre eles a filha do ex-presidente Alberto Fujimori e ex-candidata presidencial Keiko Fujimori que disputa a corrida pela terceira vez.
Na campanha anterior, ela evitava a figura do pai, preso. Nesta, a candidata mostra aproximação com o político que governou o país durante dez anos entre 1990 e 2000. Ela passou a defender "la mano dura" (mão dura) contra a criminalidade, despertando apoio de antigos e novos eleitores fujimoristas, de acordo com observadores locais.
Entre os outros candidatos que se destacaram nos últimos dias estão Pedro Castillo, da esquerda Peru Libre, Verónila Mendoza, da esquerda Juntos por el Perú, Hernando de Soto, de direita, do Avanza País, Yonhy Lescano, da tradicional Acción Popular, e e o milionário e ultraconservador Rafael López Aliaga, da Renovación Popular.
No âmbito político e na imprensa local, López Aliaga é chamado de "Bolsonaro peruano" pelo discurso agressivo, por ter construído sua base com apoio de religiosos e por não defender, por exemplo, o uso de máscara contra a covid. "O Bolsonaro do Peru que disputa a eleição", replicou o jornal Página 12, de Buenos Aires, a partir da imprensa peruana.
"Esta é a eleição mais fragmentada da nossa história e, ao mesmo tempo, muito polarizada entre os extremos de direita e de esquerda. Os de centro não conseguiram apoio", disse Torres.
"Com mais de 30% de indecisos ou que já declararam que votarão em branco ou nulo qualquer resultado é esperado para este domingo. A única certeza que temos é que haverá segundo turno", diz o professor Carlos Aquino, da UNMSM (Universidade Nacional Mayor de San Marco), de Lima.
A volatilidade da intenção de votos dos eleitores peruanos já colocou Lescano à frente com apenas 10% das intenções de votos e diferenças mínimas para os demais candidatos na pesquisa realizada pela Ipsos para o jornal El Comercio, de Lima, publicada no dia quatro de abril. Mas horas antes da votação, o quadro parecia diferente e analistas não descartavam que os vencedores deste primeiro turno seriam — "os extremos opostos — Keiko e Castillo.
Nos debates, além da pandemia e da economia, surgiram temas ligados ao Brasil, como os escândalos envolvendo empreiteiras brasileiras como a Odebrecht, que estiveram ligados às prisões de três presidentes e ao suicídio do ex-presidente Alan García.
País com pouco mais de 32 milhões de habitantes e quase 25 milhões de eleitores, o Peru mostrou na pandemia que seu desempenho macroeconômico, com estabilidade e crescimento constante nos últimos anos e que era apontado como um dos modelos da região, não foi transferido para o bem-estar da população, apesar da forte queda na pobreza que tinha registrado recentemente, segundo analistas locais.
A pobreza havia caído drasticamente na década passada, mas, com cerca de 74% dos trabalhadores na economia informal, e hospitais despreparados e carentes de leitos e oxigênio para seus pacientes, o Peru foi palco de algumas das cenas globais mais dramáticas de colapso na saúde nos primeiros meses da pandemia. Apesar do fechamento de fronteiras para tentar evitar a ampliação da chegada do vírus ao país, os trabalhadores continuaram saindo para trabalhar — "porque não têm outra opção já que a informalidade é dominante no país", disse o professor Carlos Aquino, da UNMSM (Universidade Nacional Mayor de San Marco), de Lima.
Segundo a Cepal (Comissão Econômica para América Latina e Caribe), a economia peruana encolheu quase 13% em 2020, mas deve registrar forte recuperação de aproximadamente 9% em 2021. No entanto, 7 de cada 10 peruanos são considerados hoje pobres ou podem entrar na pobreza diante da sua frágil situação econômica, segundo publicou o diário Gestión, de Lima.
Neste domingo, além de votar para presidente, os peruanos votam para eleger os congressistas do Parlamento, que é unicameral. A expectativa é de fragmentação também na casa.
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