Ricardo Salles na mira da PF: manter ministro ameaça acordos do Brasil com o mundo, diz pesquisador de instituto alemão
A operação da Polícia Federal (PF) que teve o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, como um dos alvos, nesta quarta-feira (19/05), torna mais difícil para o Brasil firmar acordos com o resto do mundo, na avaliação do pesquisador Carlos Rittl, do Instituto de Estudos Avançados em Sustentabilidade de Potsdam, na Alemanha.
Rittl considera também que a ação contra o ministro pode complicar ainda mais o processo de entrada do Brasil na OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, considerada o "clube dos países ricos") e a ratificação do acordo entre Mercosul e União Europeia, anunciado há quase dois anos e até hoje em "banho-maria".
"O impacto disso é enorme. Inclusive, acho que as conversas com o Brasil no sentido de fechar novos acordos serão suspensas ou, no mínimo, colocadas banho-maria sem prazo para terminar", disse o pesquisador à BBC News Brasil.
A operação da PF foi ordenada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, em uma ação que investiga a venda ilegal de madeira para os Estados Unidos e para a Europa.
Moraes determinou a quebra dos sigilos fiscal e bancário do ministro e também ordenou o afastamento do presidente do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), Eduardo Bim, e mais nove integrantes da alta cúpula do instituto, como medida preventiva.
A ação da PF investiga desde janeiro deste ano suspeitas de crimes como corrupção, advocacia administrativa, prevaricação e facilitação de contrabando. A investigação começou a partir de denúncias feitas por autoridades estrangeiras sobre suposto "desvio de conduta de servidores públicos brasileiros no processo de exportação de madeira".
Em conversa com jornalistas, Ricardo Salles avaliou que a operação da Polícia Federal foi "exagerada e desnecessária". Ele argumentou que "todos os que foram incluídos nesta operação sempre estiveram à disposição para esclarecer quaisquer questões".
"Até onde eu sei, uma carga foi exportada para os Estados Unidos, que pediu documentos que não constavam. Analisando o caso, a presidência do Ibama entendeu que a regra invocada (pelos Estados Unidos) já naquela altura deveria ter sido alterada. Por isso, aparentemente, agiu de forma técnica", disse Salles.
Para Carlos Rittl, uma das consequências diretas da ofensiva contra o ministro é dificultar a entrada do Brasil na OCDE. Em dezembro de 2020, o ministro da Economia, Paulo Guedes, havia dito que o país estava pronto a ingressar no grupo e que isso reforçaria a agenda ambiental e de governança do Brasil.
A entrada do Brasil na OCDE, grupo que reúne as economias mais desenvolvidas do mundo, é negociada e aguardada desde o governo do presidente Michel Temer (2016-2019), mas também está empacada por conta de supostas reservas de países membros e a uma falta de apoio dos Estados Unidos.
A OCDE realiza seu encontro anual do conselho de ministros dos países membros entre 31 de maio e 1º de junho, quando esperava-se que pudesse haver um avanço nas negociações com o Brasil.
"Eles devem falar da explosão do desmatamento na Amazônia, da violência contra povos indígenas e o como isso representa um obstáculo para os objetivos deste acordo comercial, no seu capítulo sobre desenvolvimento sustentável. Essa será, talvez, a última reunião do grupo. A intenção era de que este encontro desse um bom encaminhamento na entrada para a OCDE. Mas muito provavelmente não vai ter encaminhamento nenhum", afirmou Rittl.
Ele afirmou que há diversos critérios ambientais que precisam ser respeitados pelos países que se candidatam a uma vaga na OCDE. Os membros do grupo fazem uma análise para avaliar se aquele país está seguindo ou não as cláusulas relacionadas à transparência, combate à corrupção, respeito a direitos humanos e questões ambientais.
"A OCDE está discutindo um novo plano relacionado às mudanças climáticas. Pela primeira vez um candidato, no caso o Brasil, não apresenta indícios de redução no combate à corrupção. Então, a situação do Brasil já não era boa e fica ainda pior com essa situação do ministro Ricardo Salles. As dificuldades tendem a ser inúmeras pro Brasil", disse o pesquisador do instituto alemão.
Reunião decisiva
O pesquisador afirmou ainda que países do bloco europeu se reunirão na próxima sexta-feira (21) para avaliar se os países do Mercosul estão cumprindo as regras ambientais exigidas para ratificar o acordo comercial.
Para Rittl, a investigação contra o ministro será pauta da reunião entre os países e pesará contra o Brasil e, consequentemente, contra o Mercosul
"Você sustenta como interlocutor de um debate desses uma pessoa investigada pela Polícia Federal? Essa não é só uma denúncia inicial, mas uma denúncia com indícios graves. Tem uma decisão do Supremo que requisita a apreensão de equipamentos, de aparelhos de comunicação e de computadores para a coleta de evidências", diz.
"O ministro Ricardo Salles não está qualificado para manter o diálogo com outros países. Eu acho muito difícil haver continuidade nessa conversa do Brasil com os Estados Unidos, com países da Europa. Eles são alguns dos nossos principais parceiros comerciais", afirma Rittl.
O pesquisador disse ainda que a imagem de Salles é ainda mais prejudicada por conta da proximidade dele com grupos apontados por invadir terras indígenas, explorar minério e de vender madeira ilegal.
"Ele interrompeu operações, fiscalizações e demitiu fiscais do Ibama. Acho que ele teve uma certa arrogância em achar que esse relacionamento com criminosos ambientais seria normal. E hoje os fatos mostram que a situação dele é muito grave", afirmou.
Para Carlos Rittl, a permanência de Salles à frente do Meio Ambiente é insustentável. Ainda assim avalia que ele permanecerá no cargo e que, mesmo caso ocorresse uma eventual troca na pasta, nada mudaria significativamente.
"O Salles continua no cargo porque é um bom cumpridor de tarefas do presidente Bolsonaro. Se o presidente fosse sério, o ministro Ricardo Salles já não estaria mais na sua posição há muito tempo porque não é um ministro que está lá para trabalhar em prol do meio ambiente. Muito pelo contrário. Tem facilitado a causa do problema, constrangendo agentes do Ibama, enfraquecido a capacidade do Ibama de aplicar em penalidades e defendendo quem comete crime ambiental", afirmou o pesquisador.
O pesquisador afirma que o ideal seria que o presidente trocasse o ministro do Meio Ambiente e colocasse uma pessoa com uma postura diferente de Ricardo Salles no lugar.
"É preciso haver uma mudança radical. O problema é que o presidente Bolsonaro não quer. A ideia dele para a Amazônia sempre foi abrir, escancarar com o pensamento de que é possível desmatar para produzir alguma coisa ali porque o mundo vai comprar. Querem abrir nossa economia. Mas ao tentar torná-la mais integrada esse discurso cai por terra porque o risco Brasil hoje é um risco ambiental e o ministro Ricardo Salles acaba de elevar esse risco a um patamar jamais visto."
No ponto de vista dele, nenhum país assinaria um acordo com um ministro que não passa confiança, que teve o sigilo quebrado pela Suprema Corte. Rittl afirma que um acordo com a União Europeia poderia aumentar em até 20% o volume de exportação de commodities do Brasil para o continente, além de diversas isenções de taxas em outros acordos comerciais com o bloco.
Procurado, o Ministério do Meio Ambiente não se manifestou até a publicação desta reportagem.
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