Decisão sobre Pazuello estimula indisciplina e ameaça democracia, dizem ex-ministros da Defesa
O ex-ministro da Defesa Aldo Rebelo disse em entrevista à BBC News Brasil nesta quinta-feira (3/6) que a decisão do Exército de não punir o general e ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello após participar de protesto ao lado do presidente Jair Bolsonaro dá carta branca para que membros das Forças Armadas cometam irregularidades sem temer punições.
"Essas decisões envolvendo disciplina têm duas dimensões. Uma é a que alcança o indisciplinado impune. A outra é o que tem o efeito pedagógico, educativo, e alcança todas as Forças Armadas", afirmou.
O Exército divulgou nesta quinta que foi arquivado o procedimento administrativo referente à conduta do general Eduardo Pazuello ao participar de uma manifestação ao lado do presidente Jair Bolsonaro, em 23 de maio no Rio de Janeiro.
"Não restou caracterizada a prática de transgressão disciplinar por parte do General Pazuello" diz trecho da nota do Centro de Comunicação Social do Exército.
Na ocasião, o general e ex-ministro da Saúde do atual governo subiu ao carro de som ao lado do presidente, o elogiou e agradeceu o apoio do público.
Ele foi então acusado, inclusive pelo vice-presidente Hamilton Mourão, de desrespeitar as regras das Forças Armadas. No caso do Exército, seu Regulamento Disciplinar proíbe o militar da ativa de se manifestar publicamente a respeito de assuntos de natureza político-partidária sem que esteja autorizado previamente.
Para o ex-ministro Aldo Rebelo, a ausência de punição pode abrir uma brecha para que irregularidades sejam cometidas por membros de outras patentes das Forças Armadas.
"Ao não punir o general Pazuello por subir num palanque e fazer proselitismo ao lado do presidente, o Exército mostra que não constitui uma disciplina nem mesmo uma hierarquia. Enquanto os demais representantes (do Exército) receberam essa notícia como uma espécie de habeas corpus preventivo para cometer a mesma indisciplina. As consequências disso, como dizia o sábio Conselheiro Acácio, de Eça de Queiroz, vêm depois", disse o ex-ministro.
Ameaça à democracia
O também ex-ministro da Defesa Celso Amorim disse à BBC News Brasil que a decisão do Exército de absolver Pazuello põe em xeque a democracia brasileira.
"Eu acho que a democracia fica muito ameaçada, pois quando essa força de última instância deixa de ser uma força de Estado e passa a ser de governo, de governante, isso é muito grave para o país. Eu até hoje só ouvia arruaça, barulho. Vai ter isso, vai ter aquilo e acabava. Mas como fato singular de ameaça à instituição, esse é o mais grave que eu vi. Hoje, ele (Bolsonaro) provou que é o Exército", afirmou Amorim.
Para ele, a decisão demonstra que o Exército foi personificado pelo presidente e que seus aliados não serão punidos.
"O grave nisso tudo é que as Forças Armadas, o Exército em particular, são uma instituição de Estado. A partir de hoje, elas passaram a ser uma instituição de governo e pessoas. Ela deixa de ser uma instituição que segue grandes linhas e normas do Estado Brasileiro, a Constituição e as leis, para passar a vontade do imperador", disse Amorim à reportagem.
No ponto de vista do ex-ministro Celso Amorim, esse foi o ato mais grave desde o início do governo Bolsonaro.
"Pode ser que, numa perspectiva de tempo, eu mude de opinião. Mas, do ponto de vista institucional, e olha que aconteceu muita coisa grave, mas o fato mais grave que eu vi nesse governo foi esse", afirmou Amorim.
Para ele, tanto Pazuello quanto Bolsonaro planejaram essa ação para provar a força do presidente e que o Exército é controlado pelo presidente da República.
"Isso foi proposital. Ele foi mandado lá para fazer isso para mostrar quem manda. Não tem impasse. Era um embate o que prevalece: a razão do Estado ou do governo. Prevaleceu a razão do governo, que, no caso, é a razão do governante. Isso é muito grave. É uma característica das ditaduras".
Amorim diz que o fato de Pazuello ser um membro de alta patente das Forças Armadas reforça o fato de ele saber dos riscos que corria ao participar do ato com Bolsonaro e que o ato foi planejado.
"Eu não posso provar nada, mas tudo indica. Porque um general de três estrelas sabe exatamente o que ele pode ou não pode fazer, de acordo com o regulamento. Se ele foi (ao protesto), ele sabia que teria consequências. E sabia que seria protegido. E quem o protege sabia que era o momento de demonstrar (sua força)", afirmou.
No Twitter, o ex-ministro da Defesa Raul Jungmann também se manifestou sobre a decisão. Segundo ele, foi uma "capitulação" e deve haver uma reação "antes que seja tarde".
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