Qual seria o peso da América Central se não tivesse virado 5 países há 200 anos
A República Federal da América Central foi um país que existiu há dois séculos por cerca de 15 anos.
Guatemala, Honduras, El Salvador, Nicarágua e Costa Rica, os cinco países que comemoraram em 15 de setembro os 200 anos de sua independência da Espanha, fizeram parte dessa nação, enquanto o Panamá seguia seu próprio curso junto com a Grande Colômbia.
Se existisse hoje, a República Federal da América Central seria uma nação de 46 milhões de habitantes. com um território de 423 mil quilômetros quadrados.
Seria a sétima maior economia da América Latina e Caribe, depois do Brasil, México, Argentina, Chile, Colômbia e Peru. Seu Produto Interno Bruto (PIB) atingiria cerca de US$ 200 bilhões.
Se incluíssemos um sexto país, o Panamá, nesse exercício de ficção histórica, o poder do bloco unificado seria muito maior.
Atualmente, os seis países são os maiores exportadores mundiais de abacaxi e cardamomo, o segundo maior exportador de banana e o terceiro maior exportador de café, segundo estudo publicado neste ano pela Secretaria de Integração Econômica da América Central (SIECA).
Mas como esta República Federal da América Central funcionaria politicamente? Ninguém pode saber.
Essa nação teve uma passagem tão fugaz e surpreendente pela história do continente que todas as especulações sobre qual teria sido seu destino atual são possíveis.
No entanto, se há algo que continua a intrigar os historiadores, é: como foi possível que províncias tão diferentes se unissem para criar uma única nação?
O que aconteceu com o sonho de criar um único país
Durante a colônia, os territórios da América Central faziam parte da Capitania Geral da Guatemala, também conhecida como Reino da Guatemala.
O Reino da Guatemala naquela época incluía o que hoje conhecemos como Costa Rica, Nicarágua, Honduras, El Salvador e Guatemala, além de duas das atuais províncias do Panamá e o estado mexicano de Chiapas.
Após a independência da coroa espanhola em 15 de setembro de 1821, a área foi anexada ao então chamado Primeiro Império Mexicano, chefiado por Agustín de Iturbide (1783-1824).
Alguns anos depois, Iturbide foi derrubado. A maior parte desse império deu origem ao México, enquanto os territórios a sudeste tornaram-se independentes.
Assim, em julho de 1823, as províncias rebeldes assinaram um Ato de Independência Absoluta do México e da Espanha e em 1824 adotaram oficialmente o nome de República Federal da América Central, proclamando sua Constituição.
O rosto visível desta república, que ao longo dos anos se tornou um ícone do sindicalismo e uma espécie de "Simón Bolívar da América Central", foi o hondurenho Francisco Morazán (1792-1842).
Morazán foi vítima de um atentado a tiros.
Em meio ao caos e às lutas entre diferentes facções políticas, a República Federal da América Central finalmente viu sua extinção em 1838, quando o Congresso se reuniu pela última vez, afirma o acadêmico Mario Vázquez, do Centro de Pesquisas da América Latina e Caribe (CIALC), da Universidade Autônoma do México (UNAM).
Foi uma época em que liberais, conservadores, centralistas, federalistas entraram em confronto. Uma época em que além das diferentes visões políticas, os interesses específicos de cada território estavam em conflito.
Divisão
"Havia profundas divisões de interesses provinciais. Tiveram brigas desde os tempos coloniais e fortes ações judiciais por recursos por ser uma região pobre", explica Vázquez, autor do livro "A República Federal da América Central: Território, Nação e Diplomacia".
Paralelamente, acrescenta, houve um grande conflito contra a capital, que ficou na Guatemala. "Eles sentiram que passaram do domínio espanhol para o domínio mexicano e do domínio mexicano para a hegemonia da Guatemala."
Em meio aos múltiplos conflitos, havia uma tensão permanente entre aqueles que queriam manter a unidade e aqueles que queriam seguir seu próprio caminho.
Às pressões internas somam-se tensões externas, como os conflitos da nação com o México, com a Colômbia e até com a Inglaterra por Belize.
"O Reino Unido, que era seu principal parceiro comercial, não reconheceu a República Federal da América Central. Nunca recebeu um embaixador", diz Vázquez, acrescentando que isso encurtou as chances de o país se estender no tempo.
"Eles tinham tudo para dividir e muito pouco para permanecer unidos como nação."
"Se essa república existisse hoje, talvez fosse um país menos pobre. Talvez pudesse ser comparado ao Equador, com uma diversidade étnica muito grande", arrisca o historiador.
"Poderíamos imaginar que uma América Central unida seria um país mais próspero e viável, mas não sabemos."
Para que serviu a independência?
Alberto Mora Román, pesquisador do Programa Estado da Nação (PEN), vinculado às universidades públicas da Costa Rica, responde à pergunta sobre como seria hoje a República Federal da América Central com outra pergunta.
"De que adianta os países centro-americanos serem independentes hoje? Infelizmente, na maioria dos países, essa independência não serviu para construir bases sólidas para as pessoas viverem melhor".
"As condições de defasagem que os países centro-americanos têm em relação aos demais países da América Latina e do mundo mostram que a autonomia não tem sido bem administrada".
No entanto, para saber se esses países estariam melhor se fossem uma única nação, "seria preciso se aventurar no reino das previsões e das ciências ocultas".
"O fato de que cada um dos países conseguiu se encarregar da gestão de seus destinos, com seus acertos e erros, também gerou oportunidades", como o caso da Costa Rica, destaca Mora.
"Mais lento que as caravelas de Colombo"
Os cinco membros da ex-República Federal da América Central possuem — desde 1960 — um Mercado Comum Centro-Americano (CACM) que inclui uma zona de livre comércio e uma tarifa externa comum para a maioria dos produtos.
Fontes consultadas pela BBC News Mundo que não quiseram se identificar afirmam que, apesar dos esforços, a integração econômica tem sido muito lenta e apontam que o que a região realmente precisa é de uma união aduaneira, algo que, na prática, está longe de ser alcançado.
"Um caminhão anda mais devagar entre os países da América Central do que as caravelas de Colombo", apontam.
E existe um parlamento comum, o Parlacen, criado na década de 1980, cuja função atual é apenas formular recomendações.
Integração
Os países que pertenciam à República Federal da América Central — além do Panamá, Belize e República Dominicana — são coordenados por meio de um mecanismo denominado Sistema de Integração Centro-Americana (SICA).
"Temos que nos integrar por nossa condição de países pequenos, com pouca população, e também porque somos países fortemente entrelaçados por dinâmicas de desenvolvimento que transcendem nossas fronteiras", afirma o pesquisador Alberto Mora, coordenador da pesquisa "Informe Estado de la Región", publicação acadêmica que analisa periodicamente questões relacionadas à América Central.
Um exemplo dos desafios que transcendem as fronteiras nacionais, diz o especialista, é a coordenação para gerenciar desastres naturais.
Outra área em que a integração entre os países é fundamental, acrescenta, está relacionada à geopolítica do narcotráfico, porque "a América Central é o corredor natural por onde passam as drogas da América do Sul para os Estados Unidos e por onde retorna o dinheiro aos centros de produção".
Entre os avanços tangíveis da integração, diz o pesquisador, está a compra conjunta de medicamentos.
"Isso gerou uma economia de US$ 90 milhões para os países entre 2011 e 2019, porque lhes permitiu melhorar as margens de negociação com os fornecedores".
Mas certamente a integração não é fácil.
"Há uma grande dispersão de ações. Muitas delas sem financiamento adequado e dependentes de cooperação internacional. Isso afeta os resultados", afirma Mora.
Para ele, um dos maiores desafios da integração regional atualmente é o fortalecimento da democracia e da estabilidade política. "Sem isso, nada funciona."
E isso está diretamente relacionado ao problema histórico dos altos níveis de violência que afetaram a região. "Existem países que são fracos no controle de seu território e na proteção do direito à vida".
Afinal, argumenta ele, "as ações para melhorar as questões sociais, econômicas e ambientais passam por um arcabouço institucional robusto que gere estabilidade".
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