'Ele estava tentando viver uma vida nova': quem era o jovem vendedor de bala morto em Niterói
Hiago Macedo foi baleado no início da tarde desta segunda-feira (14/2) em terminal de barcas. De acordo com a Polícia Militar, tiro foi disparado por PM que estava de folga.
"Ele era um rapaz, preso egresso, tentando viver uma vida nova", diz a advogada Andrea Kraemer sobre o vendedor de balas Hiago Macedo, de 22 anos.
O jovem foi morto após ser baleado em frente ao terminal de barcas de Niterói (RJ) no início da tarde de segunda-feira (14/2).
De acordo com o portal G1, testemunhas relataram que Hiago oferecia seus produtos quando começou uma discussão com um policial à paisana. Em determinado momento, o militar disparou contra o ambulante. O jovem não resistiu aos ferimentos e morreu no local.
A família do rapaz afirma que ele foi chamado de ladrão enquanto estava oferecendo balas e deu início a uma discussão que terminou com o disparo do militar.
Segundo Andrea Kraemer, um adolescente, que era enteado de Hiago, acompanhou o crime e contou em depoimento sobre o momento do disparo. "Segundo esse menor, o Hiago ofereceu balas a uma pessoa que se recusou a comprar. Depois, essa pessoa saiu reclamando, falando que estava sendo importunada. E esse senhor (que é policial militar) foi em cima do Hiago, deu um empurrão e disparou um tiro à queima-roupa. O Hiago caiu ali e veio a óbito", detalha a advogada à BBC News Brasil.
Andrea é presidente da Comissão de Direitos Humanos e Cidadania da OAB de Niterói e acompanhou o caso nesta segunda. Para ela, trata-se de uma "situação surreal" na qual o vendedor de balas foi "morto covardemente".
Em nota à BBC News Brasil na segunda, a Polícia Militar do Rio de Janeiro disse que informações preliminares apontam que o militar avistou uma tentativa de roubo perto dele e reagiu.
"O militar tentou intervir na ação e um dos envolvidos teria investido contra sua integridade, sendo atingido por disparo de arma de fogo. O ferido não resistiu", diz a nota da PM.
Em comunicado à BBC News Brasil, a Polícia Civil informou que está "ouvindo testemunhas e buscando imagens de câmeras de segurança instaladas na região para esclarecer todos os fatos".
A concessionária CCR Barcas limitou-se a confirmar, em nota à reportagem, que "houve uma discussão entre dois pedestres nas imediações da estação Arariboia, no Centro de Niterói" e disse que "irá contribuir com as investigações das autoridades policiais".
O policial militar foi preso na segunda e deve responder por homicídio doloso, quando há a intenção de matar, qualificado por motivo fútil.
Pouco após o crime, pessoas que estavam no local e familiares de Hiago iniciaram um protesto.
'E a vida do meu primo, custa quanto?'
De acordo com a família de Hiago, o rapaz saía de casa às 5h da manhã para vender as balas. O sonho dele era pagar a festa de dois anos da filha, que, segundo os parentes, aconteceria daqui a quatro dias.
"Ia ser um festão, o menino estava convidando todo mundo. E eu te digo agora: será que essa festa vai acontecer? Será que daqui a quatro dias a filha vai poder falar: mãe, cadê o meu pai e vai abraçar? Não!", afirmou o primo dele, Jonathan César, em entrevista à imprensa.
"Será que isso aqui vai acabar por aqui mesmo e vão dizer que era mais um vendedor de bala ou um traficante?", perguntou o rapaz.
De acordo com o G1, a polícia informou que Hiago tinha anotações criminais por tentativa de homicídio, desacato, furto, lesão corporal e outros crimes.
Segundo Andrea, Hiago havia passado um período preso por roubo e lutava para recomeçar a vida. "O ingresso das pessoas que saem do sistema penitenciário não tem política pública que faça eles voltarem a trabalhar, entrar no mercado de trabalho. É muito difícil que deem oportunidades a presos egressos. Se houvesse políticas públicas pra isso, talvez não houvesse tantos casos de reincidência", diz a advogada.
"Eles ficam a mercê da boa vontade de outro cidadão que não acredita neles. Então, muitos deles fazem trabalhos como esse menino, vendendo balas, até porque não têm uma profissão", acrescenta a advogada.
A família de Hiago diz que o jovem havia abandonado o crime e nega que ele estava cometendo um roubo no momento em que foi baleado.
"Quer dizer a verdade do que aconteceu? Puxa nas câmeras: o menino foi abordar uma pessoa para vender bala. E no momento em que ele foi abordar uma pessoa, o rapaz chamou ele de ladrão e disse que os meninos da bala vão abordar as pessoas pra poder roubar o celular que está dentro do bolso", diz o primo de Hiago.
"O policial ao lado se ofendeu e foi discutir com meu primo. O meu primo é sujeito homem, debateu com ele de boca pra boca, ele meteu a mão na arma e deu um tiro só. E aí, a bala dele custa 'uma é três' e 'dois é cinco'. E a vida do meu primo custa quanto?", completou Jonathan.
A Polícia Militar disse em nota que o suspeito prestou depoimento na Delegacia de Homicídios de Niterói, São Gonçalo e Itaboraí (DHNSG), que está investigando o caso, junto com o homem que teria sido a vítima da suposta tentativa de roubo.
A reportagem não localizou a defesa do policial até a conclusão deste texto.
Caso gerou revolta na região
A morte do rapaz causou revolta no local. Segundo relatos, diversas pessoas tentaram parar o trânsito da região pouco após o crime e chegaram a incendiar um colchão na pista, porém o fogo foi apagado por policiais.
Em nota, a PM diz que intensificou o policiamento no local.
De acordo com o G1, familiares e amigos do rapaz assassinado protestaram na porta das barcas. Durante a confusão, um homem teria atirado um objeto na direção dos policiais, que teriam reagido com spray de pimenta nas pessoas que estavam no local.
Ainda conforme o G1, quatro pessoas foram detidas no tumulto próximo às barcas.
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