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China: propaganda dá pistas de como Xi Jinping vê o futuro do país

Ilustração de Xi Jinping e elementos da bandeira chinesa - BBC
Ilustração de Xi Jinping e elementos da bandeira chinesa Imagem: BBC

23/10/2022 08h30

Apesar do funcionamento velado do Partido Comunista da China e da postura enigmática de Pequim sobre seus planos, os jornais estatais e outras formas de comunicação do governo dão sinais dos rumos calculados pelo líder chinês.

A China tem a atenção do mundo como nunca antes — especialmente agora que Xi Jinping foi reeleito no 20º Congresso Nacional do Partido Comunista neste domingo (23/10) —, mas sua política continua opaca como sempre.

As decisões são tomadas em grande parte a portas fechadas e muitas vezes divulgadas por meio de anúncios enigmáticos. Assim, o funcionamento do Partido Comunista da China e as motivações de seu líder, Xi Jinping, são difíceis de decifrar.

Mas a propaganda do partido, apesar de suas palavras secas, oferece pistas sobre os objetivos do líder mais poderoso da China em décadas.

O Congresso deu um terceiro mandato para Jinping, algo que nenhum líder desde Mao Tsé-Tung alcançou.

A BBC explorou o Diário do Povo (ou People's Daily, em inglês), o maior jornal estatal, para identificar palavras-chave que definem os rumos do comando de Xi Jinping.

O 'núcleo'

O conceito de um "núcleo" de liderança foi usado pela primeira vez por Mao Tsé-Tung (1893-1976), um dos fundadores do Partido Comunista Chinês e o primeiro líder da República Popular da China.

Ele o cunhou na década de 1940, antes que o partido tomasse o controle da China em 1949. Era uma época em que Mao consolidava seu poder dentro do partido, com o expurgo de opositores. Os historiadores veem esse período como o início do culto à personalidade de Mao.

O termo começou a aparecer em relação a Xi em 2016, e desde então se tornou cada vez mais comum.

Antes de assumir o cargo em 2012, três de seus quatro antecessores foram coroados como o "núcleo" do partido: Mao, indiscutivelmente o líder mais poderoso da China moderna; Deng Xiaoping, que abriu a China para o mundo; e Jiang Zemin, que supervisionou essa transição crucial entre os anos 1990 e os anos 2000.

Hu Jintao, sucessor de Jiang e antecessor imediato de Xi, nunca foi referido como parte do "núcleo" do partido. Ele era visto mais como um construtor de consensos e menos um homem forte. No seu período de poder, a concepção da liderança como algo coletivo, inaugurada por Deng Xiaoping, era considerada uma norma — ou assim as pessoas pensavam.

Dada a rápida concentração de poder de Xi Jinping, ele apresentar-se como o "núcleo" atual do partido foi o próximo passo natural, dizem os analistas.

"Xi Jinping precisava dessa consolidação retórica do poder, que também é quase equivalente a uma consolidação real do poder", explica David Bandurski, diretor do China Media Project, um grupo de pesquisas que acompanha os meios de comunicação chineses.

O partido, acrescenta Bandurski, está agora claramente se movendo em direção a uma liderança muito mais personalizada e resgatando o culto à personalidade.

País vermelho

A Revolução Cultural, quando um paranoico Mao efetivamente estimulou a violência contra qualquer um considerado traidor da revolução, trouxe anos de revolta para a China — e o slogan "certifique-se de que o país vermelho nunca mude de cor" foi um apelo mortal à ação.

Mas a exaltação da China como um "país vermelho" arrefeceu nos anos que se seguiram à morte de Mao, quando a China embarcou em reformas econômicas que a abriram gradualmente ao mundo. A frase quase desapareceu antes que Xi chegasse ao poder, porque o partido havia a essa altura se afastado da vida cotidiana das pessoas.

Entre 1980 e 2012, o termo "país vermelho" pode ser encontrado menos de 20 vezes nas páginas do Diário do Povo. Mas certamente voltou: só no ano passado, apareceu 72 vezes.

"O ressurgimento do termo é um reflexo de como Xi quer que o Partido Comunista seja a força central na política e na sociedade chinesa", diz Neil Thomas, analista sênior da China na consultoria Eurasia.

Xi pediu várias vezes a compatriotas que "introduzam genes vermelhos em seu sangue e coração" para que "o país vermelho possa ser transmitido por gerações".

O partido claramente voltou a ocupar todas as esferas da vida das pessoas, e o retorno do "país vermelho" não é a única evidência disso.

As empresas privadas atuando na China são obrigadas a estabelecer sua própria filial do Partido Comunista Chinês. Até os monges budistas participaram no ano passado de um quiz sobre a história do partido, marcando seu 100º aniversário. Os cinemas são hoje dominados por filmes patrióticos.

"Xi Jinping é um verdadeiro crente na missão do partido e seu papel no rejuvenescimento nacional da China", aponta Thomas.

Essa missão, acrescenta, inclui "recolocar a China no que ele vê como uma posição historicamente de destaque, como uma das potências mais proeminentes do mundo".

Forças anti-China

O termo "forças anti-China", normalmente usado para criticar o Ocidente e sua posição sobre a China, existe há décadas. Entretanto, ele foi revivido à medida que as relações da China com o Ocidente, e especialmente com os Estados Unidos, se deterioram.

Até então, a aparição do termo no Diário do Povo era incomum, mas aumentava ocasionalmente — geralmente quando Pequim tinha algum desentendimento com países ocidentais.

O conflito recente inclui uma guerra comercial em andamento com Washington, alegações de graves violações dos direitos humanos em Xinjiang, o controle autoritário de Pequim sobre Hong Kong e suas colocações cada vez mais assertivas sobre Taiwan.

O nacionalismo na China está em ascensão. Qualquer pessoa que critique o governo pode ser vista como "anti-China", e as pessoas são encorajadas a denunciar essa postura às autoridades.

Manifestações negativas sobre a China são vistas como obstáculos a seus interesses, diz Bandurski. Por exemplo, Pequim frequentemente acusa Washington de tentar conter o poder chinês.

Rotular qualquer oposição como estrangeira é também uma maneira eficaz de atacar oponentes ou rivais.

A grande luta

A palavra "luta" remonta a Mao, que frequentemente o usava para mobilizar as pessoas. Durante a Revolução Cultural, "sessões de luta" faziam pessoas rotuladas como "inimigas" serem humilhadas e muitas vezes violentamente atacadas por multidões de partidários de Mao.

Xi se apropriou do termo a "grande luta" e o fez se tornar um chavão popular. Em 2021, o termo apareceu no Diário do Povo 22 vezes mais do que em 2012, quando Xi chegou ao poder.

É uma maneira de evocar o tempo de Mao e apelar às raízes do Partido Comunista, de acordo com Zeng Jinghan, professor especializado na China e em Estudos Internacionais da Universidade de Lancaster.

É uma expressão cada vez mais usada para abordar os desafios enfrentados pela China — tanto interna quanto externamente, seja para se referir à pandemia ou às "forças anti-China" que bloqueiam seu caminho.

A "grande luta" também é um sinal de uma "atitude de confronto" para enfrentar esses desafios, diz Thomas.

"E é uma ferramenta de mobilização para inspirar lealdade e confiança de que o partido, sob o governo de Xi, pode superar esses desafios", completa.

- Este texto foi publicado originalmente em https://www.bbc.com/portuguese/internacional-63309917