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1/5 do PIB espanhol e diferenças históricas: por que a Catalunha e Madri brigam por referendo

Susana Vera/Reuters
Imagem: Susana Vera/Reuters

Chase Winter (md)

01/10/2017 00h01

Região vai às urnas em polêmica consulta popular sobre a independência da Espanha. Seja qual for o resultado, ele deverá levar a nova batalha legal entre os governos em Madri e Barcelona.

O governo regional da Catalunha planeja realizar neste domingo (1°) um polêmico referendo sobre a independência da região da Espanha, mesmo com a forte pressão contrária de Madri. Em caso de vitória do "sim", a administração afirmou que vai declarar a independência em 48 horas.

A campanha pelo referendo foi marcada por protestos de nacionalistas catalães na capital da região, Barcelona, e em outras cidades, contra a oposição governamental à consulta.

Língua, cultura e história distintas

Localizada no nordeste da Península Ibérica, a Catalunha faz parte da Espanha desde o século 15. Mas os separatistas catalães argumentam que são uma nação com língua, cultura e história distintas. A língua catalã se desenvolveu em paralelo ao espanhol, derivando do latim falado pelos romanos que colonizaram a região no século 2 a.C. A ocupação romana harmonizou as várias culturas da região numa só.

Após a conquista muçulmana da Península Ibérica, no século 8, os habitantes da região pediram ajuda ao líder franco Carlos Magno. Assim nascia a província da Marca Hispânica, que passou a servir de divisão entre a Hispânia muçulmana e a França cristã.

A Catalunha emergiu dos conflitos na Espanha muçulmana como um poder regional, à medida que líderes cristãos se estabeleciam na região. Tornou-se parte da Espanha no século 15.

Seguiram-se períodos de grande instabilidade, quando a Catalunha esteve sob proteção francesa, após se revoltar contra o domínio espanhol na Guerra dos Trinta Anos. Durante a Guerra da Sucessão Espanhola, a Catalunha se viu isolada e acabou dominada pelas forças espanholas em 1714.

Durante os séculos seguintes, a nação catalã perdeu seus direitos e teve sua língua banida. Seu renascimento foi apoiado pela revolução industrial.

Potência econômica: um quinto do PIB

Os produtos catalães eram altamente procurados durante os séculos 18 e 19. A região prosperou com o comércio com a América. Barcelona se tornou conhecida como a "Manchester do Mediterrâneo".

Hoje a Catalunha é uma das regiões mais ricas da Espanha e ainda abriga grande parte dos setores industriais e financeiros do país, representando um quinto do PIB nacional.

A região reclama há muito que sua capacidade financeira está subsidiando áreas mais pobres e afirma que fornece 10 bilhões de euros por ano a mais a Madri do que recebe de volta.

Uma decisão do Supremo Tribunal de 2010 restringiu o controle da região sobre as finanças, alimentando ressentimentos num momento em que o país ainda lutava contra as consequências da crise financeira de 2008.

Os oponentes do argumento financeiro afirmam ser justo que a Catalunha apoie regiões menos desenvolvidas, considerando que a Constituição garante "autonomia de nacionalidades e regiões e a solidariedade entre elas".

Movimento de independência

Os nacionalistas catalães pressionam há décadas por mais autonomia.

O ditador Francisco Franco suprimiu a autonomia e a identidade catalãs durante seu governo, entre 1938 e 1975. Mas a Constituição democrática que veio após a ditadura concedeu a autonomia à Catalunha em 1979.

O sentimento nacionalista foi inflamado após o Tribunal Supremo derrubar, em 2010, partes de um novo Estatuto de Autonomia de 2006, que havia sido acertado entre o Parlamento catalão e o governo espanhol, com o apoio de um referendo.

Entre os 14 artigos do Estatuto de Autonomia derrubados pelo Tribunal Supremo estavam aqueles que davam preferência à língua catalã e controle regional sobre as finanças. A decisão de que não havia base jurídica para descrever o povo catalão como uma "nação" enfureceu os nacionalistas.

Protestos de larga escala levaram a um referendo não vinculativo em 2014, apesar de Madri chamar a votação de ilegal. O referendo aprovou a independência por 80% dos votos, mas a participação foi inferior a 40%.

O referendo uniu os nacionalistas, que assumiram o controle do Parlamento local em 2015, após uma campanha prometendo um referendo oficial sobre a independência.

O presidente do governo catalão, Carles Puigdemont, convocou um referendo de independência em junho. O Parlamento catalão aprovou em setembro a autorização para a votação em 1° de outubro.

Poderes atuais do governo da Catalunha

A Catalunha é uma das 17 regiões autônomas da Espanha. O governo provincial tem uma gama de poderes, mas paga impostos ao governo em Madri.

A Catalunha é politicamente organizada sob a Generalitat de Catalunya, com um Parlamento, um presidente e um conselho executivo.

A região tem garantida autonomia considerável em setores como cultura, educação e saúde, parte do sistema judicial e do governo local.

Tem sua própria força policial, Mossos d'Esquadra, embora a polícia espanhola também tenha presença na região.

O governo local também pode cobrar impostos sobre riqueza, herança, jogo e transporte. O governo central cobra imposto de renda, impostos corporativos e sobre o valor agregado.

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AFP

Os catalães apoiam a independência?

Os cerca de 5,5 milhões de eleitores da Catalunha terão que responder com "sim" ou "não" à pergunta: "Você quer que a Catalunha se torne um Estado independente na forma de uma república?"

Uma pesquisa conduzida pelo governo catalão em junho descobriu que 41,1% dos entrevistados eram a favor da independência, enquanto 49,4% são contra.

No entanto, dos 67,5% dos eleitores que disseram que participariam do referendo, 62,4% disseram que votariam "sim" e 37,6% responderam "não".

A mesma pesquisa verificou que 62% dos entrevistados pensam que a Catalunha tem um "nível de autonomia insuficiente", comparados com 26,4% que disseram existir um "nível de autonomia suficiente".

Além disso, 48% disseram ser a favor da realização de um referendo, independentemente da permissão do governo central, e 23,4% foram a favor de um referendo somente sob permissão do governo espanhol.

Os resultados do referendo de 1° de outubro, assim como os do de 2014, vão depender da participação dos eleitores.

Impacto da votação

Independentemente do resultado, o referendo de independência deve desencadear uma batalha legal e uma luta pelo poder entre Madri e a Catalunha.

Uma vitória do "sim" ameaça afetar os títulos do governo espanhol e pôr em risco a recuperação econômica, após uma recessão de vários anos, com crescimento do PIB de cerca de 3% em 2015 e 2016. Analistas dizem que a Catalunha teria dificuldades financeiras e não conseguiria para pagar suas dívidas.

A Confederação Espanhola de Organizações Empresariais apelou para que as leis da Espanha e da UE sejam seguidas. Em comunicado, expressou "profunda preocupação" com o impacto que o "referendo ilegal" pode ter sobre "a confiança dos empresários e investidores na Catalunha e no resto da Espanha".