Líder catalão critica repressão e diz que votação abre espaço para independência da Espanha
O presidente da Catalunha, Carles Puigdemont, afirmou neste domingo (1º) que o referendo sobre a independência da região abre espaço para uma declaração de separação da Espanha e criticou o uso de violência pelas forças de segurança do governo central. A consulta popular é considerada ilegal pelo governo espanhol e pela Justiça do país.
"Neste dia de esperança e sofrimento, os cidadãos da Catalunha ganharam o direito de ter um Estado independente na forma de uma república", disse Puigdemont, em pronunciamento divulgado em vídeo. "Hoje a Catalunha ganhou muitos referendos, hoje milhões de pessoas mobilizadas falaram alto e claro: temos direito a decidir nosso futuro, queremos viver em paz, fora de um Estado que impõe e usa a força bruta."
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Sem citar números, ele anunciou que vai levar o resultado do referendo ao Parlamento catalão e que isso pode resultar na declaração de independência. A lei que rege o referendo prevê uma declaração unilateral de independência pelo Parlamento regional da Catalunha caso haja maioria de votos pela separação da Espanha.
Grupos pró-independência da Catalunha e sindicatos planejam fazer uma greve geral na região na terça-feira (3). A região responde por quase 20% do PIB (Produto Interno Bruto) da Espanha.
As autoridades dizem que governos locais não podem convocar referendos para tratar de questões de soberania --o que caberia apenas ao governo central. O Tribunal Constitucional considera que a iniciativa é ilegal. O chefe do governo espanhol, Mariano Rajoy, convocou uma reunião com todos os partidos políticos para discutir o futuro do país após o referendo.
Os resultados preliminares apontam que é altamente provável que o voto "sim" vença, considerando que a maioria daqueles que apoiam a independência deveriam votar, enquanto a maioria daqueles que são contra não compareceriam às urnas.
"Repressão foi a resposta do Estado"
O domingo do referendo foi marcado por confrontos entre as forças de segurança espanholas e manifestantes catalães. Os embates deixaram centenas de feridos, segundo o governo catalão, e há relatos de violência policial.
"Por demasiadas vezes, a repressão foi a resposta do Estado. Hoje, volta a ser a de sempre: violência e repressão", disse Puigdemont, fazendo um aceno à União Europeia. "Nós, catalães, ganhamos o respeito da Europa, somos cidadãos europeus os que sofremos estas violações."
Antes, o porta-voz do governo catalão, Jordi Turull, atribuiu os confrontos à "violência policial do Estado".
Por outro lado, segundo o Ministério do Interior, os agentes de segurança se viram "acossados, fustigados e inclusive agredidos em inúmeras ocasiões". A pasta divulgou vídeos com episódios de assédio e insultos a policiais e guardas civis.
Nos últimos dias, o governo espanhol enviou para a região mais de 10 mil agentes das forças de segurança, apreendeu milhões de cédulas de voto e 45 mil notificações que convocavam membros das mesas eleitorais.
Hoje, a polícia arrebentou portas para forçar a entrada nos locais de votação, enquanto catalães gritavam "Fora forças de ocupação" e cantavam o hino da região. Em um incidente em Barcelona, a polícia disparou balas de borracha.
Ao menos 319 centros de votação foram fechados pelas forças de segurança, segundo o governo catalão, enquanto em outros lugares se votou de forma improvisada. Já o Ministério do Interior anunciava 92 fechamentos em toda a Catalunha. A princípio, tinham sido previstos cerca de 2.300 locais de votação, mas ainda não se sabe quantos realmente abriram.
Apesar da ação policial, filas com centenas de pessoas foram formadas em cidades e vilas em toda a região para votar.
"Estou tão satisfeita porque, apesar de todos os obstáculos que colocaram, consegui votar", disse Teresa, uma aposentada de 72 anos em Barcelona, que ficou na fila por seis horas.
Premiê espanhol diz que catalães foram enganados
O primeiro-ministro espanhol, Mariano Rajoy, disse em pronunciamento mais cedo que não houve um referendo para decidir sobre a independência da Catalunha e que os cidadãos foram enganados para participar de uma votação "ilegal". Ele também agradeceu as forças de segurança por terem "cumprido suas obrigações e agido em defesa da lei".
"Hoje não houve um referendo de autodeterminação da Catalunha. Nosso Estado de Direito mantém sua vigência", disse Rajoy. "Não vimos qualquer tipo de consulta, senão uma mera encenação a mais contra a legalidade."
Rajoy disse entender e lamentar a "frustração que alguns catalães podem sentir hoje", mas culpou o governo regional. "Os responsáveis pela Generalitat [governo catalão] os enganaram."
Sem citar qualquer número ou fonte, o primeiro-ministro afirmou que "a grande maioria do povo da Catalunha não quis participar do roteiro dos secessionistas".
Ele disse que não vai "fechar nenhuma porta" e que sempre ofereceu o diálogo, "mas sempre dentro da lei e do respeito à democracia." "Se há algo que devo destacar deste dia, é a força da democracia espanhola e de suas instituições", afirmou Rajoy, que também agradeceu o apoio da União Europeia e da comunidade internacional.
Entenda o que está em jogo na Catalunha
Pesquisas de opinião mostraram que os catalães estão divididos sobre a independência: 41,1% são favoráveis e 49,4%, contrários, segundo a última consulta do governo catalão, publicada em julho. Mas a pesquisa informa ainda que mais de 70% da população quer que a questão seja decidida em um referendo legal.
A unidade da Espanha está em risco, assim como a sobrevivência política de Rajoy. Ele aumentou a pressão sobre a região, onde estão ocorrendo prisões e confisco de materiais de campanha. Alguns líderes catalães sugerem que Rajoy está arrastando o país para os dias sombrios da ditadura, apesar de ele ter resistido aos pedidos dos linhas-duras para que assumisse controle administrativo completo da Catalunha.
A Catalunha é uma das 17 regiões autônomas da Espanha, com 7,5 milhões de habitantes e responsável por quase um quinto do produto interno bruto do país. Barcelona, o principal destino turístico espanhol, é a capital da região, que tem sua própria língua e cultura.
O esforço da região por autonomia política foi um dos motivos por trás da Guerra Civil Espanhola, na década de 1930, e a ditadura de Francisco Franco esmagou muitas liberdades civis, reprimindo a língua catalã. A estrutura administrativa da Espanha pós-ditadura deu aos catalães um grau significativo de autonomia política, mas não o suficiente, segundo a atual liderança política da região.
Referendo aprovou independência em 2014
A região realizou uma votação a respeito da independência em 2014. Foi uma votação não vinculante que foi declarada ilegal pelo Tribunal Constitucional espanhol, mas que o governo central e a polícia não impediram.
Na época, 2,2 milhões dos 5,4 eleitores registrados participaram, e cerca de 80% votaram pela independência. O governo de Rajoy desdenhou a votação, dizendo que era ilegal e não vinculante, notando que nem mesmo a maioria dos catalães participou.
Mas as ações do governo central em Madri foram além de palavras: políticos catalães foram intimados a comparecer à Justiça em 2015 para responder por seu papel na organização da votação. Artur Mas, o ex-líder da Catalunha, foi multado em março deste ano e impedido de exercer cargo público por dois anos.
*Com agências internacionais e The New York Times
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