"Sino de Hitler" continuará tocando
Um sino de igreja decorado com cruz suástica e saudação ao líder nazista tornou um lugarejo famoso na Alemanha. A decisão de mantê-lo mostra como é complicada a relação com o passado no país.O sino da igreja de Herxheim am Berg, na Renânia-Palatinado, pende do campanário, sólido e indiferente a toda a polêmica que tem provocado. De um verde-acinzentado fosco, ele é mais ou menos da altura de um homem e pesa uns 240 quilos.
Visto de longe, parece um sino perfeitamente normal. De perto, porém, não há como ignorar a inscrição nazista, na parte superior, em letras garrafais: "Tudo pela pátria – Adolf Hitler". E, como se a mensagem não fosse direta o suficiente, logo abaixo está a suástica.
Durante 84 anos, ele foi onipresente no lugarejo de 800 habitantes no sudoeste alemão: instalado em 1934 na igreja protestante de São Jacó, o "sino de Hitler" marcava a passagem do tempo a cada quarto de hora, anunciava missas, casamentos e batizados.
Poucos sabiam de seu passado tenebroso, até que, em maio de 2017, uma professora de música de uma localidade vizinha ficou sabendo da gravura e se dirigiu, horrorizada, à imprensa local.
"Melhor do que servir de fundo para selfie"
Mesmo silenciado, o sino rapidamente colocou a localidade nas manchetes de imprensa, muito além das fronteiras nacionais. E, após meses de discussão chegou finalmente o momento de decidir se soou a última hora para esse suvenir em ferro fundido da ditadura nacional-socialista – os 12 anos mais terríveis da história da Alemanha.
Concretamente, a alternativa era o sino ir para um museu – como recomendou o parecer de especialistas – ou permanecer onde está. Agora, em escrutínio secreto, o conselho municipal decidiu por dez votos contra três manter o sino como "memorial contra a violência e a injustiça". Ele deverá voltar a soar as horas, e na igreja de São Jacó será colocada uma placa informando sobre sua origem.
Essa opção pareceu às autoridades locais preferível a o objeto "estar exposto em algum museu, onde a qualquer momento alguém pode se postar diante dele e tirar um selfie", explicou numa coletiva de imprensa o prefeito de Herxheim am Berg, Georg Welker.
O pastor protestante diz que vê o sino como uma possibilidade de refletir "como lidamos hoje com a nossa época, e como as pessoas de então lidavam com a época delas". Sem dar detalhes, o membro do conselho municipal Gero Kühner anunciou que haverá eventos com personalidades importantes, para "processar essas coisas, mas também para procurar soluções sobre como poderá ser a convivência no futuro".
Sigrid Peters, a professora de música que denunciou publicamente o "sino de Hitler", vê a questão de modo diferente. " Depois desta reunião, tenho temores terríveis ligados à era nazista", comentou à DW.
Para ela, a decisão de manter o objeto não é acidental, sobretudo no contexto dos avanços eleitorais recentes do partido populista de direita Alternativa para a Alemanha (AfD). Do ponto de vista político, é tristíssimo "que possa acontecer uma coisa assim, que se deixe estar na igreja um sino dedicado a um assassino".
Peters teme não só que a igreja se transforme num local de peregrinação para radicais de direita, mas que a permanência do artefato tenha um efeito fatal, para além das fronteiras da Alemanha. Ela constatou isso ao ser interpelada pela imprensa internacional.
"Acabei de ter contato com a TV canadense. Para eles, era especialmente interessante saber como a Alemanha convive com uma suástica, com uma inscrição dessas."
A opinião no exterior, comenta ela, é que depois da era nazista a Alemanha se esforçou para trabalhar o seu passado, e que o processo foi bem-sucedido: "Por isso, tanto maior é, no estrangeiro, o horror de que um sino desses esteja numa igreja, e que ninguém se incomode".
Gafes
É questionável se Herxheim am Berg recuperará agora sua tão desejada tranquilidade. Por mais que o prefeito Welker afirme, seguro de si, que o assunto do sino "agora está encerrado", as autoridades locais não têm feito boa figura, até contribuindo para fixar uma imagem negativa do lugarejo encrustada na idílica paisagem vinícola do Palatinado.
O prefeito anterior, Ronald Becker, do Grupo Eleitoral Livre (FWG) da Renânia-Palatinado, por exemplo, se declarara, num programa de televisão, "orgulhoso deste sino". Pouco depois teve que renunciar ao posto.
O próprio Welker igualmente cometeu uma gafe logo em seguida a sua posse. Após afirmar que escuta no som do sino também as vítimas do nazismo, acrescentou: "Eram cidadãos alemães, quer dizer, não só os judeus."
O Conselho Central dos Judeus da Alemanha protestou prontamente: desse modo, o pastor teria sugerido que os judeus mortos não eram cidadãos da Alemanha. Em juízo, Welker admitiu que "isoladamente" sua formulação "poderia criar mal-entendidos".
Marca de Hitler ainda presente
Os eventos em Herxheim am Berg mostram como pode ser complicado trabalhar o passado. Os debates sobre objetos do nazismo, por exemplo, são recorrentes na Alemanha.
É fato que, ao fim da Segunda Guerra Mundial, as potências aliadas vitoriosas proibiram todos os símbolos do nacional-socialismo. Também a interdição da propaganda de extrema direita, como camisetas com cruzes suásticas, está sedimentada na Lei Fundamental alemã.
A pacata localidade na Renânia-Palatinado é apenas um dos muitos lugares do país onde ainda se encontram vestígios da era nazista. O mesmo se aplica a edifícios públicos, nomes de ruas e antigas instalações militares.
Existe uma zona cinzenta, já que determinados artefatos de épocas anteriores oferecem informações valiosas para a historiografia. A presença desses símbolos não é sempre penalizada. Mesmo na Catedral de Colônia, Patrimônio Cultural da Humanidade, há pedras com a suástica. A marca hitlerista permanece presente em muitos cantos da Alemanha.
Visto de longe, parece um sino perfeitamente normal. De perto, porém, não há como ignorar a inscrição nazista, na parte superior, em letras garrafais: "Tudo pela pátria – Adolf Hitler". E, como se a mensagem não fosse direta o suficiente, logo abaixo está a suástica.
Durante 84 anos, ele foi onipresente no lugarejo de 800 habitantes no sudoeste alemão: instalado em 1934 na igreja protestante de São Jacó, o "sino de Hitler" marcava a passagem do tempo a cada quarto de hora, anunciava missas, casamentos e batizados.
Poucos sabiam de seu passado tenebroso, até que, em maio de 2017, uma professora de música de uma localidade vizinha ficou sabendo da gravura e se dirigiu, horrorizada, à imprensa local.
"Melhor do que servir de fundo para selfie"
Mesmo silenciado, o sino rapidamente colocou a localidade nas manchetes de imprensa, muito além das fronteiras nacionais. E, após meses de discussão chegou finalmente o momento de decidir se soou a última hora para esse suvenir em ferro fundido da ditadura nacional-socialista – os 12 anos mais terríveis da história da Alemanha.
Concretamente, a alternativa era o sino ir para um museu – como recomendou o parecer de especialistas – ou permanecer onde está. Agora, em escrutínio secreto, o conselho municipal decidiu por dez votos contra três manter o sino como "memorial contra a violência e a injustiça". Ele deverá voltar a soar as horas, e na igreja de São Jacó será colocada uma placa informando sobre sua origem.
Essa opção pareceu às autoridades locais preferível a o objeto "estar exposto em algum museu, onde a qualquer momento alguém pode se postar diante dele e tirar um selfie", explicou numa coletiva de imprensa o prefeito de Herxheim am Berg, Georg Welker.
O pastor protestante diz que vê o sino como uma possibilidade de refletir "como lidamos hoje com a nossa época, e como as pessoas de então lidavam com a época delas". Sem dar detalhes, o membro do conselho municipal Gero Kühner anunciou que haverá eventos com personalidades importantes, para "processar essas coisas, mas também para procurar soluções sobre como poderá ser a convivência no futuro".
Sigrid Peters, a professora de música que denunciou publicamente o "sino de Hitler", vê a questão de modo diferente. " Depois desta reunião, tenho temores terríveis ligados à era nazista", comentou à DW.
Para ela, a decisão de manter o objeto não é acidental, sobretudo no contexto dos avanços eleitorais recentes do partido populista de direita Alternativa para a Alemanha (AfD). Do ponto de vista político, é tristíssimo "que possa acontecer uma coisa assim, que se deixe estar na igreja um sino dedicado a um assassino".
Peters teme não só que a igreja se transforme num local de peregrinação para radicais de direita, mas que a permanência do artefato tenha um efeito fatal, para além das fronteiras da Alemanha. Ela constatou isso ao ser interpelada pela imprensa internacional.
"Acabei de ter contato com a TV canadense. Para eles, era especialmente interessante saber como a Alemanha convive com uma suástica, com uma inscrição dessas."
A opinião no exterior, comenta ela, é que depois da era nazista a Alemanha se esforçou para trabalhar o seu passado, e que o processo foi bem-sucedido: "Por isso, tanto maior é, no estrangeiro, o horror de que um sino desses esteja numa igreja, e que ninguém se incomode".
Gafes
É questionável se Herxheim am Berg recuperará agora sua tão desejada tranquilidade. Por mais que o prefeito Welker afirme, seguro de si, que o assunto do sino "agora está encerrado", as autoridades locais não têm feito boa figura, até contribuindo para fixar uma imagem negativa do lugarejo encrustada na idílica paisagem vinícola do Palatinado.
O prefeito anterior, Ronald Becker, do Grupo Eleitoral Livre (FWG) da Renânia-Palatinado, por exemplo, se declarara, num programa de televisão, "orgulhoso deste sino". Pouco depois teve que renunciar ao posto.
O próprio Welker igualmente cometeu uma gafe logo em seguida a sua posse. Após afirmar que escuta no som do sino também as vítimas do nazismo, acrescentou: "Eram cidadãos alemães, quer dizer, não só os judeus."
O Conselho Central dos Judeus da Alemanha protestou prontamente: desse modo, o pastor teria sugerido que os judeus mortos não eram cidadãos da Alemanha. Em juízo, Welker admitiu que "isoladamente" sua formulação "poderia criar mal-entendidos".
Marca de Hitler ainda presente
Os eventos em Herxheim am Berg mostram como pode ser complicado trabalhar o passado. Os debates sobre objetos do nazismo, por exemplo, são recorrentes na Alemanha.
É fato que, ao fim da Segunda Guerra Mundial, as potências aliadas vitoriosas proibiram todos os símbolos do nacional-socialismo. Também a interdição da propaganda de extrema direita, como camisetas com cruzes suásticas, está sedimentada na Lei Fundamental alemã.
A pacata localidade na Renânia-Palatinado é apenas um dos muitos lugares do país onde ainda se encontram vestígios da era nazista. O mesmo se aplica a edifícios públicos, nomes de ruas e antigas instalações militares.
Existe uma zona cinzenta, já que determinados artefatos de épocas anteriores oferecem informações valiosas para a historiografia. A presença desses símbolos não é sempre penalizada. Mesmo na Catedral de Colônia, Patrimônio Cultural da Humanidade, há pedras com a suástica. A marca hitlerista permanece presente em muitos cantos da Alemanha.
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