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1989: Václav Havel eleito presidente da Tchecoslováquia

Augusto Valente

29/12/2018 07h00

1989: Václav Havel eleito presidente da Tchecoslováquia - No dia 29 de dezembro de 1989, o dramaturgo e crítico do autoritarismo foi indicado décimo presidente tchecoslovaco. Com interrupções, ele governaria até 2003, então como primeiro chefe de Estado da República Tcheca.A eleição de Václav Havel como décimo e último presidente da Tchecoslováquia teve um toque de ironia do destino. Afinal, apesar de todo o seu ativismo, o escritor e homem de teatro, contando então 53 anos de idade, sempre insistira em seu desinteresse pela política. Assim como diversos dissidentes seus compatriotas, ele defendia a mudança efetuada através de iniciativas cívicas autônomas, e não partindo do Estado.

Contudo, a vida de Havel sempre esteve ditada pela "grande política". Nas semanas anteriores, fora um dos protagonistas da Revolução de Veludo, a qual dera fim pacífico a mais de quatro décadas de governo comunista no país. Sua família – abastada, intelectual e ativa política e culturalmente – estivera na mira do regime desde que este se estabelecera, em 1948. Uma das consequências foi o jovem Václav só ter permissão para concluir a escolaridade obrigatória, após a qual lhe estava vedado o acesso aos estudos regulares, em especial às ciências humanas.

Trabalhando num laboratório de química e como motorista de táxi, ele conseguiu completar o curso secundário noturno, cursar economia durante dois anos e estudar dramaturgia por correspondência. Além do emprego como contrarregra em dois pequenos teatros de Praga, desde os 20 anos de idade Havel escrevia artigos para revistas de literatura e artes cênicas.

Personagem quase palpável

Estes escritos teóricos e suas próprias peças – socialmente satíricas e no espírito do Teatro do Absurdo – marcaram de modo decisivo o clima político que levaria ao experimento de desestalinização da Primavera de Praga. Sua primeira obra teatral autônoma, Festa no jardim (Zahradní slavnost), de 1963, conquistou-lhe reconhecimento nacional e internacional imediato.

Além do conteúdo crítico de seu teatro, Havel atraíra contra si a atenção do regime com eventos como o do 4º Congresso de Autores em Praga, em 1967, em que criticara abertamente a censura e o absurdo aparato de poder do Partido Comunista da Tchecoslováquia. Quando as tropas do Pacto de Varsóvia invadiram o país em 21 de agosto de 1968, dando fim à liberal Primavera de Praga, Havel foi banido dos palcos e forçado a trabalhar numa destilaria.

Em 1975, o dramaturgo iria elaborar essa experiência em Audience (Audiência), protagonizada por Ferdinand Van?k, seu alter ego retomado em duas peças posteriores. Não obstante a interdição, os textos circulavam pelo país na forma de samizdat – cópias clandestinas manuscritas ou datilografadas: uma prática de distribuição usual nos países sob dominação soviética e que acarretava sérios riscos aos envolvidos. Outra prova da penetração do autor é o fato de outros dramaturgos tchecoslovacos haverem incluído a personagem Van?k em suas próprias obras.

Atividade de revolucionário e suas consequências

O banimento da cena teatral oficial levou Havel a intensificar sua atuação política, solidificando sua reputação de revolucionário. Em janeiro de 1977, publicou o manifesto Carta 77, uma crítica ao descaso pelos direitos humanos, motivada pela prisão da banda tcheca de rock psicodélico Plastic People of the Universe. Republicado diversas vezes, até meados da década de 80 o documento já contava 1.200 signatários e mantém sua importância e atualidade mais de 30 anos depois.

Em 1979, Havel foi ainda co-fundador da organização Comitê em Defesa dos Injustamente Perseguidos. Tais atividades resultaram em vigilância e perseguição constantes por parte do governo, assim como em diversas estadas na prisão. O autor documentou a mais longa destas – de 1979 a 1984 – nas filosóficas Cartas a Olga, dirigidas a sua primeira esposa.

"Por favor, seja breve"

Após ser eleito pela Assembleia Federal em 29 de dezembro de 1989, ele manteve o mandato presidencial nas eleições livres de 1990, renunciando, porém, dois anos mais tarde, quando os eslovacos apresentaram sua Declaração de Independência. Havel voltou a vencer o pleito de 26 de janeiro de 1993, ano da fundação da República Tcheca, ocupando durante dez anos o cargo de primeiro chefe de Estado do novo país.

Numerosas premiações em nome da paz – inclusive algumas indicações para o Nobel – e o sólido reconhecimento internacional não pouparam Havel das críticas de seus compatriotas. Um de seus primeiros atos como presidente tcheco foi uma ampla anistia, com o duplo intento de diminuir a pressão nos presídios superlotados e compensar os injustamente encarcerados pelo regime comunista.

Havel baseou-se também na noção de que as decisões de um tribunal corrupto não são confiáveis, e de que a maioria dos detentos não recebera julgamento justo. Seus críticos o acusaram de haver contribuído para o aumento da taxa de criminalidade, uma alegação que o autor rebateu em suas recentes memórias, Prosím stru?n? (Por favor, seja breve).
Autor: Augusto Valente