Topo

Esse conteúdo é antigo

Coronavírus: em meio à pandemia, fome ameaça maior favela de São Paulo

Os primeiros moradores da área que ficou conhecida como Heliópolis chegaram por vias oficiais, em 1971 - Rubens Chaves/Folhapress
Os primeiros moradores da área que ficou conhecida como Heliópolis chegaram por vias oficiais, em 1971 Imagem: Rubens Chaves/Folhapress

Nádia Pontes

Da Deutsche Welle

13/05/2020 11h33

Resumo da notícia

  • Em Heliópolis, onde milhares dependem do trabalho informal, falta de alimentos é uma agonia diária para famílias
  • Doações e distribuição de comida ajudam a amenizar cenário de escassez durante a crise do coronavírus

Heliópolis, maior favela de São Paulo. No cômodo onde mora com os três filhos, Jucileide, de 32 anos, diz que a comida está faltando. Sem poder trabalhar devido à pandemia do novo coronavírus, a diarista usou a renda emergencial dada pelo governo para pagar o aluguel de 400 reais. Sem saneamento básico, ela vive às margens de um córrego a menos de três quilômetros do monumento imponente que marca o local onde a história oficial conta que a independência do Brasil foi declarada, em 1822.

Para alimentar os filhos, Jucileide agora depende de doações. O frango que acaba de receber de voluntários da Cufa (Central Única de Favelas), vai reforçar as próximas refeições. "Com ajuda, com força do povo, com cesta básica que a gente recebe a gente vai vivendo", conta Jucileide à DW Brasil.

A vizinha, Márcia, 30 anos, também conseguiu um frango. Com a filha de um ano no colo e na companhia do filho de cinco anos, ela conta que o marido perdeu o emprego como pedreiro. "A minha avó chegou a pegar esse coronavírus. Ela está em casa agora, não pode ver ninguém", afirma sobre a familiar com covid-19.

Na manhã fria de outono em que a DW Brasil acompanhou o trabalho da Cufa por Heliópolis, filas se formavam rapidamente quando a distribuição de alimentos era notada pelos moradores. Diante da multidão, os voluntários pediam para que as pessoas não se aglomerassem para evitar o contágio.

Dentro do veículo que usam para fazer entregas, cedido por uma empresa para que a ONG execute atividades do tipo durante a pandemia, a quantidade de alimento não é suficiente para todos que aguardam. Na esperança de conseguir algo, alguns seguem o carro até a sede da Cufa. Na porta da organização, outros moradores de Heliópolis aguardam na expectativa de voltar pra casa com alguma doação.

"A gente não esperava que essa pandemia fosse chegar na favela. Foi um susto quando chegou", diz Marcivan Barreto, que coordena as atividades da Cufa em Heliópolis. "São 220 mil pessoas que moram aqui. A maioria tem um trabalho informal e está sem renda agora", explica o morador da comunidade, que todos conhecem pelo nome. "A gente quer ajudar todo mundo. Já tem gente sofrendo com a fome", relata Barreto.

A maior favela de São Paulo tem uma população difícil de estimar. Segundo o Censo de 2010 do IBGE, há pelo menos 65 mil pessoas em Heliópolis, mas dados da subprefeitura do Ipiranga apontam 180 mil. Já a Cufa estima que sejam 220 mil.

Covid-19 em Heliópolis

Os primeiros moradores da área que ficou conhecida como Heliópolis chegaram por vias oficiais: em 1971, um alojamento provisório foi construído para abrigar famílias retiradas da favela Vila Prudente e Vergueiro para a construção de um viaduto. Desde então, o número de habitantes não parou de subir. A subprefeitura do Ipiranga, que administra a região, estima 18 mil imóveis e 3 mil comércios no bairro.

Por várias ruas estreitas de Heliópolis, folhas afixadas em muros explicam o perigo da covid-19, a importância de lavar as mãos, do uso de máscaras e do distanciamento social. Na prática, porém, algumas medidas são difíceis de serem seguidas.

"São ambientes muito escuros, pequenos e com bastante gente", diz sobre as moradias da comunidade a agente de saúde comunitária que prefere não ter o nome publicado. "A gente tem encontrado muitas pessoas com sintomas da covid-19, desempregadas ou sem salário", revela o cenário que se depara durante as visitas aos moradores.

Em toda a cidade de São Paulo, que concentra o maior número de casos do país, mais de 28 mil pacientes sofrem com a doença, e pelo menos 2.430 pessoas morreram até a tarde desta terça-feira (12/05). Em Heliópolis, a Cufa estima pelo menos 30 óbitos.

Algumas das vítimas eram clientes de Cícero Silva, 62 anos, dono de um mercadinho na comunidade. "A gente fica muito triste porque as pessoas estão morrendo", lamenta. De máscara, ele diz que nunca duvidou da seriedade da doença. "Quando vi que tanta gente morria de um dia para outro, eu já sabia que era grave, mesmo antes de a pandemia chegar no Brasil", diz.

Desemprego e fome

Assim que soube da distribuição de alimentos feita pela Cufa, Alaíde caminhou dois quilômetros, de sua casa até a sede da ONG, com a filha mais nova no colo. Ela já havia passado por um outro ponto de doação de cesta básica nas redondezas, sem sucesso.

"Está faltando tudo em casa. Sem trabalho, como a gente vai comprar?", diz Alaíde à DW Brasil. "Trabalhava como doméstica. Agora estou parada, nenhum condomínio deixa a gente entrar, ainda mais quando sabem que a gente vive em Heliópolis", adiciona.

Vestidos como uma camiseta preta gravada "Cufa contra o vírus", a equipe de de voluntários coordenada por Marcivan Barreto fica atenta para distribuir os alimentos de forma justa. Além de Heliópolis, outras 250 favelas no estado São Paulo contam com a Cufa para aliviar o sofrimento de famílias sem renda.

Os alimentos que a ONG doa nas comunidades têm origens diferentes: vêm de grandes empresas, redes de supermercados, doadores famosos e anônimos.

Barreto, que chegou com os pais da Bahia em Heliópolis aos seis anos, em 1978, se emociona quando tem que negar os abraços que os moradores querem dar, como retribuição. "Eu sou gente. Gosto de cuidar das pessoas", justifica.

"Não tem feriado, não tem domingo, todos os dias é assim, no meio da comunidade", fala sobre as ações de distribuição de comida e emergência trazida pela pandemia.