Topo

Reino Unido e UE, mais de 40 anos de ambivalência que acabam em divórcio

23/03/2017 18h50

Viviana García

Londres, 23 mar (EFE).- Durante as quatro décadas em que foi membro da União Europeia (UE), o Reino Unido teve com a UE uma relação ambivalente, com um euroceticismo que levou ao "Brexit", o divórcio que marcará as celebrações do 60° aniversário do Tratado de Roma.

O Reino Unido entrou na então Comunidade Econômica Europeia (CEE) em 1973 depois que o Parlamento britânico aprovou, no ano anterior, a Lei de Comunidades Europeias, sob o mandato do conservador Edward Heath, um europeísta convencido.

Esta legislação de 1972 foi recebida com entusiasmo por um Reino Unido que atravessava momentos econômicos difíceis, mas que terá que ser derrubada quando o país sair da UE, possivelmente em 2019, uma vez terminados os dois anos de negociações.

Na década de 70, o Reino Unido não escondia o entusiasmo por sua participação na CEE, como ficou notado no referendo de 1975. Mas agora o "Brexit", que o governo britânico espera ativar antes de abril, é a culminação de mais de 40 anos de choques entre UE e Reino Unido, que sempre priorizou sua relação transatlântica com os EUA e nunca pareceu se sentir plenamente parte do "continente".

O doutor em Políticas da Universidade inglesa de Surrey Simon Usherwood disse à Agência Efe que o "problema básico" entre os britânicos e a UE é que "nenhuma das duas partes se entendeu".

"O Reino Unido pensa que a União Europeia é só (um bloco) de transações comerciais, enquanto a UE não entende por que o Reino Unido trata todas as coisas europeias como (se fossem) uma ameaça", ressaltou.

Poucos anos depois que os britânicos começaram a fazer parte do clube europeu, as coisas começaram a mudar.

Em 1979, chegava ao poder a conservadora Margaret Thatcher e com ela o país dava um giro em suas relações com a UE, especialmente no referente à contribuição britânica.

Imersa em uma profunda crise econômica, com uma alta do desemprego e contínuas greves, Thatcher começava a aplicar duras reformas que se refletiram na privatização de muitos setores, entre eles as grandes ferrovias.

Assim, a "Dama de Ferro" começou a se mostrar mais eurocética até que em 1984 foi perante seus parceiros europeus para renegociar o reembolso anual que o Reino Unido recebe, o "cheque britânico", consistente em um sistema pelo qual a UE devolve a Londres a quantidade não gasta de sua contribuição aos orçamentos, com o objetivo de compensar seu menor uso das ajudas agrícolas.

A rigidez e intransigência de Thatcher lhe renderam benefícios nas urnas ao ganhar o pleito geral de 1987 e chegar a seu terceiro mandato, mas poucos anos depois enfrentou uma rebelião interna em seu partido, sendo substituída em 1990.

O governo "tory" que lhe sucedeu, o de John Major, também teve dificuldades com a Europa, especialmente pelas fortes pressões da cada vez mais poderosa ala eurocética da legenda.

Estas pressões forçaram Major a negociar com firmeza com seus parceiros comunitários, como foram as conversas que levaram à assinatura do Tratado de Maastricht (1992), que consagrou uma moeda comum e uma maior cooperação política.

Major obteve em Maastricht uma cláusula de isenção, conhecida como opt-out (opção de ficar fora), pela qual o Reino Unido não era obrigado a entrar na terceira fase da União Econômica e Monetária (UEM) e implantar a moeda única europeia (o euro).

Com os conservadores no poder e as contínuas intervenções de Thatcher nos veículos de imprensa, aos quais reiterava "não, não" à Europa, as relações entre Londres e Bruxelas foram tensas.

A saída dos "tories" do governo em 1997 e a chegada dos trabalhistas com Tony Blair, as relações melhoraram, o que permitiu que o Reino Unido ratificasse em 2008 -com o trabalhista Gordon Brown no governo- o Tratado de Lisboa.

Esse tratado, para melhorar o funcionamento da UE, inclui o artigo 50, que detalha o procedimento sobre a saída de um país comunitário.

Mas o retorno dos conservadores ao poder em 2010, com David Cameron como líder, fez ressurgir o sentimento eurocético entre os membros de sua formação, algo um tanto partilhado por certos setores do Trabalhismo, como o atual líder Jeremy Corbyn, que criticou a estrutura da UE.

Muito pressionado pelo ala eurocética, Cameron decidiu convocar um referendo europeu que, realizado em 23 de junho de 2016, terminou com o apoio ao "Brexit".