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Islamização de candidatas "sem rosto" causa polêmica nas eleições da Argélia

21/04/2017 06h01

Nacera Ouabou.

Argel, 21 abr (EFE).- O aparecimento de cartazes eleitorais com tarjas brancas dentro de um hiyab (véu islâmico) estão sendo comparados com os que estampam rostos perfeitamente visíveis dos candidatos masculinos, gerando uma onda de indignação na Argélia perante o que pode parecer uma islamização da sociedade e da classe política.

Os cartazes, fixados nos muros espalhados pelo país desde que em 9 de abril começou a campanha para as eleições legislativas de 4 de maio, pertencem em sua maioria a partidos islâmicos de oposição autorizados pelo governo, que buscam uma das 462 cadeiras da Assembleia Nacional.

Essas imagens monopolizaram o debate público em eleições marcadas pela apatia da população, que as considera irrelevantes e de resultado conhecido, e pelos escândalos de todos os tipos de alguns dos candidatos.

Tanto que os internautas triunfaram nas redes sociais com uma mensagem que transforma o nome de um deles, "Samaa Sotek" (Faça ouvir sua voz), na frase "Wari Wajhek" (Mostra sua cara), agora mantra da campanha.

"A polêmica surgida pelas candidatas sem rosto confirma a presença em massa de candidatos que sustentam ideias salafistas, inclusive em partidos que se apresentam como nacionalistas e democratas", denunciou o jornal "El Watan".

Contatado pela Agência Efe, Abderrahmam Benferhat, chefe de campanha do partido islamita opositor Movimento da Sociedade pela Paz (MSP), outra das formações que lançou "cartazes fantasmas", assegurou que pessoalmente se opõe a esta estratégia.

No entanto, lembrou que não existe artigo algum na lei argelina que obrigue os candidatos, sejam homens ou mulheres, a mostrarem seus rostos.

"Juridicamente, não há nenhum artigo que proíba isto, mas é preferível que os candidatos se apresentem com fotos. A dignidade da mulher argelina não se limita a mostrar seu rosto", explicou Benferhat.

Uma visão que não é compartilhada pela Suprema Instância Independente de Controle Eleitoral (HIISE), que da mesma forma que o governo exige que as candidatas mostrem seus rostos se quiserem continuar na corrida eleitoral.

"Devem mostrar seu rosto. Devem ser publicadas as fotografias de pessoas, não a foto de um manequim ou de outro. Publicar fotos distintas dos candidatos, cujos expedientes foram depositados na administração, está proibido", lembrou seu diretor, Abdelwahab Derbal, à emissora de televisão privada "Ennahar".

"Também por respeito. Essa mulher candidata, quando chegar ao parlamento, vai tirar uma fotografia ou não? Quando tiver que participar de uma delegação parlamentar para discutir e defender o país, vai pedir o visto com foto ou não? O indivíduo deve ser coerente", acrescentou.

Mas não só os partidos salafistas, que invocam os princípios da retrógrada interpretação wahabi-saudita do islã, se mostram combativos.

Moussa Touati, líder do partido nacionalista conservador Frente Nacional Argelina (FNA), já advertiu que não obrigará suas candidatas a mostrarem o rosto.

A HIISE "não está legitimada" para adotar medidas a respeito das listas eleitorais e das fotos que são publicadas em cartazes e panfletos eleitorais, salientou.

A polêmica mostra, além disso, a profunda divisão social que existe na Argélia e a lacuna cultural, educativa e econômica que separa o campo das grandes cidades.

A grande maioria dos cartazes com "candidatas fantasmas" está localizada em áreas rurais e pequenas e médias cidades do centro sul do país como Ardar, a cidade com maior número de mulheres sem rosto de todo o país.

Ali, uma das candidatas não só teve o nome apagado, mas também o sobrenome.

Foram nestas regiões, em sua maioria alheias ao desenvolvimento das grandes cidades, onde a Frente Islâmica de Salvação (FIS), de tendência salafista, adquiriu parte da força que a levou à vitória nas eleições municipais de 1990, as primeiras com um sistema pluripartidário.

Um ano depois, e com o apoio também dos jovens e das áreas metropolitanas mais desfavorecidas, ganhou também o primeiro turno das eleições presidenciais, resultado que levou o então presidente, Chadli Benyedid, a dar uma espécie de golpe de Estado.

Benyedid impôs um estado de exceção, anulou o segundo turno e, em meio aos protestos, ilegalizou o FIS - medidas que desataram em uma guerra civil que se prolongou durante uma década e causou a morte de 300 mil pessoas e o desaparecimento forçado de milhares.

Uma ferida que o atual presidente, Abdelaziz Buteflika, tentou fechar com o acordo de paz de 2002, mas que continua recente no seio de uma sociedade que vê que, nos dois últimos anos, o islamismo se recupera e a marca do jihadismo volta a ganhar força.