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Coreia do Sul, um país em guerra que não aceita objeção ao serviço militar

19/02/2019 06h03

Andrés Sánchez Braun.

Seul, 19 fev (EFE).- A Coreia do Sul, país que ainda exige o serviço militar obrigatório, acaba de abrir as portas à objeção de consciência após duas sentenças judiciais históricas, embora a reviravolta seja apenas um primeiro passo para um Estado que permanece em guerra com seu vizinho desde 1950.

Entre os que mais comemoraram as decisões judiciais promulgadas em junho e novembro do ano passado está Oh Tae-yong, líder do partido liberal Nosso Futuro e ativista de direitos humanos, que há duas décadas trabalha para que seu país deixe de obrigar os homens entre 18 e 28 anos a realizar o serviço militar durante praticamente dois anos.

Este homem afável e de aspecto miúdo assumiu uma missão que inclusive o levou a sacrificar três anos da sua vida, os quais passou preso no começo da década passada por se negar a se alistar.

Com 26 anos e recém-formado professor, Oh, que já na época se definia como um ativista a favor da paz com base nas suas crenças budistas, teria que se alistar.

"Naquele momento descobri que muitos Testemunhas de Jeová iam para a prisão porque fazer serviço militar é contra suas crenças. Me pareceu uma alarmante violação dos direitos humanos e como ativista pensei que devia fazer alguma coisa", contou à Efe em uma cafeteria de Seul.

Segundo dados dos próprios Testemunhas de Jeová, mais de 19 mil fiéis sul-coreanos foram presos por se negarem a fazer o serviço militar e sofreram o forte estigma social que isso traz, o mesmo que Oh teve que encarar ao sair da prisão.

Quando o hoje político se apresentou em 2001 no escritório de alistamento e vociferou sua intenção de não se alistar, a imprensa o chamou de "primeiro objetor de consciência sul-coreano" apesar de, segundo lembra o próprio Oh, milhares de Testemunhas de Jeová terem feito o mesmo antes dele.

"Fui o primeiro a rejeitar publicamente o serviço militar obrigatório, daí o rótulo. As pessoas me advertiram que isto me marcaria para o resto da vida, mas acreditei que minha causa era legítima e que fazendo isso criaria consciência da situação, em um momento em que ninguém questionava que se prendesse gente só por ser fiel a alguns valores", disse Oh.

Como tinham lhe advertido, tal afronta em um país acostumado a ver o serviço militar como um rito de passagem, acabou cobrando seu preço.

Ao sair de prisão ninguém quis contratá-lo como professor ao ver que tinha antecedentes penais e que não tinha feito o serviço militar (de fato, muitas empresas sul-coreanas ainda olham com ceticismo inclusive àqueles que foram isentos do serviço militar por motivos de saúde).

Até mesmo quando quis trabalhar como voluntário em refeitórios sociais ou dar palestras sobre a necessidade de mudar a lei do serviço militar, que data de 1949, acabou encontrando pessoas que o acusavam a gritos de ser "um traidor da pátria" e inclusive tentavam agredi-lo.

Mas a porta para a mudança finalmente se abriu no ano passado, com duas sentenças históricas do Tribunal Constitucional e do Supremo que, por um lado, levaram à descriminalização da objeção de consciência, e por outro, obrigam o governo a oferecer a partir deste ano um serviço social alternativo aos objetores.

Oh considera que o degelo nas relações intercoreanas do último ano ajudou a sedimentar a ideia nos juízes e na sociedade sul-coreana de que a paz (a guerra entre os vizinhos foi interrompida em 1953 com um cessar-fogo) poderia ser assinada em um futuro próximo e estima que, quanto mais aproximação houver, melhor será para os objetores.

Apesar disso, o ex-professor acredita que a militarização ainda continua muito presente no país, a julgar pelos planos para o serviço alternativo que o Executivo vai apresentar este ano e que, segundo sua opinião, transformam este trabalho social em um "castigo" por não se alistar no exército.

Por enquanto, o governo falou de apenas 600 a 700 objetores por ano e explicou que principalmente se aceitará apenas aqueles que argumentem motivos religiosos.

Além disso, o serviço alternativo implicaria em trabalhar em centros penitenciários durante um período de 27 a 36 meses, um tempo mais longo que o destinado ao serviço militar (21 a 24 meses) e no qual os objetores deveriam, além disso, residir nas prisões, o que segundo Oh "praticamente equivale às sentenças de três anos de prisão que são impostas até agora".

Estes planos deixam claro que os políticos têm trabalho pela frente para conseguir um dos principais objetivos defendidos por seu partido, "abolir o recrutamento forçado e profissionalizar o exército", meta que está decidido a alcançar e que acredita que "pode acabar sendo fundamental para se conseguir a paz na península". EFE