Brics menciona crises internacionais, mas deixa de fora Venezuela e Bolívia
A declaração de Brasília que encerrou a cúpula dos Brics nesta quinta-feira tratou de problemas humanitários internacionais em oito diferentes países, como Iêmen e Coreia do Norte, mas deixou de fora as violentas crises na Venezuela e na Bolívia e todos os temas da América Latina de um modo geral.
Questionado sobre por que temas que envolvem diretamente as fronteiras brasileiras não estão relacionados no capítulo de conjunturas regionais, um dos diplomatas envolvidos nas negociações dos Brics afirmou que a declaração costuma tratar apenas de temas de "envergadura internacional".
De acordo com informações levantadas pela Reuters com fontes brasileiras e sul-africanas, havia uma expectativa inicial de levar o assunto Venezuela à plenária dos presidentes, mas nem isso chegou a ser feito, assim como o Brasil desistiu até mesmo de levar à mesa de negociações uma menção ao país por concluir que não haveria chance de um acordo por "divergências ideológicas".
O Brasil chegou a fazer uma sondagem inicial sobre os termos que poderiam ser usados para incluir uma condenação à crise venezuelana, mas detectou-se que não haveria possibilidade de acordo. Aliados do governo de Nicolás Maduro, China e Índia têm posições opostas ao governo brasileiro da situação venezuelana.
"Venezuela não está na agenda, não é um assunto para esta cúpula. Até onde lembro isso não foi discutido pelos líderes na sessão fechada e nem na plenária", disse Wang Xiaolong, enviado especial ao Brics do Ministério das Relações Exteriores da China.
Com uma crise que já chega a 4 milhões de refugiados, a Venezuela tem sido tema de discussões em outros organismos internacionais como as Nações Unidas e a Organização dos Estados Americanos (OEA). Nos nove parágrafos estão citadas crises como a questão do Iêmen, Israel e Palestina, Líbia e Coréia do Norte.
O esforço de negociação brasileiro conseguiu incluir na declaração uma questão cara à bancada evangélica, tradicional apoiadora do presidente Jair Bolsonaro, a de uma defesa das minorias étnico religiosas na Síria, fundamentalmente as de origem cristã. O assunto foi tratado em diversas reuniões entre o chanceler Ernesto Araújo e a bancada evangélica. "É um tema muito caro ao governo", confirmou a fonte.
A declaração deixou de fora dessa vez a defesa do trabalho da Agência de Assistência aos Refugiados Palestinos no Oriente Médio (UNRWA), incluída em 2018 depois que os Estados Unidos cortaram praticamente todo o seu financiamento ao organismo.
Dessa vez, ao adotar um discurso alinhado ao americano e ao israelense, que diz cobrar transparência no uso de recursos, o Brasil inviabilizou a defesa feita pelos Brics do trabalho da agência, do qual depende uma parte considerável dos palestinos.
"Não houve um consenso. O Brasil apoia o trabalho da agência, continua apoiando, mas defende que seu trabalho avance com absoluta transparência. É accountability", disse o diplomata, que não quis ser identificado.
Isolado em sua posição, o governo brasileiro terminou por impedir que a menção à UNRWA entrasse no texto final.
Apesar de pontos comuns na defesa do multilateralismo e do incremento na cooperação entre os cinco países que compõe o bloco, a primeira cúpula do grupo tocada pelo governo Jair Bolsonaro revelou divergências políticas com seus parceiros de blocos, centradas basicamente em questões ideológicas.
O alinhamento automático do atual governo brasileiro com os Estados Unidos opõe o país a China e Rússia, tradicional rivais políticos e econômicos dos americanos.
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