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Descolamento entre preço de energia e realidade pode gerar custo de R$7 bi/mês, diz Anace

19/11/2021 18h08

Por Marta Nogueira

RIO DE JANEIRO (Reuters) - Um descolamento entre os valores do preço de referência da energia negociada no mercado de curto prazo (PLD) e a realidade operativa pode gerar um custo de até 7 bilhões de reais por mês para todos os consumidores de eletricidade no país, apontou a Associação Nacional dos Consumidores de Energia (Anace), que quer revisão de parâmetros.

A associação indicou que o chamado Preço de Liquidação das Diferenças (PLD) registrou valores de cerca de 100 reais/MWh, próximos dos níveis mínimos nas duas primeiras semanas de novembro, enquanto térmicas extras têm sido despachadas com Custo Marginal de Operação (CMO) bastante elevado, podendo chegar até 2.000 reais/MWh, para preservar os reservatórios de hidrelétricas devido à crise hídrica.

"Precisamos rever urgentemente os mecanismos de formação de preços", disse o presidente da Anace, Carlos Faria, em entrevista à Reuters por telefone nesta sexta-feira.

O PLD, que é calculado pela Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), normalmente serviria de referência para contratos de energia de curto prazo e influenciaria cotações no mercado livre de eletricidade.

"Não faz nenhum sentido ter o preço hoje do PLD no seu patamar mínimo, próximo de 80 reais, enquanto o país tem geração térmica de aproximadamente 15 mil MWmed para atender ao mercado e recuperar reservatórios (de hidrelétricas)."

Faria ressaltou que no início do mês todas as térmicas estavam ligadas, com um total de 20 mil MWmed para atender ao mercado, incluindo aproximadamente 5 mil de usinas inflexíveis, que permanecem sempre em operação quando não estão em manutenção ou paradas por um fator externo.

"Não é coerente que, em um cenário destes, o preço do mercado de curto prazo esteja tão baixo; seria esperado que estivesse no valor teto do PLD", aponta Faria.

Procurada, da CCEE disse que está "estudando essa volatilidade não natural do PLD para buscar aprimoramentos, sobretudo no que diz respeito à importância que os diferentes fatores têm nos modelos computacionais".

A câmara afirmou também que analisa periodicamente junto com a Comissão Permanente para Análise de Metodologias e Programas Computacionais do Setor Elétrico (CPAMP) possíveis aprimoramentos nos modelos para que os resultados dos cálculos sejam cada vez mais aderentes à realidade operacional do sistema.

A CCEE disse ainda que, a partir de janeiro de 2022, serão adotadas medidas relacionadas à utilização do volume mínimo operativo, que olha para o curto prazo, e a atualização desses valores para patamares mais conservadores.

A CCEE comentou ainda que "serão necessárias melhorias mais profundas para termos uma resposta rápida e adequada do preço às flutuações operacionais".

QUEM PAGA

Para realizar o cálculo, a Anace pontuou que a diferença do PLD médio atual para o valor teto do PLD estrutural, de 583,88 reais/MWh, é de cerca de 480 reais.

Tal diferença poderia resultar em uma despesa de até 7 bilhões de reais por mês, em um cenário em que todas térmicas estivessem acionadas.

No momento, com parte das térmicas mais caras desligadas, o especialista estima que os custos ao sistema estejam na casa de 3,6 bilhões de reais.

O valor acaba sendo pago por todos os consumidores, cativos e livres, via Encargos de Serviço de Sistemas (ESS), afirmou.

O ESS entra na conta de luz dos consumidores atendidos pelas distribuidoras no mercado regulado. No mercado livre, a CCEE cobra dos agentes o encargo na contabilização das operações, proporcionalmente ao consumo.

"Nesse cenário, novamente a classe consumidora arca com um enorme custo para enfrentar a atual crise do setor elétrico, despesa esta que seria paga pelos agentes que estão expostos ao mercado spot. Mais uma vez, os consumidores são chamados a pagar a conta que seria de outros agentes", conclui Faria.

Enquanto não há uma revisão dos mecanismos de formação de preços, estabelecidos há anos, a Anace defende que haja uma elevação do teto do PLD e que esses custos extras gerados sejam divididos também com geradores que não entregaram energia prometida em função da crise hídrica.

A CCEE não contestou os cálculos da Anace.

O problema é mais um reflexo da maior seca em reservatórios de hidrelétricas, principal fonte geradora de eletricidade do país, em mais de 90 anos.

Para garantir o abastecimento, o Brasil recorreu ao acionamento de térmicas com custos elevados e importação de energia.

Faria ponderou que as chuvas chegaram mais cedo que o esperado neste fim de ano e "deram um alívio".

Mas que o país ainda enfrenta o desafio de assegurar a oferta de energia atual e se preparar para o próximo período seco, que se inicia em abril. Dessa forma, ainda há grande quantidade de térmicas acionadas.

(Por Marta Nogueira)