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PF prepara retirada de garimpeiros ilegais de mais 6 terras indígenas em 2023

21/03/2023 17h57

Por Ricardo Brito e Anthony Boadle

BRASÍLIA (Reuters) - A Polícia Federal avança na retirada de garimpeiros ilegais da Terra Indígena Yanomami em Roraima, foco de crise humanitária, e pretende fazer até o final do ano operações semelhantes em outras seis áreas indígenas nos Estados de Rondônia, Pará e Maranhão, afirmou o diretor de Meio Ambiente e Amazônia da Polícia Federal, Humberto Freire, à Reuters.

"As ações de desintrusão são prioridade. A gente fez um cronograma para que as sete áreas que fazem parte da ADPF 709 sejam trabalhadas, e a desintrusão ocorra ainda em 2023", disse ele, referindo-se à ação em curso desde 2020 no Supremo Tribunal Federal que visava, entre outros pontos, retirar invasores dessas regiões e garantir atendimento de saúde aos indígenas.

As áreas que serão alvo de ações da PF contra o garimpo ilegal são Karipuna e Uru-Eu-Wau-Wau, em Rondônia; Kayapó, Mundurucu e Trincheira Bacajá, no Pará; e Arariboia no Maranhão, detalhou o delegado.

Freire, que chefia uma área recém-criada na PF pelo governo Lula, teve de lidar já na estreia no posto com a crise na TI Yanomami, invadida por milhares de garimpeiros armados que aterrorizaram comunidades, espalharam malária, poluíram rios com mercúrio e reduziram a caça causando mortes por desnutrição.

Segundo o delegado, o trabalho de retirada dos garimpeiros da área em Roraima está em fase "bastante avançada", com alguns poucos garimpeiros que ainda resistem ou ficam em áreas escondidas. Ele diz que boa parte saiu de lá espontaneamente.

Do início do ano até a segunda-feira, segundo balanço da PF, somente na TI Yanomami foram inutilizados 253 acampamentos, 70 balsas, três aeronaves e oito embarcações do tipo voadeira, 13,7 toneladas de cassiterita e 4,5 mil litros de combustíveis. Houve ainda a apreensão de outras 13,2 toneladas de cassiterita e de 1,2 quilo de ouro, além da abordagem de 94 embarcações.

Líder Yanomami, Junior Hekurari avalia que 85% dos garimpeiros ilegais deixaram a reserva do tamanho de Portugal que se estende ao longo da fronteira norte com a Venezuela.

Dois meses após o estado de emergência ter sido declarado pelo governo na TI, Hekurari disse à Reuters que cobra da gestão um contigente maior de pessoal e de helicópteros para enfrentar a escala da emergência de saúde entre os Yanomami.

CADEIA DE FINANCIAMENTO

Além do trabalho contra os garimpeiros ilegais nas localidades, Humberto Freire afirma que a PF mira também uma responsabilização que abarque os financiadores das atividades ilegais e a cadeia de crimes relacionados, como o de lavagem de dinheiro do minério obtido ilicitamente.

Até o momento, conforme o delegado, as investigações apontam que haveria três principais fontes de financiamento da atividade do garimpo ilegal. A primeira visa retroalimentar a própria cadeia ilegal; a segunda seria financiada por desvio de recursos públicos; e a terceira, a partir do dinheiro oriundo do tráfico de drogas e armas.

Em três operações neste ano, 68 milhões de reais foram apreendidos ou bloqueados pela PF com autorização da Justiça somente em ações na TI Yanomami. O delegado avalia, no entanto, que o capital envolvido em ações de minério ilegal no país ultrapasse a casa dos bilhões de reais.

"É um foco oque a gente tem buscado em todas as ações para que a gente possa descapitalizar essas organizações que atuam no crime ambiental", destacou.

Segundo o delegado, as apurações não apontaram, até o momento, o envolvimento ostensivo de facções criminosas no custeio e na operação dessa atividade ilícita. O que se identificou são antigos ou atuais integrantes de facções que atuam no garimpo ilegal, como um piloto de avião que, ao mesmo tempo, faz transporte de drogas e também de ouro extraído ilegalmente.

O governo do então presidente Jair Bolsonaro foi duramente criticado por não reprimir o garimpo ilegal em terras indígenas e também atividades criminosas no meio ambiente.

Questionado se se poderia haver responsabilização do ex-presidente e outras autoridades pela atual situação, Freire preferiu não quis citar nomes, mas afirmou que a atual gestão encontrou uma "estrutura legal que involuiu nos últimos anos".

"Algumas brechas por normativos infralegais foram abertas, o que dificultou o trabalho de fiscalização e responsabilização administrativa", disse.

"A gente encontrou também órgãos de fiscalização bastante comprometidos do ponto de vista operacional. Isso foi bastante divulgado, órgãos fundamentais para um trabalho conjunto com a PF, o Ibama, ICMBio, a própria Funai", seguiu.

O diretor da PF não descartou que investigações possam envolver ex-funcionários públicos ou ex-autoridades no futuro.

"Uma coisa que nosso diretor-geral (Andrei Rodrigues) sempre diz: a PF não investiga pessoa, investiga fatos", afirmou.

"Há um inquérito que apura genocídio da população Yanomami. Como investigamos o fato em si, no decorrer da investigação é que as provas vão revelar a participação desse ou daquela pessoa e aí podem surgir pessoas com prerrogativa (de foro) ou não."