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Gays evangélicos: o dilema diante da possível vitória de Bolsonaro

28/10/2018 01h11

É possível ser evangélico e LGBT? Nas chamadas “igrejas inclusivas”, essa questão não existe.

Enviado especial a Fortaleza

Alan Luz faz parte daquelas pessoas que parecem manter o sorriso o tempo todo, mesmo quando fala de assuntos sérios. Porém, o jovem bispo da Igreja Apostólica Filhos da Luz tem vários motivos para se preocupar. À frente de uma das igrejas evangélicas inclusivas do país, que acolhe a comunidade LGBT, ele enfrentou um longo percurso antes de reunir as cerca de 200 pessoas que frequentam seu templo em Fortaleza.

O bispo vem de uma família evangélica, e passou por todos os percalços de um jovem que se descobre homossexual em um lar conservador. “Durante a adolescência me disseram que eu sofria de uma pulsação demoníaca e tentaram me curar”, relata. No último desses tratamentos, ele quase foi forçado a se casar com uma jovem, antes de receber o que qualifica de “experiência espiritual”: “Deus me disse que me amava como eu era”.

Usamos a mesma bíblia

Aos poucos ele construiu seu caminho, e se tornou pastor, fundando em Fortaleza sua própria igreja inclusiva, inspirada em iniciativas que existem desde o final dos anos 1960 – com a Igreja da Comunidade Metropolitana (ICM), dos Estados Unidos – e que chegaram ao Brasil no início dos anos 2000. “A principal diferença é que entrando aqui há casais de todos os tipos. Há casais héteros, homoafetivos, trans, além de crianças. E todos se dão muito bem. Em termos litúrgicos e doutrinários, a nossa igreja não tem nada diferente das demais. Somos uma igreja evangélica e eu utilizo a mesma bíblia. A única diferença é a que aqui nós acolhemos”, explica.

Apesar da simplicidade do conceito, o projeto não foi bem aceito na capital cearense. “Fomos muito perseguidos”, relata. Além dos discursos de ódio de outros pastores de lideres religiosos, Alan foi vítimas de várias ameaças, viu sua igreja pichada e teve seu carro baleado, em um ataque que poderia ter custado sua vida.  

“Quando começamos era bem difícil. Agora nós pensávamos que havia um avanço, mas com esse aumento do fascismo estamos vendo um retrocesso”, avalia, em alusão às críticas e agressões visando a comunidade LGBT que explodiram durante a campanha eleitoral. “Pessoas que nos apoiavam até a semana passada começaram a declarar um discurso de ódio muito grande, principalmente nas redes sociais”.

Kit gay e a ideologia de gênero: duas grandes mentiras

Segundo ele, essa animosidade se deve aos temas levantados pelo candidato Jair Bolsonaro: “duas grandes mentiras: o kit gay e a ideologia de gênero. Isso nos atinge diretamente e nossa existência começa a ser comprometida”.

O bispo ainda tem a esperança de uma virada, contrariando as pesquisas, que apontam a vitória de Jair Bolsonaro neste domingo. “Não tenho medo dele, e sim de seus apoiadores, pessoas que não têm saúde mental e são cheias de ódio”, explica.

Alan relata que alguns fiéis estão muito preocupados com sua segurança e que psicólogos começaram a intervir na igreja para falar sobre o assunto. Mesmo assim, ele não pretende ceder ao terror. “Nós já escapamos de pedra, de pau, de igreja invadida, de bala. Não vai ser agora que a gente vai voltar para o armário. Eu lutei muito para estar onde estou para, agora, por causa de gritos, abandonar”, afirma. “E se tivermos que enfrentar, nós seremos resistência onde for preciso”, martelou, sempre sorrindo.