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Opinião: Brexit parece uma forma de suicídio em câmera lenta

24/03/2019 23h00

Os flegmáticos britânicos não são de grandes manifestações de rua. Mas desta vez, um milhão de pessoas encheram Londres com bandeiras europeias exigindo um novo referendo sobre a saída do Reino Unido da União Europeia - o Brexit. A maior passeata em um século. Hoje, as sondagens indicam que uma maioria de eleitores quer permanecer na Europa. Os partidários do Brexit argumentam que um novo referendo seria uma traição do primeiro e dividiria perigosamente a nação.

Os flegmáticos britânicos não são de grandes manifestações de rua.

Só que o país, o Parlamento e o próprio governo já estão irremediavelmente divididos. Westminster, o Legislativo democrático mais antigo do mundo, está em plena crise de nervos. Nenhuma das múltiplas soluções na pauta têm uma chance de obter um consenso parlamentar. E dentro da administração de Theresa May, Brexiters e Remainers se digladiam e conspiram contra o Primeiro-Ministro. Nem Shakespeare poderia inventar um enredo tão confuso e brutal.

Os europeus já estão cansados de esperar. O dia 29 de março é a data legal do divórcio oficial com o Reino Unido. May pediu três meses de lambuja. Mas só conseguiu adiar até o dia 12 de abril. Depois, começa a campanha para a eleição do novo Parlamento Europeu. E aí? Se a Inglaterra ainda estiver dentro, vai organizar eleições para um sistema do qual ela quer sair? O imbróglio legal seria insolúvel. O problema é que, por enquanto, ninguém acredita que daqui até abril Downing Street e Westminster possam chegar a uma solução.

Sete possibilidades

Esta semana, os parlamentares vão se pronunciar por meio de uma série de votos “indicativos”. São votos não-vinculantes para o governo e só vão servir para ver se existe alguma coisa que possa ser aprovada por uma maioria. Mas parece samba do crioulo doido.

Nada menos do que sete possibilidades estão na agenda: aprovar o plano de Theresa May de sair da Europa mas continuar aceitando as regras europeias até ser negociado os termos de uma nova relação bilateral – o que pode levar no mínimo mais dois anos. Ou então, ir embora sem negociar nada – mas uma enorme maioria não topa essa parada.

E aí vem o resto: o plano de May, mas ficando dentro da União Aduaneira; a mesma coisa, mas com acesso ao mercado único; um acordo de livre-comércio do tipo canadense ou norueguês, ou um novo referendo. Se nada passar, sobra ainda demitir o Primeiro-Ministro, para ver se outro tem mais autoridade. Ou então convocar novas eleições: uma catástrofe para o partido conservador no poder com uma vitória do Partido Trabalhista, que também está dividido quanto ao Brexit.

Suicídio em câmera lenta

Quanto mais se aproxima a hora da verdade, mais as consequências econômicas são de arrepiar. Boa parte das empresas estrangeiras e algumas britânicas já tem planos para instalar suas sedes ou parte de suas produções no continente para não perder o mercado europeu.

Se voltarem os controles na fronteira entre Inglaterra e Europa, só o tempo perdido vai criar graves problemas no emaranhado de cadeias produtivas profundamente integradas na economia europeia. O próprio ministério das Finanças de Londres já avisou que vão faltar remédios e produtos alimentares. Sem falar no perigo de restabelecer uma fronteira entre a Irlanda do Norte e a República irlandesa, e na ameaça da Escócia – que votou para ficar na União – de lançar mais uma vez uma campanha pela independência.

O Brexit aparece cada vez mais como uma forma de suicídio em câmara lenta. Não é só a ameaça de um longo período de estagnação econômica. É também a possibilidade de uma fragmentação do Reino Unido, onde só sobraria a pequena Inglaterra em guerra aberta contra a sua própria capital, a cidade de Londres claramente pró-europeia. Os Brexiters prometiam restabelecer a grandeza britânica perdida. O resultado é um naufrágio numa Little England decadente, sem força e sem futuro. O tiro às cegas do referendo saiu pela culatra.