Jornada Mundial lembra que lepra não foi erradicada; Brasil é um dos países mais atingidos
A Fundação francesa Raul Follereau, que financia pesquisas e tratamento contra a Hanseníase em diversos países do mundo, comemora de hoje a domingo (26) a 67 ª Jornada Mundial dos Doentes da lepra.
O objetivo da iniciativa é sensibilizar a população e as autoridades sobre a doença, que surgiu na Antiguidade, mas ainda não foi erradicada. A estimativa é que 210 mil novos casos sejam diagnosticados todos os anos. "O paciente que tem lepra pode ser tratado e curado. É preciso colocar um ponto final na rejeição aos doentes, que ainda existe em todos os países. É preciso lutar contra o ostracismo e pedir mais solidariedade em relação aos mais pobres", disse em entrevista à RFI Brasil o especialista em doenças tropicais Bertrand Cauchoix.
O médico é uma das maiores referências científicas em Lepra e Tuberculose do mundo e está passando duas semanas em Paris, vive em Madagascar, onde é conselheiro médico da Fundação e supervisiona as pesquisas e a ação das equipes do Ministério da Saúde no país.
Doença tem tratamento e cura
A Hanseníase é uma patologia infectocontagiosa que provoca lesões cutâneas com diminuição de sensibilidade térmica, dolorosa e tátil. Seu agente causador, o bacilo Mycobacterium leprae, foi identificado em 1873 e atinge as células cutâneas e nervosas do sistema periférico. O tratamento usa antibióticos como a Rifampina. Ele deve ser usado de 6 até 12 meses dependendo do estágio da doença e outras moléculas são associadas nos casos mais graves.
A Lepra tem cura mas pode deixar graves sequelas físicas e deformações nos membros. Presente em 143 países. Apenas 12% deles concentram 94% dos casos identificados. A Índia e Madagascar são os mais atingidos. A população afetada em geral vive em condições de extrema pobreza, em áreas rurais e sem atendimento médico. Os doentes ainda são estigmatizados: isso se deve a práticas passadas, quando eram isolados do resto da sociedade.
Cabeça coberta e "L" na mão
Nos anos 30 no Brasil, como citam historiadores, os pacientes eram obrigados a andar com a cabeça coberta e calçados, e usar roupas com cores específicas e sinais como a letra "L" na mão, para identificá-los. O Brasil ainda ocupa o segundo lugar do mundo entre os países que registram novos casos de Hanseníase, segundo o Ministério da Saúde. Os doentes vivem principalmente no norte e Nordeste. No ano passado, o presidente Jair Bolsonaro reconheceu que essa posição é uma "vergonha."
Para o especialista francês, essa situação reflete as desigualdades existentes nos países menos desenvolvidos. "Nas conferências internacionais trabalhamos muito com o Brasil, onde existem laboratórios de ponta, que trabalham com testes de resistência dos antibióticos e diagnósticos. Paradoxalmente, em áreas como a Amazônia, a penetração do sistema de saúde não acontece da maneira como deveria", compara.
Quimioprofilaxia
Bertrand Cauchoix supervisiona atualmente um estudo em Madagascar, iniciado no ano passado, sobre a eficácia da Quimioprofilaxia - um tratamento preventivo para pessoas que vivem perto de um doente. A ideia diz, é impedir o desenvolvimento da doença, que pode demorar anos para se manifestar. Na primeira fase da pesquisa, cerca de 30 mil pessoas foram examinadas, o que mostrou que havia um número bem maior de contaminações - até cinco ou dez vezes mais - do que havia sido recenseado.
"Nosso estudo em Madagascar consiste em saber se essa profilaxia é viável em larga escala e se podemos prescrever os medicamentos para uma grande população, na tentativa de diminuir a emergência de novos casos. Não é simples: a questão que se coloca é se devemos dar um tratamento preventivo para alguém, sem saber se está de fato doente", explica.
As equipes do professor francês vão até vilarejos sem acesso a atendimento médico para visitar doentes e suas famílias. "Se as pessoas não são diagnosticadas é porque não existe médico, enfermeira, ou medicamentos disponíveis. É uma doença da pobreza extrema e infelizmente os sistemas de saúde nesses países são desiguais entre ricos e pobres."
Sorologia
A despistagem sorológica, através de um exame de sangue, implica outros problemas estruturais em áreas afastadas. Segundo o especialista francês, nos próximos três anos, a equipe saberá se a nova terapia preventiva é viável. "O interessante desse estudo em Madagascar é que, indo à casa das pessoas, passamos à despistagem ativa, em oposição à despistagem passiva, defendida pela OMS há cerca de 20 anos e que eu e muitos consideramos como um erro", diz.
"Se você não faz uma consulta para verificar se tem uma lepra no início, não será considerado como um doente, mas na verdade tem a doença", explica. "Há um debate. A OMS começa a aceitar certas estratégias. No início havia certas reticências. Não podemos afirmar que a lepra foi erradicada."
A pesquisa é financiada pela Fundação francesa. A doença, diz Cauchoix, não interessa os laboratórios farmacêuticos, pelo pouco retorno financeiro que o investimento representaria, e os Estados mais ricos, onde a doença é inexistente ou pouco presentes. "O financiamento é quase totalmente caritativo. Em nosso estudo especificamente, a União Europeia contribui somente com o custo da pesquisa", ressalta.
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