Coronavírus: 'fontes de contaminação', profissionais de saúde são ameaçados na França
O ritual se repete a cada noite desde o início do confinamento na França para conter o coronavírus. Exatamente às 20h, moradores de todo o país vão às janelas aplaudir os profissionais de saúde que estão na linha de frente da batalha contra a Covid-19.
Como explicar que esses mesmos profissionais também têm sido alvo de ameaças de vizinhos que temem ser contaminados? Os casos de intimidação se multiplicam e o ministro do Interior, Christophe Castaner, garantiu nesta segunda-feira (6) que os culpados serão punidos.
O caso mais chocante aconteceu na semana passada, em Montpellier, no sul da França. Mélina F., uma enfermeira da UTI do hospital da cidade se viu obrigada a mudar de casa, pressionada pelos proprietários. Ela alugava o primeiro andar do imóvel de dois andares. Os locadores, um casal de idosos, moram no andar de cima. Eles fizeram de tudo para forçar a família da enfermeira a deixar o local: cortaram o sinal da televisão, o aquecimento e até a água, além de arrastar cadeiras e móveis para fazer barulho.
"Minha filha e minha mãe choravam quase todo dia", contou Mélina ao jornal local La Gazette de Montpellier. Ao tentar conversar com a proprietária, a enfermeira ouviu uma frase horrível. Ela me disse que "não ligava se eu morresse a partir do momento que não fosse na casa dela", relatou.
A enfermeira encontrou, na semana passada, um apartamento perto do hospital onde trabalha, pela plataforma solidária criada pelo Airbnb para ajudar os profissionais de saúde durante a epidemia, e decidiu revelar o caso para evitar que isso volte a acontecer.
"Não consigo entender o porquê de estigmatizem tanto os paramédicos. O pior é que no início do confinamento, para proteger os proprietários e evitar que eles saíssem de casa, fazíamos as compras para eles", lembrou em entrevista à BFMTV.
Políticos e internautas denunciaram o caso nas redes sociais, chamado por muitos de "ato abjecto". Uma investigação foi aberta pelo procurador da República de Montpellier e os proprietários podem, se forem considerados culpados, ser condenados a até 3 anos de prisão e ? 30 mil de multa.
Cartas anônimas
A situação vivida por Mélina é a mais extrema, mas não é a única. Muitas enfermeiras, em várias regiões do país, estão sendo ameaçadas por cartas anônimas, deixadas nos para-brisas dos carros ou nas caixas de correio. Nos textos, os vizinhos pedem que estacionem os carros longe da residência, que não toquem nas instalações coletivas dos prédios e até que se mudem por "colocar em risco a vida" de pessoas.
Esse foi o caso de duas enfermeiras que moram no mesmo bairro de Bayonne, no país Basco francês, mas não se conheciam antes de serem ameaçadas. Elodie Capdevielle-Fidel trabalha em um Centro Geriátrico e ficou chocada quando leu a carta anônima que a convidada a se mudar o mais rápido possível. A mensagem terminava dizendo que "se ela fosse uma verdadeira profissional de saúde, ela iria compreender a inquietação". A enfermeira ficou indignada e no final de março deu queixa na polícia, que iniciou uma investigação para encontrar os autores da mensagem.
Ao ouvir a história de Elodie, Lydie Loc'h Saint-Gérard, que mora no mesmo bairro, se deu conta que foi alvo de uma ameaça parecida. A enfermeira do serviço de emergência do hospital de Bayonne denunciou a intimidação no Facebook e recebeu o apoio de seus colegas de trabalho e do prefeito da cidade, Jean-René Echegaray, que comparou o ato a "momentos sombrios da nossa história".
A carta anônima endereçada a Mirna, que mora na região de Essone, ao sul de Paris, foi deixada no para-brisa do carro. "Se um caso for registrado no condomínio, você será responsável. Estamos todos confinados, menos você e corremos um risco real. Obrigado por respeitar seus vizinhos e seguir nossos conselhos", dizia o texto. A jovem de 24 anos respondeu com uma mensagem, assinada e colocada na caixa de correio dos vizinhos denunciando o ato.
Roubos de máscaras
Cartas anônimas e pressão para mudanças não são as únicas ameaças sofridas pelos profissionais de saúde nesse momento. Muitos têm os carros danificados e vários foram atacados. O objetivo? Roubar máscaras de proteção e outros produtos que estão em falta no mercado por causa da epidemia, informa Catherine Kirnidis, presidente do Sindicato Nacional de Enfermeiros. O principal alvo dos ataques são enfermeiras liberais, que visitam os pacientes de casa em casa.
Uma enfermeira de Limoges, no centro da França, chegou a ser ameaçada de morte em um estacionamento da cidade em 20 de março. Intimidada com uma faca, ela entregou ao agressor a caixa de máscaras e o álcool gel que tinha.
A Ordem dos Enfermeiros da França pede a todas as vítimas para dar queixa na polícia contra esses "atos revoltantes" e informar a entidade, que realiza uma pesquisa para descobrir o tamanho do fenômeno.
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