Milhares de muçulmanos enfrentam desafio de celebrar Ramadã em tempos de coronavírus
Milhares de muçulmanos iniciam hoje o Ramadã, o mês de jejum e orações no calendário religioso islâmico. No atual contexto de pandemia, a maioria dos países muçulmanos abriu mão das reuniões públicas e fechou mesquitas.
Fim dos tradicionais jantares (iftar), as orações noturnas nas mesquitas (tarawih), das reuniões familiares e entre amigos até tarde da noite ou viagens para as cidades santas do islã. Em muitos países, o mês sagrado será "um Ramadã privado, longe uns dos outros e longe das mesquitas", resume um dos responsáveis pela comunidade muçulmana da Albânia, Taulant Bica.
No Oriente Médio - da Arábia Saudita ao Marrocos, passando pelo Egito, Líbano ou Síria - as restrições sanitárias impostas para barrar a propagação do coronavírus são apoiadas por boa parte dos líderes religiosos. "Nossos corações choram", afirma o almuadem - o homem escolhido para chamar os fiéis para a oração - da Grande Mesquita de Meca, deserta devido ao confinamento.
As autoridades sauditas apoiam as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) para o cancelamento de eventos sociais e religiosos, inclusive "nos locais associados às atividades do Ramadã, como outros eventos culturais, mercados e lojas". Mas a OMS não se opõe a que os muçulmanos "em bom estado de saúde" possam jejuar, como manda a tradição.
Ramadã pelo mundo confinado
No Irã - o país do Oriente Médio mais castigado pela covid-19 - o guia supremo, o aiatolá Ali Khamenei, pediu que a população evite todo o tipo de reunião, mas sem negligenciar as orações.
Jejum e oração em casa é o que também recomenda a Direção dos Assuntos Religiosos da Turquia. Na Rússia, os fiéis também são encorajados a não frequentar mesquitas neste momento.
Já o Senegal, onde 90% da população é muçulmana, resolveu cancelar as orações coletivas e fechar as mesquitas. As viagens para as reuniões familiares, tradicionais nesta época de comunhão de parentes, também foram proibidas pelas autoridades.
No Kosovo e na Albânia, dois países de maioria muçulmana, as autoridades pedem que os fiéis realizem as tradições do Ramadã em casa. O mesmo pedido é feito aos muçulmanos da França, Áustria e Alemanha. As orações coletivas também foram proibidas na Bulgária e na Bósnia.
Muitos países organizam um Ramadã online. Na Alemanha, onde as mesquitas permanecerão fechadas apesar da retirada de algumas restrições, os locais de culto preparam leituras do Alcorão e orações ao vivo através das redes sociais. O mesmo vai acontecer na Holanda, onde algumas tradições do mês sagrado dos muçulmanos serão transmitidas por streaming.
Na Indonésia, onde milhões de pessoas viajam para suas cidades de origem durante o Ramadã, o governo proibiu deslocamentos por medo de uma explosão de casos da covid-19. Pesquisadores da Universidade da Indonésia estimam que esse fenômeno possa causar um milhão de infectados e 200 mil mortos apenas na ilha de Java.
Ridwan Kamil, governador da província de Java Ocidental, que conta com uma população de 50 milhões, tenta ser o mais pedagógico possível. "Se você se preocupa com seus entes queridos, fique onde está até que tudo acabe", afirmou.
Imãs asiáticos incentivam a ida à mesquitas
Enquanto em boa parte do mundo muçulmano as autoridades tentam proteger os fiéis da covid-19, em alguns países asiáticos imãs estão pedindo a frequentação das mesquitas. É o caso de Bangladesh, onde os líderes religiosos convenceram as autoridades a não fecharem os locais de culto durante o mês sagrado.
Para tentar evitar a propagação da doença, o governo pediu uma redução no número de pessoas nas mesquitas. Uma sugestão que irritou um dos principais grupos de imãs do país. "A cota de fiéis imposta pelo governo não é aceitável. O Islã não apoia essa imposição", disse Mojibur Rahman Hamidi, membro do grupo extremista Hefazat al-Islam, que representa esses imãs.
No Paquistão, o governo se viu sob pressão das autoridades religiosas e anunciou que as orações nas mesquitas estão autorizadas com a condição de que os fiéis respeitem o distanciamento social e que as pessoas idosas e doentes não frequentem os locais de culto. "Vamos ter que forçar as pessoas a não ir às mesquitas? E se elas forem, a polícia vai ter que prender os fiéis?", questionou o primeiro-ministro paquistanês, Imran Khan.
Ontem, médicos do país fizeram um apelo ao governo pedindo que as autoridades não autorizem aglomerações durante o Ramadã. A covid-19 se espalha rapidamente no país, que contabiliza oficialmente mais de 10 mil casos confirmados e 224 mortes.
"Os hospitais de Karachi começam a registrar uma chegada importante de pacientes atingidos pelo coronavírus. Acreditamos que a quantidade de contaminados e mortos deve aumentar de maneira exponencial nos próximos dias", afirma em carta aberta um grupo de médicos paquistaneses. "Tememos que o fato de autorizar as orações em nossas mesquitas vai contribuir com uma tragédia", reitera o documento endereçado ao governo e às autoridades religiosas do país.
A Malásia debateu se permitiria a abertura dos bazares do Ramadã, onde os muçulmanos compram os doces que consomem após o iftar. Depois de impor o confinamento nacional, o governo declarou na semana passada que permitiria apenas "bazares eletrônicos", com entregas em domicílio.
No entanto, algumas localidades se recusam a seguir as normas. O estado de Perlis, no norte do país, anunciou que violará as diretrizes de Kuala Lumpur e que os comerciantes de alimentos poderão vender seus produtos em suas casas e nas estradas, como manda a tradição.
*Com informações da AFP
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