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Agência Internacional de Energia prega fim de projetos com petróleo: um objetivo realista?

27/05/2021 06h43

O mais recente relatório da Agência Internacional de Energia (AIE) traz uma quebra de paradigmas histórica no combate às mudanças climáticas: a organização, nascida nos anos 1970 para coordenar os estoques de petróleo no mundo, agora recomenda que os países parem de investir em novos projetos de extração do ouro negro já em 2021, para chegar à neutralidade de carbono em 2050.

A meta está prevista no Acordo de Paris sobre o Clima e, conforme a AIE, só será atingida se a parcela de energias renováveis para produção de eletricidade crescer oito vezes, a do petróleo despencar 75% e o carvão se tornar obsoleto, caindo 90% em relação ao que representa hoje.

Graças às fontes fósseis, como petróleo, carvão e gás natural, o setor energético responde por nada menos do que três quartos das emissões de gases de efeito estufa no planeta, que causam o aquecimento global. A energia é o combustível da economia, ao movimentar transportes, indústrias, gerar aquecimento e resfriamento, observa Francis Perrin, diretor de pesquisas do Instituto de Pesquisas em Relações Internacionais (Iris), de Paris, e especialista em geopolítica energética.

"O mundo nunca vai deixar de depender da energia: nunca deixou, e jamais deixará. A energia permanecerá neste século e no seguinte, assim como foi nos anteriores, um aspecto estratégico da economia e da geopolítica mundial", afirma o analista. "Mas temos evoluções muito importantes em termos de alternativas energéticas. Algumas vão declinar, outras, vão se fortalecer."

Emergentes serão, cada vez mais, os maiores consumidores de petróleo

Francis Perrin ressalta que o peso da alta da demanda por energia nos países emergentes fará, cada vez mais, a diferença nas próximas décadas. A União Europeia não consome mais petróleo do que há 10 anos - ao contrário da China e da Índia, principalmente, mas também a Ásia como um todo, a América do Sul, o Oriente Médio e a África, todos em desenvolvimento. O Brasil, por sua vez, segue a pleno vapor com leilões de petróleo, gás e pré-sal.

"Há anos, a AIE trabalha nessa problemática capital para o mundo, conciliar a energia com o clima. O dilema é: o mundo precisará de mais energia nos próximos 30 anos, se pegamos o horizonte do Acordo de Paris, porque teremos mais 2 bilhões de habitantes na Terra e os países emergentes continuarão a se desenvolver. Mas precisaremos produzir essa energia com bem menos emissões de gases de efeito estufa", aponta Perrin. "Só que o que vemos hoje é um fosso entre os discursos, os compromissos, e a realidade dos fatos", constata.

Por enquanto, a era do petróleo parece inabalável: na última década, o consumo mundial do óleo só cresceu, ano após ano. Juntos, petróleo, carvão e gás natural, nesta ordem, representam mais de 80% da energia consumida no planeta. Neste cenário, de que maneira visualizar o fim dos investimentos petrolíferos no futuro, como prega a a AIE? Para Nivalde de Castro, coordenador do Grupo de Estudos do Setor Elétrico da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), a busca por segurança energética pela Europa vai ditar a aceleração da transição rumo às fontes renováveis.

"A Europa é o paladino da transição porque é quem mais precisa. Como justificar que a Alemanha, que não tem sol, tem tanto painel fotovoltaico? Eles querem diminuir a dependência do gás russo", sublinha Castro. "O objetivo da AIE é factível? Sim, mas para os países desenvolvidos, que querem se livrar do oligopólio dos produtores de petróleo. Ou seja, os países desenvolvidos certamente terão neutralidade em 2050, mas o petróleo continuará sendo consumido no mundo."

Renováveis: Brasil pode se tornar "Arábia Saudita do hidrogênio"

A solução a médio e longo prazo não é simples, nem rápida - Castro lembra que a passagem do carvão para o petróleo, a partir dos anos 1940, até hoje não terminou. Mas a agência internacional dá as principais pistas para a transição energética. Alternativas conhecidas, como a energia solar, deverão crescer 10 vezes para darem o efeito esperado. Investimentos em nuclear devem permanecer e sua parte no pacote energético deve dobrar, ficando a cerca de 10% do total da energia produzida.

Mas é a inovação que fará toda a diferença. Quase metade das reduções de emissões esperadas para as próximas três décadas poderão vir de tecnologias que sequer estão no mercado, como as baterias avançadas, com maior capacidade de armazenamento e duração, o desenvolvimento de sistemas de captura e estocagem de CO2 do ar e, principalmente, o hidrogênio verde a preços competitivos.

"O novo paradigma energético, que no século 19 foi o carvão e no século 20 foi o petróleo, será o hidrogênio no século 21. Isso é um fato muito marcante: a substituição dos recursos não-renováveis pelo hidrogênio verde", destaca Castro.

O professor da UFRJ frisa ainda que, no mercado de exportação de energias limpas, o Brasil tem tudo para desempenhar um papel de protagonista nas próximas décadas.

"O Brasil tem mais 1 milhão de megaWatts de potencial de energia renovável. Para dar uma ideia do que isso representa, hoje a matriz tem 170 mil megaWatts. É um país gigante, com uma costa gigante e é um país tropical. Vento e sol aqui é o que não falta, e o Brasil tem uma capacidade de produzir hidrogênio verde", explica. "A Alemanha, por exemplo, planeja importar 87% do hidrogênio verde que ela vai consumir. Nós imaginamos que o Brasil poderá ser 'a Arábia Saudita do hidrogênio' já na década de 2030", aposta o pesquisador.

Graças à maior eficiência energética, a esperança é de que, em 2050, o mundo será capaz de consumir 8% a menos de energia do que hoje, apesar de a economia e a população continuarem a crescer até lá.