França: menores sem vacina são alvo da variante Delta na volta às aulas
Cerca de 12,4 milhões de alunos franceses voltaram às aulas no último dia 2 de setembro, mais de um ano e meio depois do início da pandemia de Covid-19. A maior preocupação gira em torno do ensino fundamental. Ainda não há vacina disponível para as crianças até 11 anos e a variante Delta se propaga mais rapidamente do que as cepas anteriores. Com mais de 76% da população de mais de 12 anos vacinada, os menores não-imunizados se tornam um alvo privilegiado do vírus.
Taíssa Stivanin, da RFI
De acordo com uma simulação divulgada pelo Instituto francês Pasteur, a Delta poderia contaminar cerca de 50.000 crianças diariamente nos próximos meses. Nos Estados Unidos, o Centro de Controle e Prevenção de Doenças divulgou, em 27 de agosto, um estudo mostrando como a Delta disseminou em uma classe na escola primária Marin County, na Califórnia, após contato com uma professora que não estava vacinada e retirou a máscara. Metade dos alunos foi contaminada.
A médica francesa especialista em Saúde Pública, Hélène Rossinot, alerta para o risco do aumento das infecções na faixa etária sem imunização, que explodiu, por exemplo, no Reino Unido. Segundo ela, dados mostram que cerca de 1 milhão de alunos não pôde retornar às salas de aula antes das férias porque foram infectados ou estiveram em contato com uma criança doente. Outra preocupação, diz, é a Covid longa, que vem atingindo os menores.
"Os dados disponíveis, fornecidos pela Grã-Bretanha, mostram que entre 2 e 8% das crianças contaminadas, mesmo tendo desenvolvido formas leves, vivem com sintomas persistentes", lembra. De acordo com a médica francesa, ainda que as formas graves sejam raras entre os menores, não há conhecimento científico sobre o impacto e as consequências da Covid longa. "Para mim, é uma aberração que as crianças mão sejam mais protegidas", declarou.
O Ministério da Educação francês prevê o fechamento da classe caso um aluno do ensino primário teste positivo - uma das regras que integra o chamado nível 2 do protocolo sanitário. O documento ainda estipula o uso da máscara a partir dos seis anos de idade, separação entre diferentes níveis, que não devem se cruzar nos estabelecimentos, distanciamento nas cantinas, ventilação e higienização frequente das mãos. Ele não prevê, entretanto, a instalação obrigatória de purificadores de ar, sensores de CO2 ou o limite de alunos nas salas de aula - em algumas escolas, 30 ou 40 crianças dividem o mesmo espaço.
Circulação do ar nas classes é essencial
Para Hélène Rossinot, a ventilação é uma prioridade, já que o SARS-CoV-2 se transmite principalmente pelo ar, como uma nuvem de fumaça. Quanto menor a possibilidade de deixar as janelas abertas, maior é a necessidade de instalar sensores de CO2, lembra. Ela critica também a decisão do governo de autorizar os cursos de Educação Física em espaços fechados, sem máscara de proteção.
"Tenho dificuldade, sinceramente, em entender a lógica que está por trás disso", ressalta. Para ela, manter as crianças na escola - e os pais no trabalho - requer evitar o máximo possível situações de risco. "Se protegemos as crianças, há menos casos e, consequentemente, menos classes fechadas", conclui Rossinot, para quem a transmissão por aerossóis parece ainda não estar clara para as autoridades.
Professores e pais também exprimem sua preocupação com a falta de rigidez do protocolo nas escolas. O número oficial de professores e funcionários vacinados é provavelmente alto, mas desconhecido. Já se sabe, entretanto, que a imunização protege principalmente contra formas graves e morte, sem bloquear a transmissão.
Desta forma, é fundamental reforçar medidas de proteção nas escolas, como explicou à RFI Brasil Guislaine David, secretária-geral de um dos principais sindicatos de professores da França. Segundo ela, o uso de sensores CO2 e purificadores de ar deveria ser obrigatório, e o governo poderia votar um orçamento específico para equipar as escolas.
A representante sindical também ressalta a importância de realizar testes de saliva semanais para detectar o vírus. "Sabemos que as crianças são menos sintomáticas do que os adultos e o vírus pode passar despercebido dentro da escola", diz. A sindicalista ambém defende que o retorno ao estabelecimento esteja condicionado a um teste negativo. "Percebemos que, no nível 2 do protocolo, temos que ser rigorosos em determinados momentos. Esse é o caso dentro da classe, onde tudo será feito para que as crianças não sejam contaminadas, mas, no refeitório, haverá certamente um relaxamento das regras", acredita.
Pais criam associação
Para pressionar o governo francês a adotar um protocolo mais rígido nas escolas, um grupo de pais, professores e funcionários dos estabelecimentos criou na França a associação École et Familles Oubliées (Escolas e Famílias esquecidas). O objetivo é obter apoio junto pedir ao Conselho de Estado francês que proponha medidas de proteção mais severas contra a contaminação do vírus nas escolas. A ideia é prevenir a transmissão aérea propagação pelo ar e adaptar o protocolo à taxa de transmissão local.
No site do coletivo e nas redes sociais, pais relatam suas experiências, muitas vezes dramáticas. Uma mãe, por exemplo, escreveu uma carta para a associação para contar que, em 2020, seu filho de oito anos ficou mais de um mês doente, com sintomas que o impediam de dormir ou levar uma vida normal: dor de cabeça, febre, cansaço e dores de barriga. A mãe, a irmã e o pai, que foi hospitalizado, obtiveram um teste positivo, mas o PCR do garoto deu negativo. Os médicos, entretanto, tinham certeza que seu sintoma eram resultado de uma Covid longa.
Outros testemunhos, publicados no Twitter, geram revolta entre os pais. Como o da jovem Alicia, de 17 anos, que pegou a doença em janeiro de 2021, quando a vacina ainda não estava disponível. Ela conta que testou positivo em uma campanha na escola, antes de apresentar sintomas. Uma semana depois, sentiu cansaço e problemas de concentração, o que afetou sua escolaridade. Situações que, infelizmente, podem se tornar cada vez mais frequente com a expansão da Delta entre menores não-vacinados.
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