Resultado eleitoral no Chile ajuda Lula e isola Bolsonaro na região, dizem analistas
A vitória de Gabriel Boric à Presidência do Chile favorece a campanha de Lula, enquanto a derrota de José Antonio Kast impede que Bolsonaro some um aliado. A postura institucional de Kast, mesmo derrotado, é também um banho d'água fria na possibilidade de Bolsonaro questionar o resultado eleitoral no Brasil. Lula fez campanha por Boric e previu aliança com Chile e Argentina caso ganhe eleições no Brasil.
A contundente vitória de Gabriel Boric, de apenas 35 anos, o mais jovem e o mais votado presidente eleito no Chile, terá impacto na eventual campanha eleitoral de Lula no Brasil enquanto a derrota de José Antonio Kast, aliado de Jair Bolsonaro, isola o presidente brasileiro na região, avaliam dois dos principais analistas internacionais ouvidos pela RFI.
"Com o triunfo de Gabriel Boric, estamos diante de um novo domínio da esquerda na América Latina, sobretudo se considerarmos que nas próximas eleições na Colômbia e no Brasil, os favoritos são candidatos de esquerda que se veem ainda mais beneficiados pelo resultado eleitoral chileno", avalia à RFI o cientista político peruano, Carlos Meléndez, da Universidade Diego Portales do Chile e especialista em análises comparadas entre os países da região.
"O resultado eleitoral no Chile é um golpe forte na direita regional. A vitória de Boric e a derrota de Kast é uma má notícia para a direita e uma boa notícia para a esquerda na América Latina", concorda, em entrevista com a RFI, o sociólogo Patricio Navia, analista político da chilena Universidade de Diego Portales e da norte-americana New York University.
"O derrotado Kast era um aliado de Bolsonaro. A direita demonstra não ter uma estratégia ganhadora nas eleições e inclinar-se ao extremo não funcionou no caso do Chile. Agora, ao assumir a Presidência, o vitorioso Boric passará 2022 falando a favor de Lula no Brasil", observa Navia.
No segundo turno das eleições chilenas realizado neste domingo (19), Gabriel Boric foi eleito presidente com 55,87% dos votos, bem à frente da extrema-direita de José Antonio Kast, com 44,13%.
Lula beneficiado
Na semana passada, em visita à Argentina, Lula fez campanha por Boric. Chegou a posar para fotos com o boné de Boric, cercado por bandeiras do candidato e com militantes chilenos.
"Se eu ganhar as eleições no Brasil, com o Alberto Fernández aqui (em Buenos Aires) e com um governo progressista no Chile, nós vamos poder fazer muita coisa pela nossa querida América do Sul", afirmou Lula, no sábado (11) a um auditório com líderes sindicalistas, legisladores governistas e militantes de esquerda.
"A vitória de Boric favorece Lula que, se regressar ao poder, subiria na crista da onda de retorno da esquerda na América Latina. Se em 2003, a vitória de Lula tornou palpável a tendência de um giro continental à esquerda, desta vez, Lula seria a consagração de uma nova onda que chega no melhor momento para a esquerda porque acontece no pós-covid", aponta Carlos Meléndez, sobre o período em que a pandemia aprofundou as desigualdades na região.
"Se há algo que a esquerda sabe capitalizar é precisamente um discurso no qual assume que pode reduzir essas desigualdades", acredita.
A chegada do chileno Gabriel Boric à presidência do Chile a partir de 11 de março, quando ele toma posse, pode ajudar antes na vitória do senador colombiano Gustavo Petro, franco favorito para as presidenciais na Colômbia, em maio próximo.
Se o triunfo de Petro se confirmar, será um novo impulso à onda que passou em junho passado pelo Peru, com a eleição de Pedro Castillo.
"Os eleitores da região começam a ver que os países vizinhos votam por uma mudança à esquerda e não pela continuidade das forças conservadoras. Tanto na Colômbia quanto no Brasil, os dois países com eleições em 2022, os favoritos são candidatos de esquerda", indica Meléndez, também pesquisador no Chile do Centro de Estudos de Conflito e Coesão Social (COES).
"Se Boric, um jovem de 35 anos sem nenhuma experiência, conseguiu ganhar uma eleição, Lula, um ex-presidente com muita experiência, quem já demonstrou saber governar, estará numa posição ainda melhor", conclui Patricio Navia.
Bolsonaro prejudicado
Do outro lado, a derrota de José Antonio Kast é mais um aliado internacional que a extrema-direita perde.
"Essa derrota atinge Bolsonaro, quem tem perdido aliados na região. Cada vez lhe custa mais encontrar referentes latino-americanos", diz Meléndez.
Segundo o especialista, a segunda onda de esquerda na região se difere da primeira ao incorporar a agenda de gênero e de meio-ambiente.
Outro revés para Bolsonaro vem do fogo amigo chileno. O candidato de extrema-direita, José Antonio Kast, reconheceu imediatamente a derrota. Primeiro telefonou para o vencedor, logo depois manteve uma reunião com o adversário eleito e depois fez um discurso considerado exemplar pelos analistas:
"Gabriel Boric merece todo o nosso respeito. Esperemos que tenha um muito bom governo. A razão deve prevalecer sobre a paixão. Naquilo que pudermos, com as nossas legítimas diferenças, queremos contribuir com a Pátria. Temos de, entre todos, voltar a unir os chilenos", disse Kast.
A postura de Kast se choca com a da direita do norte-americano Donald Trump, do brasileiro Jair Bolsonaro, quem, antecipadamente, questiona a transparência das eleições de 2022, ou da peruana Keiko Fujimori que, derrotada por uma exígua diferença em junho, alega uma suposta fraude que nunca foi confirmada.
"Aqui não estamos diante de uma direita como Donald Trump nem como Jair Bolsonaro que apelam à fraude, colocam em dúvida os resultados eleitorais e atacam a institucionalidade. Estamos perante uma direita institucional. Kast sabe que perdeu porque foi classificado como fascista pelo seu histórico apoio à ditadura de Augusto Pinochet. Mesmo assim, ele defende a institucionalidade", compara Carlos Meléndez.
Assim que foi confirmada a vitória de Gabriel Boric, o presidente argentino, Alberto Fernández, telefonou ao chileno para dar os parabéns.
Aliança Lula-Boric
Na semana passada, em Buenos Aires, o ex-presidente Lula mostrou-se preocupado com o avanço da extrema-direita na região e pediu votos para Gabriel Boric na eleição de domingo.
"Antes de eu chegar à eleição no Brasil, teremos eleição no Chile. Quem está tentando ganhar é um candidato da extrema-direita, com um pensamento muito fascista, com pensamentos até nazistas, defensor maior do Pinochet", alertou Lula.
"Temos um companheiro progressista, da qualidade do Gabriel Boric. Queria fazer um apelo aos nossos amigos chilenos para que votem no companheiro Boric para presidente do Chile nas próximas eleições", pediu Lula.
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