Especialistas criticam consulta popular sobre vacinação de crianças no Brasil
A Anvisa aprovou a aplicação do imunizante da Pfizer destinado a crianças entre 5 e 11 anos mas, por pressão do presidente Jair Bolsonaro, o Ministério da Saúde decidiu abrir uma consulta pública, inédita para casos como esse, para saber o que pensa a sociedade sobre o tema. Especialistas criticam processo que será aberto nesta quinta-feira (23) pelo governo, que visa postegar a aplicação da vacina, já recomendado pela Anvisa
Raquel Miura, correspondente da RFI em Brasília
O STF deu prazo até o dia 5 de janeiro para que o governo conclua o processo e apresente todas as justificativas. Mesmo contando com um órgão técnico, o governo decidiu ouvir a opinião de todos e o imbróglio envolvendo a vacinação de crianças contra a Covid 19 se arrasta e já rendeu até pedido de investigação criminal no Supremo Tribunal Federal (STF) contra o presidente da República.
"Esse, claramente, não é um tema para consulta pública. O Ministério da Saúde tem que executar a política de vacinação e avançar na imunização. Se há vacina indicada para crianças e se o órgão técnico máximo para isso aprovou, tem que aplicar. Até porque temos aí uma variante nova, logo teremos o retorno às aulas. Não dá para sobrecarregar, já sabemos disso, o sistema de saúde com novos casos, novas internações", afirmou à RFI a médica Ligia Bahia, especialista em saúde pública pela UFRJ.
Para aumentar a polêmica, esta semana o ministério de Marcelo Queiroga reuniu especialistas contrários à vacinação e defensores de tratamentos sem comprovação científica, como uso de cloroquina, num encontro em Brasília, dias antes do início do prazo estipulado para a consulta pública.
Revolta e medo na Anvisa
Na artilharia contra a ciência, Bolsonaro subiu o tom nos últimos dias, com ataques à Anvisa,e até ameaçou expor o nome dos funcionários que trabalharam na análise da imunização de crianças, o que gerou revolta e apreensão dentro da Agência de Vigilância Sanitária. Foram mais 150 ameaças virtuais dirigidas a servidores do órgão de sexta até o início dessa semana.
"O presidente da República é uma figura com peso político, então ele pauta opiniões e atitudes de outras pessoas, inclusive pode incitar comportamentos, como vem acontecendo com essas ameaças contra funcionários da Anvisa. E há também o risco de pessoas que, influenciadas por declarações do presidente, acabam ficando vulneráveis ao decidir, por exemplo, não tomar a vacina", avaliou à RFI Michelle Fernandez, pesquisadora do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília.
Saúde e eleição
Na tentativa de tentar compreender o que leva o presidente a insistir nesse discurso mesmo depois de ver minguar boa parte do seu apoio popular, a analista Graziella Testa, da FGV, sugere que ele esteja mirando no futuro, tentanto assegurar cargos no Legislativo ao clã Bolsonaro, focando nos eleitores mais radicais.
"Parece claro que quanto mais o presidente hasteia essa bandeira contra a vacinação, contra as políticas públicas de saúde, mais ele perde apoio. A gente fica então entre algo que pode ser ideológico dele mesmo ou então um cálculo eleitoral para ele e para os filhos que leva em conta cargos no Legislativo e não na presidência da República. É que para o Legislativo você consegue se eleger se tiver apoio de um grupo assim, mas não para um cargo no Executivo", avalia.
Ela lembra que, ao contrário dos Estados Unidos e de alguns países europeus, onde existe um movimento consolidado antivacina, aqui no Brasil a cultura predominante é de adesão ao sistema nacional de imunização.
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