Ômicron continuará a matar e 'não é boa notícia', alerta virologista americano
Os resultados das primeiras pesquisas realizadas com ratos contaminados em laboratório pela ômicron revelam que a variante poderia provocar menos formas graves. As conclusões geram otimismo, mas ainda precisam ser analisadas com precaução e confirmadas na população.
No final de dezembro, um consórcio formado por cientistas japoneses e americanos divulgou uma pesquisa feita com camundongos e hamsters contaminados pela ômicron e por outras variantes do SARS-CoV-2. Os testes começaram assim que as equipes conseguiram isolar a nova cepa do vírus, descoberta em novembro na África do Sul, e que já se tornou dominante em diversos países.
O estudo mostrou que os animais atingidos pela nova variante tiveram os pulmões poupados, perderam menos peso e corriam menos risco de morte. Além disso, tiveram sintomas benignos. Os hamsters sírios, uma espécie particularmente sensível às infecções graves pelo novo coronavírus, também resistiram melhor à nova cepa, o que surpreendeu os pesquisadores.
Esses seriam sinais de que a ômicron estaria gerando apenas casos banais? Essa hipótese deve ser analisada com cautela, alerta o virologista americano Michael Diamond, da Universidade de Washington. Em entrevista exclusiva à RFI Brasil, ele lembrou que o SARS-CoV-2 continua sendo um vírus fatal, principalmente na população não vacinada.
"Há muita especulação nesse momento sobre o que difere a ômicron das outras variantes. O que sabemos é que ela tem muitas mutações na proteína spike, usada pelo coronavírus para penetrar nas células, e isso pode torná-la mais contagiosa e hábil para driblar anticorpos. Essas vantagens, entretanto, têm um custo, que pode ser o de não ser capaz de infectar as mesmas células e da mesma maneira que as outras variantes", diz.
Uma das hipóteses, que ainda precisa ser confirmada, é que as mutações da ômicron a impediriam de infectar algumas células pulmonares como as cepas anteriores, como indica um estudo prévio da universidade de Hong Kong, que ainda não foi revisado. Os pesquisadores recolheram amostras de tecidos durante cirurgias e descobriram que a ômicron se desenvolvia mais lentamente que as outras variantes nas células dos pulmões.
A forma grave da covid-19 se desenvolve justamente quando o corpo reage de maneira intempestiva à invasão do vírus nos pulmões, gerando uma inflamação, conhecida como Síndrome de Tempestade de Citocinas. Ela provoca uma resposta imunológica exacerbada e a temida falência respiratória, motivo de tantas mortes.
Cientistas ainda buscam entender ômicron
Nos estudos realizados em dezembro, uma outra equipe da universidade de Cambridge, no Reino Unido, avançou a hipótese de que a proteína TMPRSS2, presente na mucosa pulmonar, teria um papel fundamental nesse processo, mas ela teria dificuldades de se "encaixar" na ômicron. Isso explicaria a prevalência de sintomas restritos ao trato respiratório superior, como dor de garganta com extinção da voz. A perda do olfato e paladar, no entanto, foi um sintoma que ainda não foi observado na nova variante — o que dificulta sua detecção porque muitos podem pensar que estão com um simples resfriado.
Segundo o virologista americano, é possível que diferentes grupos de proteínas, e não apenas a TMPRSS2, interajam com as mutações presentes na proteína spike da ômicron. "Pode existir outras razões, ainda é cedo para saber. Pode ter também outro mecanismo associado ao vírus envolvido no processo, com diferentes receptores, agindo de formas variadas e até mesmo não envolva a proteína spike"
O virologista americano também lembra que, apesar da capacidade da ômicron de driblar anticorpos produzidos pelas vacinas ou infecções anteriores, os imunizantes continuam sendo eficazes para proteger a população das formas mais graves. As três doses do imunizante à base de RNA mensageiro também diminuem em cerca de 75% a possibilidade de contrair uma forma sintomática por, pelo menos, cerca de 2 meses, indicam os primeiros estudos.
Vacinação global
A imunidade celular de cada indivíduo, exercida pelos linfócitos T e seus subtipos e construída ao longo da vida, também exerce um papel ainda desconhecido contra o SARS-CoV-2. Muito além das vacinas, cada indivíduo possui um arsenal único de proteção - por que algumas pessoas, por exemplo, mesmo sendo frágeis, não contraem o vírus mesmo às vezes morando com um contaminado?
Mas, apesar dos sinais positivos que indicam uma menor habilidade da ômicron de gerar casos graves, o cientista americano não considera o aparecimento da cepa como uma "boa notícia". "A doença continuará provocando formas severas, em não vacinados, imunodeprimidos, e continuará provocando mortes"
O único lado bom, diz, é que a situação seria bem pior se a perigosa variante delta fosse tão contagiosa quanto a ômicron. A aparição de uma nova cepa, de toda maneira reforça, a necessidade de um esforço coletivo para vacinar as populações, principalmente em continentes onde a taxa é extremamente baixa, como é o caso da África.
O virologista da Universidade de Washington também lembra que os nichos de não vacinados em países desenvolvidos, como é o caso dos Estados Unidos e da França, contribuem para o descontrole da epidemia. "A única maneira de lutar contra transmissão é continuar vacinando as pessoas ao redor do mundo, para prevenir potenciais propagações. Caso contrário, teremos novas variantes surgindo de tempos em tempos, por um longo período"
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