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'Se houver um ataque, preparei uma mochila para fugir': ucranianos reagem à ameaça de guerra com a Rússia

9.jan.22 - Militares da Ucrânia acariciam um cachorro em trincheira na linha de frente com separatistas apoiados pela Rússia perto de Avdiivka, sudeste da Ucrânia - ANATOLII STEPANOV/AFP
9.jan.22 - Militares da Ucrânia acariciam um cachorro em trincheira na linha de frente com separatistas apoiados pela Rússia perto de Avdiivka, sudeste da Ucrânia Imagem: ANATOLII STEPANOV/AFP

Da RFI em Kiev*

28/01/2022 09h16Atualizada em 28/01/2022 10h17

Em Kiev, o clima é de calma e normalidade, apesar das notícias alarmantes sobre a iminência de uma guerra com a Rússia. Enquanto muitos duvidam que um conflito armado possa ocorrer dentro de alguns dias, outros dizem se preparar para o pior.

É a hora do rush e milhares de ucranianos deixam os escritórios no bairro antigo de Podil, em Kiev. Para escapar da tempestade de neve, os pedestres correm em direção às estações de metrô.

Maryna Maykovska, de 32 anos, vai se reunir com amigos em um bar. Ela conta à RFI que trabalha com montagem de filmes e clipes musicais e aproveita o tempo livre para aproveitar a animada vida cultural da capital ucraniana. Apesar do cenário de normalidade, há alguns dias a jovem começa a pensar na possibilidade de uma guerra.

"Tudo que eu sei sobre o risco de um conflito chega por um canal de notícias no Telegram e pelas conversas com as pessoas. Mas quando olho em volta, não tem nada de anormal acontecendo. Eu continuo trabalhando, levando a minha vida de sempre", diz.

Segundo ela, todos os acontecimentos, por enquanto, parecem se limitar ao "campo de batalha da informação". "Não sei o que pode acontecer, mas se houver bombardeios ou um ataque em Kiev, estou preparada para fugir: já separei até mesmo uma mochila, que está na porta do meu apartamento. Vou levar roupas para enfrentar o frio, um pouco de comida, água e medicamentos", diz.

Maryna afirma que não está nervosa e não sente medo. "Por enquanto, estou mantendo a calma, tentando ser racional e não entrar em pânico. Mas se o pior ocorrer — e não acredito nisso —, vou à primeira base militar e me candidato a trabalhar como enfermeira. Acho que é meu dever. Não me vejo segurando uma arma, então vou tentar ajudar de outra forma", reitera.

Em guerra há 8 anos

O clima de incredulidade entre os ucranianos com a piora da situação parece ser a regra. No entanto, muitos deles se sentem já em guerra desde 2014, quando a península da Crimeia foi anexada e algumas regiões da fronteira com a Rússia são palco de um conflito.

"Nunca peguei numa arma e não me imagino fazendo isso, mas se um dia for preciso, farei isso, como os russos fizeram conosco", diz uma moradora de Kiev à rádio RTL. "Essa escalada é inacreditável. Esperamos que os líderes sejam inteligentes e acalmem as tensões, mas enquanto isso, vamos nos preparando para a ideia de uma guerra", reitera.

Segundo ela, de nada serve sucumbir ao pânico e "os ucranianos se acostumaram a viver pressionados pela Rússia". "Há muitas informações contraditórias por enquanto, mas se houver um ataque, já planejo ir com meus filhos para um abrigo no leste da Ucrânia", diz.

O sentimento de decepção com os países ocidentais também é frequente. "É frustrante observar a falta de firmeza das diplomacias europeias contra Vladimir Putin. Ele desrespeita todas as regras, mesmo a dignidade humana. É um absurdo. Tudo que os líderes ocidentais dizem para o governo russo é: 'ah, não, por favor, não façam isso'", critica.

"Um pesadelo" para os ucranianos expatriados

O clima de calma não é compartilhado pelos cidadãos que vivem fora do país. No Canadá, onde quase 4% da população é de origem ucraniana, o sentimento é de forte ansiedade.

"Estamos muito nervosos por causa da escalada de tensões", diz Ihor Michalchyshyn, da ONG cidadã Congresso dos Ucranianos Canadenses. Evocando a pressão constante da Rússia e "uma série de agressões", ele faz um apelo para que o governo do Canadá determine sanções contra Moscou. Para Ihor, a invasão de seu país natal por tropas russas seria "um pesadelo".

A jovem ucraniana Valentina, que vive em Edmonton, no sul do Canadá, afirma estar preocupada com a família em Kiev. "Todo mundo sabe do que Putin é capaz e que o exército russo é mais forte do que o de outros países", diz.

A exemplo de seus compatriotas, ela espera que os esforços diplomáticos dos países ocidentais tragam resultados o mais rápido possível.

*Com informações de Stéphane Siohan, correspondente da RFI em Kiev, com AFP