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Varíola dos macacos: entenda por que autoridades temem a estigmatização de gays

Bandeira LGBT - iStock
Bandeira LGBT Imagem: iStock

23/05/2022 16h07

A multiplicação recente entre seres humanos de casos da chamada varíola dos macacos levantou um debate sobre o risco de comentários discriminatórios ligados à doença. Como as primeiras ocorrências nos países ocidentais foram registradas principalmente entre homossexuais ou bissexuais, as autoridades sanitárias temem o surgimento de comentários homofóbicos que possam atrapalhar na luta contra a doença, como já foi o caso com outros vírus no passado.

A multiplicação recente entre seres humanos de casos da chamada varíola dos macacos levantou um debate sobre o risco de comentários discriminatórios ligados à doença. Como as primeiras ocorrências nos países ocidentais foram registradas principalmente entre homossexuais ou bissexuais, as autoridades sanitárias temem o surgimento de comentários homofóbicos que possam atrapalhar na luta contra a doença, como já foi o caso com outros vírus no passado.

"Pode ser o início de uma epidemia entre os homossexuais que eventualmente se pode alastrar [por] toda a população". Foi com essa frase que Vitor Duque, presidente da Sociedade Portuguesa de Virologia, tentou resumir o surgimento de casos de varíola dos macacos no Ocidente. Em entrevista à CNN Portugal na semana passada, ele disse que o vírus se transmitia por contatos íntimos, "nesse momento entre homens".

Duque se referia ao fato de que, em Portugal, muitas das vítimas da varíola dos macacos eram gays ou bissexuais. Um aspecto que também havia sido levantado, sem muito alarde, pela agência britânica de vigilância sanitária (UKHSA, na sigla em inglês), que identificou esse denominador comum em boa parte dos primeiros casos registrados no território.

Além disso, no fim de semana, a Bélgica anunciou que três casos foram registrados no país entre os participantes do festival Darkland, um evento fetichista frequentado principalmente pela comunidade gay. Já na Espanha, Elena Andradas, diretora geral do serviço de saúde pública de Madri, também informou na imprensa local que as primeiras pessoas contaminadas eram homens "que tiveram relações com outros homens nas últimas semanas".

No entanto, como ressalta Andy Seale, consultor de estratégias dos programas globais de HIV, hepatite e infecções sexualmente transmissíveis da Organização Mundial da Saude (OMS), ainda é cedo para qualquer tipo de conclusão sobre o assunto. "Mesmo se estamos vendo alguns casos entre homens que fazem sexo com homens, esta não é uma doença gay, como algumas pessoas nas mídias sociais tentaram rotulá-la", alerta. "Qualquer um pode contrair varíola dos macacos através de contato próximo", explica.

A infecção dos casos iniciais da varíola dos macacos resulta do contato direto com sangue, fluidos corporais ou lesões de pele ou mucosas de animais infectados. A transmissão secundária, ou seja, de humano para humano, pode resultar de contato próximo com secreções infectadas das vias respiratórias - tosse e espirro -, lesões na pele de um indivíduo infectado ou contato com objetos recentemente contaminados com fluidos biológicos (sangue, saliva) de um paciente.

O contato com roupas, lençóis e toalhas de banho de pessoas infectadas também pode ser um vetor. Já a possibilidade de contaminação por meio de relação sexual ainda está sendo estudada.

Mesmo assim, as autoridades temem que declarações como a do presidente da Sociedade Portuguesa de Virologia contribuam para a estigmatizarão de uma parte da população, como aconteceu na década de 1980, no momento do surgimento da epidemia de HIV/Aids. Na época, como a comunidade gay foi a primeira afetada pelo vírus e rapidamente discriminada. Uma das consequências foi que o restante da população não se preocupou com a prevenção, acreditando não fazer parte do que, naquele momento, era qualificado como um "grupo de risco".

Doença pode atingir qualquer um

"Esses estigmas e culpas minam a confiança e a capacidade de responder efetivamente a surtos como este", disse Matthew Kavanagh, vice-diretor do Unaids. Ele se baseia justamente na experiência da instituição na luta contra a Aids, quando os comentários discriminatórios fizeram com que os alertas dados pela comunidade científica não fossem ouvidos pelo restante da população.

Esses ataques "incentivam medidas coercitivas ineficazes", diz o representante da Unaids. Kavanagh insiste que mesmo se a OMS e as autoridades sanitárias nacionais confirmam que entre as pessoas contaminadas há um número maior de gays e homens que fazem sexo com outros homens, a varíola dos macacos é uma doença "que pode atingir qualquer um".

Cerca de 200 casos da varíola dos macacos já foram confirmados desde o início de maio em vários países do Ocidente. O vírus, que tem esse nome por ter sido descoberto em um macaco de laboratório na Dinamarca em 1958, foi registrado pela primeira vez em seres humanos em 1970 na República Democrática do Congo. Desde então, as contaminações no homem ocorreram principalmente no continente africano ou foram importados dessa região do globo, quase sempre de forma esporádica.

A varíola dos macacos se manifesta por meio de lesões na pele. "Parece uma catapora, mas é um pouco mais grave. Geralmente as pessoas se curam, mas podem ficar com sequelas", explica Jeanne Brugère-Picoux, professora de veterinária e membro da Academia francesa de Medicina, em entrevista à RFI. "O vírus pode ser grave entre 1% e 10% dos casos, principalmente nos mais jovens, e pode até levar à morte em pessoas que têm uma saúde frágil ou crianças pequenas", completa a especialista.

No entanto, a transmissão da varíola do macaco de pessoa para pessoa "pode ser detida nos países não endêmicos", afirmou nesta segunda-feira (23) a OMS. "Queremos deter a transmissão de pessoa para pessoa. Podemos fazer isto nos países não endêmicos... É uma situação que pode ser controlada", declarou Maria Van Kerkhove, diretora da luta contra a Covid-19 na instituição, que também é responsável pelo combate às doenças emergentes e zoonoses.