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As mulheres sentem mais dor do que os homens?

24/05/2022 11h57

A questão gera debate no mundo científico, envolve fatores sociais e biológicos e é objeto de diversas pesquisas que tentam detalhar os mecanismos que explicariam a diferença entre os dois sexos.

Taíssa Stivanin, da RFI

As mulheres são biologicamente mais sensíveis à dor, mas essa percepção coletiva é acentuada por fatores psicossociais que não podem ser ignorados. É o que explica a farmacologista francesa Gisèle Pickering, especialista em dor no Hospital Universitário de Clermont-Ferrand, no centro da França.

Apesar das evidências que demonstram uma maior propensão feminina aos episódios dolorosos, a maneira como muitos estudos foram feitos nos últimos 20 anos altera a interpretação das conclusões."Houve muitos estudos feitos com cobaias machos, o que faz com que os resultados sejam distorcidos", ressalta a cientista francesa.

Os estudos epidemiológicos com grandes coortes (grupos grandes de pessoas com características comuns) também podem ser questionados, mas, desta vez, por outra razão. "As mulheres respondem aos questionários com mais facilidade", explica a cientista francesa. Em 2004, uma pesquisa realizada com mais de 30 mil pacientes na França mostrou que cerca de 30% da população adulta sofre de dor crônica - uma porcentagem que tende a aumentar nas próximas décadas.

A pesquisa também revelou que há mais mulheres do que homens nesse grupo. Um dos motivos é a prevalência de doenças como a endometriose - que raramente atinge os homens - no público feminino. "Os estudos mostram, em geral, que há mais casos de cansaço crônico, fibromialgia, cistite, dores na região das têmporas e nas mandíbulas entre as mulheres", cita a pesquisadora francesa.

Ela lembra que socialmente é mais "aceitável" que uma mulher exprima sua dor do que um homem. "É comum ouvirmos o termo 'doença de mulher', e isso faz com que elas sejam estigmatizadas", observa.

Fatores biológicos contribuem para sensação dolorosa

As mulheres têm, comprovadamente, uma sensibilidade biológica maior à dor, associada à ação hormonal, embora fatores culturais e sociais não possam ser desconsiderados. "Os estrogênios contribuem para a sensibilidade maior das mulheres à dor, e é por isso que elas são mais ou menos sensíveis às sensações dolorosas durante o ciclo menstrual. No homem isso é muito mais regular. Esse é um fator biológico conhecido", ressalta Gisèle Pickering.

Os aspectos psicossociais também devem ser levados em conta: a maior exposição das mulheres às situações de violência ou abuso sexual, por exemplo, pode desencadear a chamada memória da dor e até a depressão. A hipótese de que o organismo da mulher, ao ser mais propenso à dor, a prepare para um futuro parto, também é plausível.

Há, ainda, diferenças cerebrais. "Abusos na infância ou experiências traumatizantes, como o luto, podem ser vividas de maneira diferente por um homem ou uma mulher, em nível emocional e também cerebral, com a ativação, nos dois sexos, de estruturas cerebrais diferentes", explica."É preciso ter em mente que há o aspecto biológico, que não podemos mudar, e o psicossocial, que é muito complexo."

Testes clínicos ocorrem basicamente em homens

A farmacologista francesa ainda lembra que a genética pode ter um papel importante. "Ainda não sabemos, por exemplo, se os genes envolvidos na dor, depressão ou falta de sono são diferentes nas mulheres e nos homens", exemplifica. Há poucos dados sobre como, geneticamente, homens e mulheres sentem dor ou metabolizam os medicamentos.

Diversos estudos feitos a partir dos anos 90 com a morfina, um potente analgésico, não demonstraram uma grande diferença entre os dois sexos e não foram conclusivos. Atualmente, a posologia dos remédios não é adaptada em função do gênero, mas o problema é ainda mais complexo: a maioria dos testes clínicos dos fármacos disponíveis no mercado foi feita com homens.

"Colocamos muitos medicamentos no mercado, imaginando que não haveria diferença entre homens e mulheres, mas, na realidade, não sabemos", diz Gisèle Pickering. Antidepressivos como o Prozac, exemplifica, são mais usados pelas mulheres, mas foram testados principalmente em homens.

Custo alto

A recomendação para incluir mais mulheres nas fases dos testes clínicos dos medicamentos existe desde o ano 2000, mas isso custa mais caro para a indústria farmacêutica. Para que os estudos clínicos pudessem ser validados, as participantes deveriam ter o ciclo menstrual sincronizado, uma exigência organizacional que encareceria o custo dos testes.

Para aprofundar a questão, a pesquisadora francesa realiza um estudo em parceria com os hospitais universitários de Genebra para analisar as diferenças genéticas entre homens e mulheres que poderiam influenciar na dor e no metabolismo dos medicamentos. Muito além das questões de gênero, a especialista busca descobrir se é preciso adaptar os tratamentos. "Será que deveria ser diferente para as mulheres?", questiona.