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Começa campanha para eleições legislativas na França; entenda o sistema e o que está em jogo

30/05/2022 15h25

Os franceses vão às urnas nos dias 12 e 19 de junho para renovar os mandatos dos deputados da Assembleia Nacional. Neste ano, o pleito vem sendo chamado de "terceiro turno" da eleição presidencial, realizada em abril, devido ao potencial de intenções de voto na esquerda, descartada pela extrema direita na reta final. Entenda como a votação para o Legislativo funciona e o que está em jogo nas próximas eleições francesas.

Daniella Franco, da redação da RFI

As eleições legislativas francesas ocorrem em dois turnos, em 577 distritos eleitorais, na chamada França continental e nos territórios ultramarinos. Cada um dos 101 departamentos que compõem o território francês contam com ao menos um distrito eleitoral, onde um único candidato se consagra vencedor.

Desde 2002, a votação ocorre a cada cinco anos, algumas semanas após a eleição presidencial. No total, 577 deputados são eleitos por voto direto. Segundo o Instituto Nacional da Estatísticas e Estudos Econômicos (Insee), 48,7 milhões de eleitores franceses estão aptos a votar em 2022.

Para uma vitória no primeiro turno, é necessário obter 50% dos votos e participação de 25% dos eleitores inscritos. Caso contrário, os candidatos que conquistarem mais de 12,5% passam para o segundo turno.

Até quatro candidatos podem se classificar para a última etapa das legislativas, se obtiverem mais que 12,5% dos votos. Se apenas um dos concorrentes alcançar este resultado, o segundo concorrente que conseguiu o maior número de votos vai para a disputa final.

Independentemente de a disputa ser entre dois, três ou quatro candidatos, quem chegar em primeiro lugar no segundo turno é eleito para um mandato de cinco anos. Em caso de empate, o candidato mais velho tem o direito à vaga.

Quem pode se apresentar e qual é o papel do deputado

Para se candidatar às eleições legislativas na França, é preciso ter a nacionalidade francesa e 18 anos completos. Cidadãos sob tutela do Estado e alguns funcionários públicos de alto escalão não são elegíveis. Secretários de segurança pública, juízes e reitores, por exemplo, não podem se candidatar a deputado em um departamento onde exerceram essas funções nos últimos três anos.

Desde 2017, os deputados não têm mais autorização para acumular funções - como era o caso até então - de prefeito, presidente ou vice-presidente de uma região ou departamento. A Constituição francesa permite a candidatura de pessoas que ocupem esses cargos, mas, se forem eleitas, devem escolher apenas um dos mandatos.

Após serem eleitos, os 577 deputados da Assembleia Nacional têm como principal função analisar projetos de lei. Na atual administração, que teve início em junho de 2017, 354 leis foram votadas no Parlamento.

Além de propor projetos de lei e votá-los, os deputados têm a prerrogativa de controlar a atuação do governo e podem interrogar ministros. Eles também têm o poder de pedir a abertura de comissões parlamentares de inquérito sobre assuntos que julgam necessário investigar de forma aprofundada.

Campanha tem regras particulares

Com o início da propaganda eleitoral oficial nesta segunda-feira (30), os cartazes dos candidatos podem ser colocados em painéis reservados para este fim, geralmente diante dos locais de votação.

A quantidade dos espaços oficiais de propaganda eleitoral varia conforme o número de eleitores de cada município. O material não pode ser divulgado em outros espaços e deve obedecer a regras estritas, como a dimensão máxima de 59,4 cm x 84,1 cm para os cartazes dos concorrentes.

A partir desta segunda-feira, começa também a campanha de rádio e TV dos partidos, enquadrada pela Autoridade de Regulação da Comunicação Audiovisual e Numérica da França (Arcom). Cabe ao órgão monitorar o tempo que políticos e partidos dispõem para aparecer na mídia.

Na semana anterior ao primeiro turno, os eleitores franceses aptos a votar recebem pelo correio, em casa, o programa com as propostas de cada candidato. O material de campanha também fica disponível para consulta na internet.

Dentro do envelope de correspondência também são enviados os boletins de voto dos concorrentes, prontos para serem depositados nas urnas no dia da eleição. O mesmo material fica disponível para o eleitor nos locais de votação.

Votação já começou no exterior

Cidadãos franceses de onze distritos eleitorais no exterior puderam começar a votar pela internet na última sexta-feira (27). Para esses eleitores, o voto presencial será possível a partir de 4 de junho.

Três dias depois do segundo turno, em 22 de junho, a nova Assembleia Francesa tomará posse. Em 28 de junho, o presidente da Casa será eleito pelos deputados por voto secreto. Os grupos parlamentares serão também anunciados no mesmo dia.

Eleições legislativas: terceiro turno?

De modo geral, as eleições legislativas não costumam mobilizar o eleitorado na França. Em 2017, no segundo turno, 57,36% dos eleitores não foram votar - um recorde de abstenção desde 1958, ano em que foi aprovada a Constituição vigente no país.

No entanto, em 2022, a votação atrai o interesse dos eleitores por ser considerada como uma espécie de "terceiro turno" das eleições presidenciais. No último 24 de abril, boa parte dos franceses que reelegeram Emmanuel Macron não votaram por convicção no programa do chefe de Estado, mas para impedir que a candidata da extrema direita, Marine Le Pen, vencesse o pleito.

A frustração é observada principalmente entre os eleitores de esquerda, que viram o candidato Jean-Luc Mélenchon, do partido A França Insubmissa, chegar muito perto da classificação para o segundo turno, mas ser eliminado pela candidata nacionalista. O líder da esquerda radical obteve 21,95%, poucos pontos atrás de Le Pen, que ficou com 23,3%.

Percebendo o potencial para as legislativas, a esquerda conseguiu se unir em uma coalizão, a Nova União Popular Ecológica e Social (Nupes), formada por quatro partidos - A França Insubmissa; Europa, Ecologia, Os Verdes; Socialista; e Comunista. Até o momento, o grupo lidera as pesquisas com cerca de 30% das intenções de voto.

Caso obtenha a maioria na Assembleia Nacional, ou seja, 289 cadeiras no plenário, Mélenchon pretende reivindicar o cargo de primeiro-ministro. Cabe ao presidente da República nomear o chefe de governo, que não necessariamente deve ser o líder escolhido pela maioria, mas precisa vir do grupo ou partido que elegeu o maior número de deputados.

"Habilidade política formidável"

Mélenchon, que resolveu não se candidatar a uma vaga de deputado, faz campanha há várias semanas para ocupar o cargo de primeiro-ministro, o que parece agradar ao eleitorado de esquerda. Para Rémi Lefebvre, professor de Ciência Política na Universidade de Lille, a estratégia adotada mostra que o líder da esquerda radical tem uma "habilidade política formidável".

"Jean-Luc Mélenchon cometeu muitos erros nos últimos anos, mas ele negocia particularmente bem agora. Ele não se qualificou para o segundo turno das eleições presidenciais, mas logo em seguida se projetou nas eleições legislativas e leva todo mundo a falar sobre isso", avalia.

Segundo o cientista político, a criação da Nupes deu um novo ânimo aos eleitores progressistas. "A esquerda voltou a estar na moda, fala-se sobre isso o tempo inteiro nas mídias. Mélenchon impulsiona a esquerda graças ao seu caráter, à sua estratégia e eloquência. Ele chega, desta forma, ao ápice de sua carreira política", afirma Lefebvre.

As últimas pesquisas mostram que a coalizão governamental Juntos, formada pelo partido de Macron (Renascimento) e outras três legendas centristas (MoDem, Horizontes e Agir), está tecnicamente empatada com a coligação de esquerda Nupes, com cerca entre 28%-30% das intenções de voto. O partido de extrema direita Reunião Nacional chega em terceiro lugar, com cerca de 21%.