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Posse, restrições e produção de armas de fogo: o paradoxo europeu

30/05/2022 08h47

O recente massacre de 19 crianças de 10 anos ou menos e 2 adultos na cidade de Uvalde, Texas, nos Estados Unidos, perpetrado por um jovem de 18 anos, chocou o mundo inteiro. O choque é duplo: primeiro, pelo massacre em si; segundo, pelo aspecto rotineiro que este tipo de crime adquiriu nos Estados Unidos.

Flávio Aguiar, analista político

Novamente, entrou na ordem do dia mundial a discussão sobre posse, restrições e produção de armas de fogo individuais nos diferentes países e continentes.

A situação europeia mostra alguns paradoxos sobre o assunto. De um modo geral, os países europeus têm um controle muito maior do que os Estados Unidos sobre a produção e a posse desse tipo de armamento. Para começo de conversa, este controle é sempre federal, ao contrário dos Estados Unidos, onde ele é de competência, em grande parte, estadual. Entretanto, deve-se registrar que um dos países tidos como mais liberais neste tema é a Suíça.

A Ucrânia já se listava entre os países  europeus mais liberais; agora, com a guerra, a liberalização extrapolou, com o governo distribuindo armas para a população civil. Esta liberalização é preocupante em si mesma, pois um dos ítens de maior controle na Europa é a exigência de que o proprietário da arma deve demonstrar aptidão para seu uso. Muitos países requerem que os candidatos façam cursos exigentes e prolongados na matéria.

Algumas comparações estatísticas são chocantes. Por exemplo, os países europeus onde há maior número de armas por habitantes são Montenegro e Sérvia, com 39 armas para cada 100 habitantes. Nos Estados Unidos, este número é exorbitante: para cada 100 habitantes há 121 armas! Ou seja: há mais armas disponíveis do que gente por lá. Outro número impressionante: 46% das armas de fogo em poder de civis no mundo inteiro pertencem a algum cidadão americano, cujo país tem menos de 5% da população mundial.

Outro dado paradoxal: Bélgica, Romênia, Espanha e Chipre são considerados países de legislação muito restritiva quanto à posse de armas. Entretanto, Chipre está entre os países com uma taxa  per capita elevada no continente: mais de 35 para cada 100 habitantes. Outros países com taxas elevadas neste quesito são a Finlândia e a pequena e aparentemente pacata Islândia. Já a França e a Alemanha têm taxas reduzidas: menos de 20 armas individuais para cada 100 habitantes.

Esses números variam dramaticamente se atentarmos agora para a produção geral de armamentos. Dos dez países maiores exportadores de armamentos sete são europeus, incluindo aí a Rússia (2° país que mais exporta armas). A França (3°) e a Alemanha (4°) estão entre eles. Outros grandes exportadores europeus são a Espanha (5°), a Itália (7°), a Holanda (9°) e o Reino Unido (10°). Os outros países que mais exportam armas são os Estados Unidos - evidentemente o primeiro - a Coreia do Sul (6°) e a China (8°). Das 10 maiores empresas produtoras de armas no mundo, 6 estão nos Estados Unidos.

Estatísticas sobre armas individuais

Voltando às armas de porte individual, as estatísticas disponíveis dizem que 90% da população adulta europeia não possui ou jamais possuiu algum tipo de arma. Já nos Estados Unidos, 30% da população adulta possui pelo menos uma dessas armas.

Dentro da União Europeia, 35% dos proprietários de armas afirmam que usam para a prática da caça; 29% por alguma razão profissional, incluindo policiais, e 23% para a prática de algum outro esporte, como tiro ao alvo.

Na  União Europeia cada país tem sua própria legislação de controle e restrição, que costuma abranger a idade do proprietário, a ficha de antecedentes, o tipo de arma, sendo que o maior controle se dá sobre revólveres e pistolas, e a quantidade de munição que cada atirador pode dispor.

Em 2016 o Parlamento Europeu aprovou, por 491 votos a favor e 178 contra, algumas diretivas internacionais a respeito, sobretudo no que toca à quantidade de munição que cada proprietário pode guardar: 21 unidades de tiro para revólveres e pistolas e 11 unidades para rifles e carabinas.

Dois comentários laterais importantes:

1. Os dados acima se referem à posse e produção legal de armas. A produção e o tráfico de armas está entre as maiores indústrias ilegais no mundo, incluindo aí, muitas vezes como produtores, países europeus. As armas mais populares neste tipo de negócio continuam sendo as pertencentes à "família Kalashnikov", cujo favorito é o rifle automático AK-47, originalmente fabricado na finada União Soviética, mas hoje produzido ou consumido em mais de 100 países ao redor do mundo.

2. Por ser ilegal e clandestino, é muito difícil quantificar o número de armas disponíveis através desta rede de produção e contrabando. O custo deste tipo de arma varia muito, sendo às vezes muito barato (menos de US$ 500) ou muito caro (mais de US$ 3.500) conforme a condição de cada país.

No primeiro caso, esteve o Iraque, logo depois de sua invasão pelos Estados Unidos e aliados, em 2003; no segundo, os Estados Unidos, sendo que no caso do contrabando de armas deste país para o Canadá, os preços podem triplicar.

Segundo a ONU, o tráfico de armas é a terceira atividade criminosa do mundo, só perdendo para o narcotráfico e o tráfico de pessoas, este último em geral vinculado à exploração sexual ou de moderna escravização em outros ramos de trabalho.