Para salvar país do comunismo, bolsonaristas radicais defendem golpe e boicote à Copa
A seleção brasileira joga hoje pelas oitavas de final da Copa do Mundo do Catar, mas tem gente no Brasil dizendo que patriota não deveria pensar em futebol agora.
Raquel Miura, correspondente da RFI em Brasília
Várias pessoas reunidas com a camisa amarela da seleção em dia de jogo do Brasil no Catar. Mas, por incrível que pareça, Copa do Mundo ali é assunto mal visto, quase um pecado. Foi o que a reportagem da RFI encontrou em frente ao Quartel General do Exército no dia em que o time do Brasil perdeu para Camarões, na última partida da fase de grupos. E a promessa por lá é evitar falar no Mundial mesmo agora na fase decisiva do mata a mata.
Muitos bolsonaristas já deixaram a porta do QG, algumas caravanas que vieram de fora já voltaram, mas há um grupo de apoiadores do presidente Jair Bolsonaro que não arreda o pé e até adotou o lema 'patriota não vê Copa'.
"Esse pessoal que está aqui é extremamente consciente e dedicado. Ninguém está ligando para a Copa do Mundo. Ao nosso ver, é um absurdo falarem em Copa quando o país corre risco", disse o aposentado Valdir Feitosa, que veio de Santa Catarina e está na capital federal há duas semanas. "Meu boné é da seleção, mas até pintei por cima para esconder o slogan da CBF. Nada de jogo por aqui, estamos focados em salvar o Brasil".
Quem também exibe símbolos da seleção, mas ultimamente tem repudiado o tema futebol é o vigilante Waldir Gonçalves, que está há oito dias sem ver a mulher e os filhos que ficaram no Paraná. Vestindo a camisa 10 de Neymar, ele diz que este ano não há clima para torcer pela seleção "Deixei família, deixei trabalho, tudo pra defender o Brasil da esquerda comunista. E não quero nem saber nada da Copa".
As pessoas ali continuam conectadas aos grupos de WhatsApp, redes sociais, inclusive com uma central de tomadas para carregar o celular. Mas o local não tem telão, nem TV e sim um carro de som que toca hinos militares, invoca apoio do Exército para derrotar o comunismo e divulga pregações religiosas. Há também estruturas onde são preparadas refeições, barracas de dormir espalhadas por toda parte, tenda para rezar o terço, rodas para discutir política, banheiros químicos, um clima de Woodstock às avessas.
"Copa do Mundo? Temos objetivos mais urgentes. Nós lutamos é pela nossa liberdade. A nossa liberdade está em risco e por isso estamos aqui", afirmou a empresária Nilzete Silva, moradora do Distrito Federal. "Lula é uma marionete, há uma ordem mundial por trás disso tudo. Não podemos ficar de mãos atadas".
Também de Brasília, o eletricista Edgar Oliveira tem recusado pedidos de clientes, abrindo mão de parte da renda para engrossar o time dos manifestantes em frente ao prédio militar. Ele, a mulher e as duas filhas, uma de quatro e outra de sete anos, passam alguns dias da semana por ali, às vezes retornando para casa depois das 21h. Edgar diz que as meninas gostam do espaço aberto que há na parte de trás, onde dá para correr e brincar. Mas o pai prefere ficar na área mais à frente, ao lado da avenida, para mostrar aos que passam ali que o movimento está firme.
"Até amigos meus dizem que não estão vendo resultado dessa mobilização, que estão desaminados, mas já temos efeito sim. Lula não vai assumir. Não sei se vão convocar novas eleições, se Bolsonaro será dado como vencedor, isso ainda não está certo", afirma o eletricista, acrescentando: "O Exército já espera reações do PCC, Comando Vermelho e de países de esquerda da América Latina. Pode ser decretada uma guerra contra o Brasil. O Exército está ciente disso. Mas Lula não toma posse".
Em defesa do 03
Diante de repulsas tão enfáticas à euforia da Copa do Mundo, a RFI perguntou a várias pessoas concentradas ali o que elas acharam das imagens do deputado Eduardo Bolsonaro (PL/SP), sorridente e posando para fotos num dos estádios do Catar em partida do Brasil. Ninguém o criticou, ao contrário. Todos tentaram justificar a viagem do filho do presidente.
"Ele foi levar à comunidade internacional provas contra o PT. Isso está bem claro. Ele foi para lá com essas provas. Ver o jogo só era parte dessa estratégia", disse o gesseiro Sandro Raimundo.
A artesã que se apresentou como Débora, saiu em defesa do clã Bolsonaro: "As pessoas minimizam a inteligência do presidente, dos seus filhos e assessores. Ele foi ao Catar ver o jogo, mas sua intenção principal vai muito além, ele quer mostrar ao mundo a fraude que foram as nossas eleições, o que nossa mídia aqui não mostra. Ele foi atrás de alianças".
Com aparência bem cansada, Débora disse que veio a Brasília numa caravana com muitas outras pessoas, num momento em que estava indo bem em seu comércio. Ela deixou o interior do Pará e há 22 dias está dormindo numa barraca, admitindo que ali "banheiro é limpo se alguém limpar". E confessou: "Podem ficar brava comigo, mas quero que o Brasil perca. Estamos aqui lutando pelo país e as pessoas ficam perdendo tempo com jogo?".
Longe do QG
O movimento em frente aos quartéis é de uma parcela mais aguerrida em defesa de Bolsonaro, que defende a intervenção militar para afastar uma nova gestão petista. Mesmo após uma eleição tão apertada, onde o lado que vestia as cores da seleção perdeu, é possível ver nas ruas, nos bares, nos gritos dos vizinhos, que a grande maioria dos brasileiros tem acompanhado os jogos.
"Votei no Bolsonaro, mas não vou deixar de torcer e de ver os jogos. Vejo aqui no meu trabalho mesmo, porque não posso sair. Mas torço. E vejo que a maioria está animada com a Copa", disse a vendedora Ramiere Santos. Para ela "tem uns radicais por aí. Não dá para paralisar tudo na vida por causa de políticos. Vamos aceitar o resultado e ver no que vai dar".
Quem também avalia que pregar boicote à Copa não cola no Brasil é o engenheiro Bruno Silva. "Bolsonaro fez muita coisa errada, mas não queria a volta de Lula, um ex-presidiário. Entre os dois, prefiro o Bolsonaro, mas não sou bolsomínion, sou brasileiro."
"Ficar em frente ao quartel é uma escolha, quem acha que deve protestar lá eu respeito, não sou contra nem a favor. Mas ficar sem ver os jogos, aí não dá. O brasileiro gosta de futebol, gosta da seleção. Política não pode contaminar isso", resumiu o torcedor.
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