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De volta ao Brasil, Bolsonaro terá de sobreviver a investigações e aprender a ser oposição

30/03/2023 05h07

Segurança reforçada em Brasília para a chegada de Jair Bolsonaro, após três meses de retiro em solo americano, pela derrota nas urnas. Ele será recebido por apoiadores e políticos em evento do PL e há até quem defenda desfile em carro aberto pela cidade. Analistas ouvidos pela RFI dizem que o ex-presidente não tem a mesma força eleitoral das urnas, mas continua vivo politicamente. Seu futuro, porém, depende da Justiça e do desempenho do governo Lula.

Raquel Miura, correspondente da RFI em Brasília

Eleitores fiéis esperam de Jair Bolsonaro uma postura ativa na política e na sociedade, com caravana pelo país a fim de reforçar pontes eleitorais e manter em alta o discurso da extrema direita. Políticos ligados ao ex-presidente defendem que ele seja uma caixa de ressonância contra o governo Lula, embora saibam que será preciso dosar a língua para não se enrolar nela e afastar a pecha de profeta do caos.

Já os adversários torcem para que Bolsonaro dispense energia respondendo a processos na Justiça. A Polícia Federal agendou para o próximo dia 5 o depoimento dele e de ex-assessores no caso das joias recebidas em 2021 do príncipe saudita Mohammed bin Salman. Mesmo com outros casos em curso no judiciário, a avaliação de alguns petistas é de que uma eventual prisão de Bolsonaro agora traria efeitos politicamente imprevisíveis e poderia inclusive ajudar o ex-presidente a construir a narrativa de que é um perseguido da Justiça. Por isso, entre seus rivais, o desejo é desidratá-lo com apurações e escândalos.

Certo no meio político é que Bolsonaro, mesmo que não tenha a mesma força que conseguiu nas urnas, ainda conta com um capital político relevante e não está morto eleitoralmente. "Bolsonaro continua sendo um líder político que não pode ser desprezado, tanto que ele ainda mobiliza parte de um eleitorado da extrema direita que gostaria de vê-lo candidato à presidência em 2026", afirmou à RFI a cientista política Luciana Santana, professora na Universidade Federal de Alagoas e na Universidade Federal do Piauí.

"Mas, claro, isso esbarra na instância judicial. E ele precisa responder a esses processos, precisa ser responsabilizado caso seja confirmada a sua participação em atos que atentem contra a Constituição, contra as instituições políticas brasileiras. Então esses novos passos é que vão dizer efetivamente se Bolsonaro vai se tornar uma carta fora do baralho. Hoje ainda não é", disse Santana.

Diversas investigações

Há em curso investigações envolvendo Bolsonaro conduzidas pelo Supremo Tribunal Tribunal Federal, Polícia Federal e Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que apura abuso de poder econômico nas eleições. Outro ingrediente importante no jogo de cartas do ex-presidente é o sucesso ou não do governo Lula. 

"No mínimo ele parte de uma base entre 15 e 20% dos eleitores. Dependendo do desempenho do governo do PT, poderá ter até mais - sobretudo se não houver da parte do TSE alguma medida em relação à inelegibilidade do ex-presidente. Acho que não é carta fora do baralho", avaliou à RFI o analista político e professor do Insper Carlos Melo.

"Acho que Bolsonaro tem viabilidade. Agora, tem uma série de escândalos que ele terá de explicar. E ele também não terá a máquina pública a seu favor como teve em 2022, e isso foi muito importante", pondera Melo.

Antes de embarcar para o Brasil, Bolsonaro evitou falar com alguns jornalistas que o abordaram no saguão do aeroporto de Orlando, na Flórida. Mas conversou com a CNN numa sala VIP, quando afirmou que "não vai querer substituir os parlamentares da oposição. Eles é que vão dar o norte. Eu, no momento, sou um político sem mandato. Vou estar ao lado da nossa bancada".

Futuro à direita

"Temos hoje em dia uma direita que cada vez mais se aglutina, sabe o que quer, tem um objetivo. Não é oposição irresponsável, oposição pela oposição", afirmou o ex-presidente, que fez críticas ao governo Lula, citando invasões de terra e dizendo que "não tem como esse governo dar certo".

Bolsonaro também afirmou que o resultado da última eleição foi apertado, mas que considera o assunto "página virada". Revelou que, junto do PL, pretende participar das articulações políticas para a escolha de prefeitos ano que vem.

A disputa municipal é de fato apontada como teste interessante para o ex-presidente, especialmente a performance que aliados diretos dele terão no pleito. "Escândalos e processos judicais podem impactar a ambição política da família de Jair Bolsonaro, como na prefeitura do Rio, que deve ser disputada por um dos filhos. No caso da Michelle, não acho que ela será uma presidenciável", ressalta Luciana Santana. "Acho que ela está nos planos do PL por ser um quadro importante, tendo em vista sua ligação principalmente com os segmentos religiosos. Mas apostaria numa disputa dela  ao Legislativo e não à Presidência da República."

O analista Carlos Melo também tem dúvidas sobre o protagonismo que caberá à ex-primeira-dama e lembra as desavenças entre ela e alguns filhos de Bolsonaro.  "Ela divide esse patrimônio bolsonarista com outros membros do clã. Até onde consta, o relacionamento entre eles é tortuoso, complicado, sobretudo com Carlos Bolsonaro -  mas pelo que se viu nesses meses, também com Flávio Bolsonaro. O PL está de olho no voto feminino, mas diria que é cedo falar em ocupar o lugar o marido", analisa Carlos Melo.

Vida confortável em Brasília

Fugindo à tradição dos ex-presidentes, Bolsonaro continuará morando em Brasília, mesmo tendo o Rio de Janeiro como seu domicílio eleitoral. O ex-presidente vai morar com Michele numa mansão em condomínio fechado e cada um vai receber do PL um salário equivalente à remuneração de um deputado federal, hoje cerca de R$ 40 mil por mês.

Ele, como presidente de honra do partido, e ela, como presidente do PL Mulher, terão também salas à disposição na sede da legenda. Como o ex-presidente ainda recebe aposentadorias militar e parlamentar, o rendimento mensal do casal deverá passar dos R$ 130 mil.

Os partidos políticos recebem recursos públicos por meio do Fundo Eleitoral e a distribuição se dá pelo tamanho da bancada eleita. O Tribunal Superior Eleitoral estabeleceu em R$ 1,2 bilhão o limite de dotação desse fundo para o exercício de 2023.