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Caos no Sudão: trégua entre generais rivais é desrespeitada e moradores fogem de Cartum

20/04/2023 10h30

Uma guerra está em curso no Sudão entre dois exércitos rivais, liderados pelos generais Abdel Fattah al-Burhan e Hemedti. Na capital, mais de cinco milhões de habitantes continuam sem luz e água encanada. Segundo um novo balanço da Organização Mundial da Saúde (OMS), os confrontos deixaram "cerca de 330 mortos e 3,2 mil feridos" desde o último sábado (15).

Do enviado especial da RFI a Cartum, Eliott Brachet, com AFP

Depois de dois cessar-fogos quebrados no primeiro minuto, os beligerantes anunciaram, na noite desta quarta-feira (19), uma nova trégua de 24 horas, que foi parcialmente respeitada. Após cinco dias de combates incessantes, os habitantes de Cartum finalmente voltaram a viver uma calma relativa, sem bombardeios ou ataques aéreos no meio da noite. Mas alguns tiros esporádicos de armas pesadas estalaram em vários bairros, especialmente no centro da cidade. Nesta quinta-feira (20), as explosões e disparos  voltaram a abalar a capital sudanesa.

Os dois exércitos - as Forças de Apoio Rápido (FAR), de paramilitares sob o comando do general Mohamed Hamdan Daglo, também conhecido como Hemedti, e o Exército oficial do general Abdel Fatah al Burhan, líder do Sudão após o golpe perpetrado por ambos os generais em 2021 - aproveitaram a frágil trégua para realizar movimentos de tropas e enviar reforços para a capital.

Ambos os lados pretendem continuar lutando - não há negociação à vista. Os habitantes de Cartum continuam, portanto, presos, privados de água e luz. Dos 59 hospitais e centros de saúde da capital, apenas 20 estão em funcionamento.

Civis fogem em meio a combates

Diante da dramática situação humanitária e das atrocidades contra civis, 15 chancelarias ocidentais exortaram ambos os lados a poupar as infraestruturas civis e permitir que alimentos básicos e ajuda de emergência cheguem até os feridos. Deixando para trás os cadáveres de soldados caídos na poeira e destroços carbonizados de veículos blindados, milhares de pessoas escolheram o caminho do exílio - às vezes, atravessando zonas de combate.

Durante décadas, a capital sudanesa acolheu centenas de milhares de pessoas deslocadas por conflitos armados em todo o país. Agora, pela primeira vez em sua história, Cartum está ficando sem moradores, exilados de uma de uma guerra que estourou na confluência do rio Nilo.

Muitos habitantes não tiveram escolha a não ser fugir a pé, já que o preço da gasolina disparou: um litro de combustível agora custa US$ 10 (R$ 50,80), em um dos países mais pobres do mundo.

No terreno, nenhum dos dois exércitos parece ter uma vantagem clara. Eles se envolvem em uma batalha de propaganda, divulgando informações contraditórias.

As forças oficiais parecem ter o controle do leste e sul do país, desde o Mar Vermelho até as montanhas de Kordofan, enquanto as Forças de Apoio Rápido parecem estar em melhor posição em Darfur e controlam grandes partes da capital, onde a batalha decisiva está sendo travada, particularmente em torno do comando-geral e do aeroporto internacional.

Exército domina os céus

No plano militar, com seus aviões de combate, helicópteros de fabricação russa e alguns drones de bombardeio produzidos localmente, o Exército mantém o controle dos céus. Esta é uma das razões pelas quais os paramilitares tinham a estratégia de tomar rapidamente o controle de bases e aeroportos. Uma das mais importantes, localizada em Meroe, no norte, primeiro caiu nas mãos dos revoltosos e depois foi retomada pelo Exército.

As Forças de Apoio Rápido estão agora envolvidas na batalha de guerrilha urbana em Cartum. A milícia, que tem entre 80 mil e 120 mil soldados, tem armamento mais moderno e seus soldados também são mais bem pagos, graças aos lucros gerados pelas minas de ouro sob seu controle, mas também pelo envio de milhares de mercenários que lutaram no Iêmen em nome dos Emirados Árabes.

Outro aspecto que pode pesar na balança: segundo informações do jornal americano Washington Post, os homens de Hemedti teriam recebido um avião carregado de munições da Líbia, enquanto o Exército do general Abdel Fattah al-Burhan se beneficiaria de apoio aéreo e pilotos egípcios para realizar suas operações.

Agências da ONU atacadas

A ONU, União Africana, Liga Árabe e outras organizações regionais devem se reunir novamente, nesta quinta-feira (20), para pedir um cessar-fogo. Diante do caos, várias organizações humanitárias tiveram de suspender suas atividades, cruciais em um país onde mais de uma em cada três pessoas passa fome em tempos normais.

Três funcionários do Programa Mundial de Alimentos (PMA) da ONU morreram em Darfur. As Nações Unidas também denunciaram "saques" de seus estoques e "ataques" contra seu pessoal, inclusive sexuais.

Essa espiral de violência ocorre depois que mais de 120 civis morreram na repressão às manifestações pró-democracia dos últimos 18 meses. Desta vez, a explosão de ataques do sábado resulta das profundas divisões entre o Exército e as FAR, criadas em 2013 pelo líder autocrático deposto Omar al Bashir.

Burhan e Daglo derrubaram Al Bashir em abril de 2019, após protestos contra suas três décadas de governo. Em outubro de 2021, os dois lideraram um golpe contra o governo civil instalado após a saída de Al Bashir e puseram fim a uma transição apoiada pela comunidade internacional.

Militar de carreira do norte do Sudão, Burhan disse que o golpe foi "necessário" para incluir outras facções na política. Já para Daglo, tratou-se de um "erro", que não conseguiu promover mudanças e ainda reforçou os que sobraram do regime de Al Bashir.