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Hooligans e patriotas: os russos armados que desafiam Putin e atacam o próprio país

O chefe do Corpo de Voluntários russos (RDK), Denis Kapustin. Nascido em Moscou, ele é também conhecido pelo nome Denis Nikitin ou White Rex - RFI/REUTERS - VIACHESLAV RATYNSKYI
O chefe do Corpo de Voluntários russos (RDK), Denis Kapustin. Nascido em Moscou, ele é também conhecido pelo nome Denis Nikitin ou White Rex Imagem: RFI/REUTERS - VIACHESLAV RATYNSKYI

29/05/2023 04h00

A Rússia vem sofrendo ataques em seu próprio território há uma semana. Dois grupos armados que afirmam ser formados por cidadãos russos reivindicam os ataques: o Corpo de Voluntários Russos (RDK) e a Legião "Liberdade da Rússia", que agem juntos, apesar de aparentes diferenças ideológicas.

O Corpo de Voluntários Russos (RDK) fez sua primeira aparição em março deste ano, reivindicando uma primeira incursão na Rússia, na região fronteiriça de Briansk.

O grupo, formado por cidadãos russos que vivem há anos na Ucrânia, é dirigido por Denis Nikitin (cujo verdadeiro sobrenome é Kapustin), mais conhecido como "White Rex" personalidade conhecida no meio hooligan e de extrema-direita na Rússia. Ele organizava na Ucrânia combates de MMA e era proprietário de uma marca de roupas cuja logomarca é um sol preto, símbolo usado por grupos neonazistas. A Rússia o qualifica como "terrorista".

Já a Legião "Liberdade da Rússia" é mais difícil de categorizar. Criado em março de 2022, o grupo, cujo emblema é um punho fechado, também é considerado como terrorista pela Rússia. Mas seu chefe político é o ex-deputado russo Ilia Ponomariov, o único que votou contra a anexação da Crimeia por Moscou em 2014 e que, pouco depois, se instalou na Ucrânia.

A cobertura da mídia ucraniana da incursão de Belgorod deu destaque a um representante da Legião que responde pelo pseudônimo de "César". De acordo com a AFP, que o entrevistou em dezembro de 2022, ele garantiu ser um fisioterapeuta de São Petersburgo, diz lutar "contra o regime de Putin" e se definiu como um patriota russo e um "nacionalista de direita".

"Os combatentes da Legião são russos que se inscrevem em uma forma de republicanismo democrata, similar à oposição clássica", explica o pesquisador e especialista de movimentos de extrema direita e nacionalistas na Ucrânia, Adrien Nojon, ao site da Franceinfo. "Eles são motivados pelo ideal de restaurar o Estado de direito. Essa unidade é bem mais consensual, de um ponto de vista ideológico, que o Corpo de Voluntários Russos", afirma.

A mídia investigativa russa Agentstvo, no entanto, definiu César como um membro ativo de longa data na obscura extrema direita russa, que inclui movimentos imperialistas e nacionalistas.

De direita, mas 'oposto'

Os dois grupos, que dizem contar com centenas de membros, afirmam querer a queda do presidente Putin, mas são ideologicamente diferentes.

O RDK, que tem ideologia radical e extremista, diz realizar ações de reconhecimento e de sabotagem em território russo. Ele integra elementos que combateram no batalhão Azov

Um de seus combatentes, que usa o pseudônimo de Fortuna, indicou à AFP, em março, que o Corpo coordenava sua ação com o Exército ucraniano quando estava em território ucraniano, mas que realizava por conta própria as operações na Rússia.

Em entrevista à mídia russa independente Sota, em abril, outro representante do RDK, Vladimir "Cardinal", disse que queria a criação de um "Estado nacional russo no território de regiões maioritariamente povoadas por pessoas de etnia russa".

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Imagem: DW

Já a Legião se define como um grupo de "guerrilheiros" cujo objetivo é construir "uma nova Rússia livre". O site do grupo indica que ele organiza ataques contra a infraestrutura militar e ferroviária russa. "César" indicou à televisão ucraniana, após o ataque a Belgorod, que as operações realizadas pelas duas organizações "iam aumentar com o tempo".

De acordo com o serviço de inteligência ucraniano, a Legião Liberdade da Rússia teria sido formada por desertores de uma companhia russa. "Mas é impossível retraçar a origem dos combatentes ou de saber sua unidade russa (de origem)", diz Nonjon. "Trata-se sobretudo de um símbolo para mostrar que os russos entenderam quem era o verdadeiro inimigo", afirma.

O processo de recrutamento e a organização do grupo são desconhecidos. A Legião afirma ter combatido nas proximidades de Bakhmout, sob as ordens de oficiais ucranianos.

Financiamento

Os grupos não informam como e por quem são financiados. A Ucrânia não se pronunciou sobre suas ligações com eles, mas os considera como problema "interno" da Rússia.

Mas Ponomariov declarou à rádio britânica LBC, esta semana, que os ucranianos "nos ajudam a formar nossas forças e nos fornecem equipamentos necessários". A Legião indicou no Twitter dispor de morteiros franceses RT61.

No ataque a Belgorod, as autoridades russas informaram ter enfrentado tiros de morteiros, de artilharia e ataque de drones.

O Corpo divulgou vídeos a bordo de um caminhão blindado que transportava tropas, e disse ter tomado do serviço de segurança russo, o FSB, que comanda também a guarda de fronteira.

Ataques para desviar a atenção

O Kremlin insistiu na segunda-feira e na terça-feira que enfrenta combatentes ucranianos e não insurgentes russos e acusou Kiev de ter planificado a operação para "desviar a atenção" de Bakhmout, epicentro de combates no leste da Ucrânia que a Rússia afirma ter conquistado desde sábado.

Após o ataque de Belgorod, o chefe do grupo paramilitar russo Wagner, Evgueni Prigojine, que não poupa críticas ao Exército de Moscou, denunciou o fracasso do Estado russo.

De acordo com declarações do ministro da Defesa russo Serguei Choigou, nesta quarta-feira (24), Moscou revidará de maneira "extremamente dura" a futuras incursões armadas em seu território.