Temperamento latino x austero: jornal francês diz que corrente entre Macron e Scholz não passa

Em um balanço das relações entre França e Alemanha, após o vazamento na Rússia de uma conversa confidencial entre dois oficiais de alto escalão de Berlim sobre o fornecimento de mísseis alemães de longo alcance à Ucrânia, a imprensa francesa aponta as frequentes divergências entre os dirigentes francês e alemão.

Segundo o jornal Le Parisien, tudo indica que o vazamento constrangedor para o governo alemão é fruto de uma negligência dos oficiais. A videoconferênca aconteceu via a plataforma pública americana WebEx e a criptografia não foi em princípio ativada, explicou ao diário um especialista francês.

Um dos participantes se conectou à reunião com seu celular, em um quarto de hotel em Cingapura, e o aparelho de telefone pode ter sido infectado por um software do tipo "Pegasus", de fabricação israelense, já envolvido em dezenas de casos de espionagem de autoridades. Outra hipótese é que a ligação telefônica também poderia ter ocorrido através da rede Wi-Fi do hotel. Seja qual for a causa, o vazamento parece revelar um amadorismo total do Exército alemão, diz um ex-oficial de inteligência dos serviços franceses nas páginas do Le Parisien

O jornal Libération faz uma análise das divergências que marcam o relacionamento entre o chanceler alemão e o presidente francês. "Macron, esse latino que irrita Berlim", diz o título da reportagem. Na semana passada, depois de um encontro de líderes aliados da Ucrânia em Paris, Macron disse que não era possível descartar, no futuro, o envio de militares ao país em guerra, para evitar uma vitória do russo Vladimir Putin. Scholz desmentiu Macron assim que retornou a Berlim.

Além disso, o alemão deixou transparecer que militares franceses e britânicos já estiveram na Ucrânia para ensinar os soldados ucranianos a manusear os mísseis enviados pelas duas potências. Moscou sempre alertou que a presença de militares de países da Otan nos campos de batalha ucranianos seria interpretada como um ato de cobeligerância e poderia deflagar uma guerra com os países ocidentais

Alemães aprovam declarações de Macron

O diretor de um think tank franco-alemão opina que "a realidade é que ainda não há consenso estratégico em matéria de segurança [na Europa]; a crise é profunda", aponta o especialista entrevistado pelo Libération. Scholz teria ficado ainda mais irritado com o governo francês porque os alemães não rejeitaram completamente as declarações de Macron sobre o eventual envio de militares ocidentais à Ucrânia.

Recentemente, o presidente francês foi aplaudido de pé após fazer um discurso no Parlamento alemão em que defendeu a visão de Paris sobre a segurança na Europa. Scholz, por outro lado, demonstra fraqueza ao adiar com frequência a entrega de armas necessárias para a Ucrânia se defender da agressão russa. Há alguns dias, Wolfgang Ischinger, ex-diretor da Conferência de Segurança de Munique, importante encontro internacional sobre defesa, chegou a parabenizar o presidente francês: "Em tal situação, é, em princípio, correto não excluir nada", disse ele.

De acordo com o Libération, "ao contrário de Angela Merkel, que permaneceu indiferente às propostas de Nicolas Sarkozy, Olaf Scholz não esconde a sua exasperação diante da pressão de aliados, em particular quando Macron faz declarações imprevisíveis". Os dois homens têm um caráter diametralmente oposto.

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"Scholz é um personagem austero, cheio de si, um protestante do norte da Alemanha. Macron é latino, mais espontâneo e teatral. A corrente nunca passou entre os dois", observa o Libération.

Nos dois países, analistas consideram que só uma vitória de Donald Trump nas eleições de novembro nos Estados Unidos poderia contribuir para melhorar as relações entre Scholz e Macron. Trump disse que vai cortar a ajuda dos Estados Unidos à Ucrânia. O republicano também ameaça abandonar os europeus diante dos planos de expansão territorial da Rússia na Europa, que poderiam significar a abertura de outros conflitos em ex-repúblicas soviéticas, como Estônia, Letônia e Lituânia, hoje integradas na União Europeia, além da Moldávia e das provocações em Kaliningrado, enclave russo entre a Polônia e a Lituânia.

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