Ingresso de tropas norte-coreanas na guerra da Ucrânia afeta equilíbrios de segurança na Europa e Ásia

A Coreia do Norte começou a mobilizar um número significativo de soldados para ajudar a Rússia na guerra com a Ucrânia. Um contingente inicial de 1.500 soldados das forças especiais norte-coreanas já chegou à cidade russa de Vladivostok, perto da fronteira entre os dois países, para receber treinamento. O apoio de Pyongyang a Moscou sela a recente aliança militar assinada entre os dois países, mas também poderá perturbar o equilíbrio de segurança na península coreana.

No total, a Coreia do Norte decidiu enviar "quatro brigadas de 12 mil soldados, incluindo forças especiais, para a guerra na Ucrânia", informou na sexta-feira (18) a agência de notícias sul-coreana Yonhap, citando o serviço de inteligência de Seul. A AFP pediu a confirmação deste número à Coreia do Sul, mas não obteve resposta. Na Ucrânia, o governo declarou que essa transferência de tropas demonstra a intenção de Moscou de intensificar a invasão ao país, iniciada em fevereiro de 2022. 

O acordo militar concluído em junho entre o líder norte-coreano, Kim Jong Un, e o presidente russo, Vladimir Putin, possui uma cláusula de defesa mútua. Na avaliação de Hong Min, analista do Instituto Coreano para a Reunificação Nacional, a chegada de oficiais norte-coreanos a Vladivostok demonstra que o compromisso assumido pelas duas partes "é sólido".

"(O acordo) estabelece uma estrutura na qual a intervenção ou o apoio militar da Rússia será automático, se a Coreia do Norte for atacada ou enfrentar uma crise", disse Min à AFP. O reforço das tropas de Pyongyang poderia ajudar Moscou a manter "territórios ocupados ou contribuir para outras conquistas territoriais", acrescentou.

A Coreia do Norte e a Coreia do Sul continuam tecnicamente em guerra. O sangrento conflito que travaram de 1950 a 1953 foi encerrado com um armistício, mas sem a assinatura posterior de um tratado de paz. Nos últimos anos, o ditador comunista Kim Jong-Un construiu um arsenal nuclear, enquanto Seul não possui armas atômicas. A defesa sul-coreana é assegurada pelos Estados Unidos, razão que leva as forças armadas dos dois países a realizarem, com certa frequência, exercícios militares conjuntos em grande escala, o que revolta Pyongyang.

Ao enviar tropas à Rússia, Kim Jong Un espera reforçar a dissuasão militar e consolidar uma aliança com Moscou mais próxima dos acordos de defesa existentes entre os Estados Unidos e a Coreia do Sul, o que poderá "resultar numa mudança significativa" na segurança na península, aponta Min.

"Atrair a atenção internacional"

As autoridades ucranianas divulgaram na sexta-feira um vídeo que mostra supostamente soldados norte-coreanos recebendo equipamentos em um campo de treinamento. Um dos soldados é filmado dizendo "avance" para seus colegas, com sotaque norte-coreano.

A agência de inteligência da Coreia do Sul disse à AFP que seria "inapropriado" comentar um documento publicado pelo governo de um terceiro Estado. Mas especialistas consideram que a presença de soldados norte-coreanos nas trincheiras russas dará a eles experiência de combate num conflito moderno. Eles também poderão testar armas no campo de batalha.

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Essa aliança com Moscou também poderia ser uma tentativa de Kim Jong Un de fortalecer a sua posição no cenário internacional e as suas margens de negociação antes das eleições de 5 de novembro nos Estados Unidos, afirmou Lee Sang Min, pesquisador do Instituto Coreano de Análise de Defesa. "Uma forma de atrair a atenção internacional (...) é enviar tropas para apoiar a guerra na Ucrânia, o que poderia prolongar o conflito ou deslocá-lo a favor da Rússia", apontou o especialista.

Economia de guerra

Para a Rússia, as vantagens com a chegada de militares norte-coreanos são evidentes, prevê Vladimir Tikhonov, professor de estudos coreanos na Universidade de Oslo.

"O principal gargalo da Rússia é a escassez de soldados e de mão de obra, e a Coreia do Norte oferece um potencial considerável e inexplorado para resolver ambos os problemas", ponderou Tikhonov à AFP

As relações entre as duas Coreias estão no estado mais delicado dos últimos anos. Na semana passada, Kim Jong Un anunciou que o Norte abandonou "a ideia irracional de reunificação" e poderia usar a Ucrânia para reorientar a sua política externa. 

Ao enviar soldados à Rússia, Pyongyang se posiciona dentro da economia de guerra russa como fornecedor de armas, de apoio militar e mão de obra, ao mesmo tempo que potencialmente contorna a China, seu aliado tradicional na região. "Isto significa que a Coreia do Norte não estará motivada para melhorar as suas relações com o Japão, a Coreia do Sul e os Estados Unidos", disse Tikhonov.

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G7 apoia "marcha irreversível da Ucrânia à Otan"

Neste sábado (19), os ministros da Defesa do G7 deram apoio à "marcha irreversível da Ucrânia rumo à plena integração euro-atlântica, incluindo a adesão do país à Otan", a aliança militar de defesa ocidental.

"Ressaltamos nossa intenção de continuar prestando assistência à Ucrânia, incluindo assistência militar a curto e longo prazos" para ajudá-la a enfrentar a guerra de agressão por parte da Rússia, afirmaram os ministros do grupo, no final de um encontro em Nápoles. A Itália ocupa a presidência rotativa do G7 este ano. Além dos ministros da Defesa dos outros seis países-membros do grupo (Estados Unidos, Canadá, Grã-Bretanha, França, Alemanha e Japão), participaram das discussões representantes da União Europeia, da Otan e o ministro da Defesa ucraniano.

Em visita a Kiev neste sábado, o ministro das Relações Exteriores da França, Jean-Noel Barrot, declarou que uma eventual participação de soldados norte-coreanos na frente de batalha ao lado das tropas russas representaria uma escalada "extremamente grave". 

"Seria (...) gravíssimo porque levaria o conflito a uma nova etapa, uma escalada adicional", disse Barrot, durante uma coletiva de imprensa ao lado do colega ucraniano de pasta, Andrii Sybiha.

Para o ministro francês, "seria uma confirmação de que a Rússia de Vladimir Putin enfrenta sérias dificuldades para superar a resistência ucraniana, a ponto de ter de apelar à Coreia do Norte para vir com reforços".

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O ucraniano Sybiha declarou, por sua vez, que um envolvimento da Coreia do Norte no conflito representaria um risco "enorme" de escalada militar.

Com informações da AFP

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