EUA: Onde está a oposição democrata frente ao rolo compressor Trump?

Em minoria no Congresso americano, divididos e ainda se recuperando da derrota nas eleições, os democratas buscam a melhor maneira de contra-atacar Donald Trump. Enquanto, desde o seu retorno à Casa Branca, o presidente satura a imprensa com decretos e declarações bombásticas, a oposição luta para ser ouvida.

Aurore Lartigue, da RFI em Paris

"Donald Trump está ocupando todo o espaço da mídia e não há mais espaço para nós", diz Amy Porter, porta-voz dos Democrats Abroad ("Democratas no Exterior") na França. Menos de dois meses após a posse republicana, em 20 de janeiro, o partido ainda cura as feridas da derrota de Kamala Harris. Em minoria em ambas as casas do Congresso, a oposição ainda não encontrou uma estratégia eficiente para combater a política trumpista de cortes no governo federal, e sequer consegue chegar a um consenso interno.

Os democratas parecem reduzidos a algum protesto, como durante a nomeação do governo, e a usar os tribunais para contestar os decretos de Trump. "Fazemos o que podemos com as ferramentas que temos. Mesmo que não possamos fazer muito, estamos tentando reagir à situação", enfatiza Amy Porter.

Desentendimentos sobre a melhor estratégia

A realidade é que os democratas estão divididos entre confrontar o novo presidente com táticas semelhantes e ficar em segundo plano, à espera de repercussões negativas das medidas da Casa Branca. Alguns, como James Carville argumentou em um artigo no New York Times em 25 de fevereiro, chegam a defender uma "retirada política estratégica" até que o governo Trump entre em colapso sob seu próprio peso.

Diante da falta de um líder para liderar a reação, e contando com o fato de que as políticas de Trump o tornarão rapidamente impopular, o veterano das campanhas de Bill Clinton recomenda "deitar e fingir-se de morto".

Uma amostra das divergências ocorreu no dia do discurso de Donald Trump no Congresso, em 4 de março: enquanto os militantes queriam um boicote, os líderes do partido pediram para que não se chamasse ainda mais atenção para a fala do presidente - o que não impediu alguns de segurar cartazes em sinal de oposição, enquanto outros protestaram em silêncio, permanecendo sentados.

O texano Al Green, 77 anos, foi escoltado para fora após interromper o discurso, alegando que "Trump não tinha um mandato!" - falas que alguns dos seus pares julgaram inapropriadas e ineficazes.

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"Os democratas continuam a conduzir a política de acordo com os padrões habituais, só que nada mais é habitual", analisa Françoise Coste, especialista em política americana.

Eleitorado mobilizado

Em resposta ao discurso presidencial, a senadora de Michigan Elissa Slotkin tentou atacar as políticas de Donald Trump em um vídeo no qual abordou questões de interesse central para os americanos, expressando preocupação com a guerra comercial lançada pelo líder da Casa Branca, que poderia piorar a inflação e até mesmo levar o país à recessão.

A senadora, ex-analista da CIA, também acusou Trump de priorizar cortes de impostos para bilionários em detrimento de famílias de classe média e pediu a defesa de uma democracia "em perigo". Por fim, ela pediu para os americanos permanecerem comprometidos com o processo democrático, encorajando-os a cobrar de seus parlamentares eleitos e a se organizar.

"Não perca o interesse. É fácil ficar esgotado, mas a América precisa de você mais do que nunca", disse ela, em declarações mais equilibradas que foram bem recebidas pelo eleitorado democrata.

Já a militância tem manifestado seu descontentamento e seu temores em comícios e reuniões locais, pedindo que seus líderes saiam de suas reservas e tomem medidas. "Estamos sendo inundados de telefonemas de pessoas nos perguntando o que podem fazer para que nossas vozes sejam ouvidas", relata o representante francês dos Democrats Abroad.

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"Eles são instruídos a entrar em contato com seus deputados, que dizem que estão sobrecarregados de mensagens. Alguns se perguntam se, em resposta a essa passividade, um movimento Tea Party ao inverso poderia surgir", indica Françoise Coste.

Nas eleições de meio de mandato de 2026, nos distritos onde haverá primárias, os parlamentares democratas considerados "muito brandos" poderão se deparar com oponentes mais radicais à sua esquerda.

Quem para liderar?

A ausência de uma liderança democrata também pesa neste momento de rumos indefinidos. Kamala Harris fez sua primeira aparição pública desde que deixou a Casa Branca em 23 de fevereiro na cerimônia do NAACP Image Awards, que homenageia pessoas negras. Ela pediu para os americanos reagirem: "Alguns veem o fogo no horizonte e se perguntam: 'O que fazemos agora?'. Mas sabemos exatamente o que fazer: nos organizamos, educamos e defendemos os direitos dos outros", disse Harris. A volta da ex-vice-presidente à cena política, entretanto, não parece acontecer tão cedo.

Autoridades do partido, como o líder da minoria democrata no Senado, Chuck Schumer, e seu colega na Câmara, Hakeem Jeffries, são "invisíveis e nada preparados para a crise", reconheceu Coste. Entre os líderes emergentes, como o governador da Pensilvânia, Josh Shapiro, ou a governadora do Michigan, Gretchen Whitmer, falta influência nacional para a resistência ganhar escala. Ken Martin, o novo presidente nacional do Partido Democrata, acaba de ser eleito.

Há também quem questione o silêncio dos ex-presidentes. Desde a posse, Bill Clinton, Barack Obama e o próprio Joe Biden optaram pela discrição, evitando criticar diretamente o atual governo. "Eu os chamo de Pôncio e Pilatos", brincou o diretor do Center of Politics, Larry Sabato, ao The Guardian, referindo-se ao governador romano que permitiu que Jesus fosse crucificado. O cientista político avalia que esta postura é resultado do medo de atrair a ira de Donald Trump e seu exército nas redes sociais.

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Embora, nos Estados Unidos, seja habitual que ex-presidentes não comentem as ações de seus sucessores, "talvez seja hora de rever essa política de silêncio, dado o quão inédita é a situação atual,", admite Amy Porter, do Democrats Abroad.

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Em meio a esse cenário desolador, algumas figuras da ala da esquerda do partido conseguiram se ressaltar. É o caso do senador de Connecticut Chris Murphy, que cumpriu três mandatos e decidiu se libertar dos padrões tradicionais de comunicação política para alcançar o maior número possível de pessoas. Por meio de vídeos curtos que ele posta em suas redes todos os dias, Murphy explica o que cada uma das ameaças de Donald Trump representa para a democracia.

O governador da Califórnia, Gavin Newsom, figura de destaque na mídia e considerado um favorito para a nomeação presidencial democrata de 2028, chamou atenção na semana passada ao dizer que se opunha à participação de mulheres trans em competições esportivas, rompendo com a posição do Partido Democrata - que Donald Trump havia usado como argumento central em sua campanha.

Bernie Sanders e Alexandria Ocasio-Cortez não silenciam

Ignorando os apelos para "fingir-se de morto", Bernie Sanders é quem, sem dúvida, melhor personificou a resistência nas últimas semanas. A personalidade da esquerda americana começou uma turnê pelo país para "combater a oligarquia", e multidões têm ido vê-lo falar.

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O problema é que, aos 84 anos, Bernie Sanders não personifica a renovação do campo progressista - sem falar que, dentro do Partido Democrata, ele ainda é considerado por muitos como radical demais.

Haveria ainda Alexandria Ocasio-Cortez, discípula de Sanders. De acordo com a Associated Press, a deputada de Nova York, de 35 anos, planeja se juntar ao experiente político em sua turnê e em breve visitará distritos controlados pelos republicanos na Pensilvânia e em Nova York.

Ao mesmo tempo, se mantém mobilizada em todas as frentes. Na quarta-feira, enquanto os republicanos tentavam aprovar um projeto de lei orçamentária que faria cortes significativos no Medicaid, o programa de seguro saúde para os mais pobres, ela pediu no X aos senadores democratas que votassem contra o "fechamento" - procedimento que visa limitar o debate para facilitar a aprovação da legislação.

"Qualquer voto a favor do fechamento também será considerado um voto a favor do projeto de lei", ela alertou, em uma tentativa de pelo menos atrapalhar o rolo compressor de Trump.

Para Françoise Coste, a falta de união no Partido Democrata também pode ser explicada pelo fato de que "eles ainda não entenderam por que perderam a eleição". Para ter alguma chance de ser ouvido, o partido talvez tenha que, primeiro, trabalhar para se reconstruir.

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