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Este século é bom para rebeliões. E o celular é uma das armas.

Jorge Ramos

14/11/2014 00h01

Este é um século bom para rebeliões. Os poderosos não são invencíveis. Temos tudo para nos levantarmos contra as ditaduras, os governos abusivos e os presidentes incapazes. E, além da indignação, a principal arma para nos levantarmos está em nossas mãos: o celular.

"Todo mundo é um repórter investigativo com um telefone", disse-me em uma entrevista o diretor de cinema Spike Lee. Seu último documentário, “I Can’t Breathe” [Não consigo respirar], se concentra no jovem que filmou com seu celular o terrível momento em que vários policiais de Nova York enforcaram o afro-americano Eric Garner, em julho deste ano. Se não fosse pelo vídeo, ninguém teria sabido do abuso policial.

Isso é mais que um "trending topic" na internet. "Isso não vai desaparecer", disse-me Lee sobre o uso de celulares para fazer denúncias sociais. "É poderoso."

Os vídeos gravados em celulares terminaram com 23 anos de ditadura na Tunísia em 2011. O mesmo ocorreu no Egito. Os tuítes falando sobre mudança política no Egito passaram de 2.300 diários para 230 mil na semana em que o presidente Hosni Mubarak renunciou em 2011. Antes da renúncia, mais de 5 milhões de pessoas viram 23 vídeos que promoviam os protestos contra o regime de quase 30 anos de Mubarak, segundo um estudo da Universidade de Washington.

Há revoluções como as da Tunísia e do Egito, que começam com um clique em um celular e que nenhum exército pode deter. Destas é feita a história. Mas também há rebeliões que não tiram regimes autoritários e mandatários medíocres, mas que é preciso levar a cabo porque seus jovens estão cansados de que lhes mintam, os atropelem e os assassinem. Essas são feitas por dignidade, por liberdade e por democracia. Aí estão os casos do México, Venezuela, Brasil e Hong Kong.

"Podem 43 jovens inspirar uma nova revolução no México?", perguntou-se há pouco a revista "The New Yorker". Talvez. Neste vídeo feito com um celular e vazado à imprensa (bit.ly/1wBNWG8), o pai de um dos estudantes desaparecidos no México exige do presidente Enrique Peña Nieto que renuncie, "se o senhor não tem capacidade".

A estratégia de Peña Nieto é dizer que não teve nada a ver com os desaparecimentos. Mas sim, a culpa é dele. Ele é o responsável pelo clima de violência e impunidade que domina o país. Ninguém mais. De dezembro de 2012 a setembro de 2014 foram assassinados 31.892 mexicanos, segundo números do próprio governo. São seus mortos.

A Human Rights Watch acusou Peña Nieto de criar um país "de ficção" e de estar mais preocupado com sua imagem. Mas os jovens já se rebelaram. A guerra em celulares, redes sociais e universidades já está ganha. O que segue é a rua.

A Venezuela --com um dos níveis mais altos de criminalidade, corrupção e inflação do continente-- esteve prestes a ser transformada no início do ano por um corajoso e criativo movimento de protesto. Diante da censura à mídia, a oposição ganhou as ruas e as redes sociais. O ponto de ruptura foi quando o presidente Nicolás Maduro permitiu que a Guarda Nacional e coletivos bolivarianos disparassem e matassem jovens manifestantes. Nenhum presidente legítimo mata estudantes. Pelo menos 42 pessoas foram assassinadas. Maduro perdeu nas telas dos celulares, mas ganhou com as balas. Por enquanto.

No Brasil, a Copa do Mundo encobriu a indignação dos pobres e em Hong Kong está à prova o experimento de dois sistemas em uma só e repressiva China. Mas em ambos os lugares os controles governamentais foram amplamente superados por milhares de jovens especialistas em Twitter e Facebook.

Estes primeiros 14 anos do século 21 nos ensinaram que manter-se neutro não é uma opção quando os governantes abusam de seu poder e quando os presidentes não fazem bem seu trabalho. É preciso rebelar-se.

Diante do autoritarismo e da morte, Elie Wiesel, o prêmio Nobel da paz e sobrevivente do Holocausto, tem uma frase fulminante: "Devemos tomar partido. A neutralidade ajuda o opressor, nunca a vítima. O silêncio dá ânimo ao torturador, nunca ao torturado. Há vezes em que devemos intervir".

Minha interpretação: rebelar-se ou morrer. E o verdadeiro desafio (obrigado, Mahatma Gandhi) é rebelar-se sem violência.