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Emergentes usam IPCC para ganhar em acordo pós-Kyoto

16/11/2007 10h19

Nações emergentes têm nesta sexta-feira uma última oportunidade de aumentar a pressão para que países desenvolvidos adotem políticas globais de combate ao aquecimento, à medida que se aproxima do fim a reunião científica que sentará as bases para decisões políticas sobre a mudança climática.

Delegações de cerca de 130 países tentam cumprir um prazo auto-imposto de encerrar até as 18 horas locais (15h de Brasília) a última sessão do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, sigla em inglês), que se realiza desde segunda-feira em Valência.

Nações em desenvolvimento têm tentado enfatizar, no documento político, a vulnerabilidade de populações mais pobres do globo à mudança de temperatura, no que observadores crêem ser uma estratégia para obrigar nações ricas a tomar parte no combate aos efeitos do aquecimento global no mundo emergente.

Estão neste caso a Índia e o Peru, que sofrerão cada qual impactos distintos do aquecimento global - a Índia corre o risco de sofrer mais tempestades tropicais por conta do aumento da temperatura do oceano, e o Peru, de ver derreter parte de seu repositório natural de água doce, as geleiras andinas.

Além disso, porta-vozes dos emergentes tentam sublinhar a responsabilidade histórica de países desenvolvidos na elevação da temperatura do planeta. Este ponto foi levantado pela delegação chinesa.

A idéia é evitar "pagar a conta" do desenvolvimento das nações mais industrializadas nos últimos 50 anos, para utilizar um termo aplicado aqui e ali pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Outro objetivo seria deixar as portas abertas para se habilitar a obter recursos financeiros, se algum mecanismo de mitigação climática dessa natureza for adotado no futuro.

Mas fontes presentes nas negociações em Valência descartam que tenha havido uma espécie de "divisão" entre ricos e emergentes - como a que tem caracterizado reuniões comerciais, por exemplo -, mesmo porque este último grupo inclui alguns dos países mais poluidores e nações dependentes de renda petroleira.

"O que vemos são os mesmos países contrários ao corte das emissões (de CO2) tentando bloquear as iniciativas de controle", disse um observador.

Diplomatas e cientistas de diversas nacionalidades têm lutado para modificar o texto à sua conveniência, já que no futuro os governos serão cobrados para "ler" o que escreverem no documento de Valência. O primeiro "teste" será realizado já em dezembro, em Bali, na Indonésia, durante uma reunião da ONU que discutirá o acordo que vai substituir o atual protocolo de Kyoto.

O relatório do IPCC ganhou projeção ao chancelar com um grau de segurança inédito as evidências que apontam uma ligação entre a ação humana e a elevação na temperatura do planeta.

Para se ter uma idéia de como este passo é representativo, até as últimas reuniões os países produtores de petróleo insistiam em contrariar a tese de que existe relação entre as emissões de carbono - causadas sobretudo pela queima de combustíveis fósseis, como o petróleo - e a mudança de temperatura do planeta. Até 1995, o IPCC só podia "sugerir" esta possibilidade.

Para o IPCC chancelar pela primeira vez na história o fenômeno que hoje considera "muito provável" (com mais de 90% de certeza), o presidente da sessão teve de enfrentar três delegações de países petroleiros que, liderados pelos sauditas, se recusavam a aceitar as evidências científicas. O moderador ameaçou aprovar o texto reconhecido pela maioria e registrar em nota de rodapé o protesto das delegações - que neste ponto recuaram e aprovaram o documento.

Há uma razão para essas "quedas-de-braço" travadas a portas fechadas, às quais os jornalistas têm acesso por fontes que concordam em falar sob anonimato. Sendo um órgão formado por cientistas que são apontados por governos, o IPCC emite conclusões que não podem ser simplesmente descartadas por eles depois.

Estas fontes dizem que a concessão do prêmio Nobel da Paz ao IPCC, e também ao ex-presidente Al Gore, hoje ativista ambiental, deve elevar a pressão por ações contra a mudança climática a partir das conclusões sublinhadas em Valência.

O próprio chefe da Agência de Mudanças Climáticas das Nações Unidas (UNFCCC, sigla em inglês), Yvo de Boer, disse na abertura da conferência do IPCC que não tomar medidas para reverter a mudança climática seria "criminoso".

Em outra forte demonstração de apoio, o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, irá pessoalmente à cidade espanhola para apresentar as conclusões do relatório, no sábado pela manhã.