Topo

Reinaldo Azevedo

Bolsonaro não terá um despachante no Senado; na Câmara, é lógica de balcão

Rodrigo Pacheco, novo presidente do Senado, e Arthur Lira, novo presidente da Câmara. Uma Casa tende a uma relativa paz; a outra, por ora, parece que caminha para a guerra - Marcos Oliveira/Agência Senado; Luis Macedo/Câmara dos Deputados
Rodrigo Pacheco, novo presidente do Senado, e Arthur Lira, novo presidente da Câmara. Uma Casa tende a uma relativa paz; a outra, por ora, parece que caminha para a guerra Imagem: Marcos Oliveira/Agência Senado; Luis Macedo/Câmara dos Deputados

Colunista do UOL

02/02/2021 08h30

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

Jair Bolsonaro saiu vitorioso nos embates havidos na Câmara e no Senado nesta segunda. Se, obviamente, seria uma tolice negá-lo, convém também não magnificar essa vitória. Há muitos senões.

Rodrigo Pacheco (DEM-MG) foi eleito presidente do Senado. Contou, sim, com o apoio de Jair Bolsonaro — e, na lista do general Luiz Eduardo Ramos dos contemplados com verba pública, também há senadores. É bem provável que tivesse conseguido se eleger mesmo sem o apoio do presidente.

Era o nome de Bolsonaro? Sim. Mas também contou, por exemplo, com o apoio do PT e do PDT. Ex-conselheiro da OAB, tem um perfil conciliador, e não me parece que vá ser mero despachante dos interesses do Planalto. "Ah, mas e o impeachment de Bolsonaro?" Bem, o impedimento não começa a tramitar no Senado, como é sabido. Duvido que um processo que contasse com dois terços de apoio da Câmara seria barrado pelos senadores. Mas aí cumpre perguntar: existem dois terços de deputados dispostos a impichar o presidente? Falemos um pouco a respeito.

A ARITMÉTICA E O IMPEACHMENT
Queridos, aritmética não é um argumento que esgota um debate, é certo, mas ignorá-la conduz a escolhas erradas. Arthur Lira (Progressistas-AL) é o novo presidente da Câmara. E com um placar arrasador: 302 votos. Como a eleição acabou virando um "sim" ou "não", ainda que episódico, a Bolsonaro, é preciso admitir que não haveria hoje -- e nunca houve -- a menor chance de a tese do impedimento prosperar na Casa.

O impeachment do presidente — que já cometeu 24 crimes de responsabilidade, e a compra generalizada de votos para eleger Arthur Lira é o 24ª — é uma luta política, meus caros, que tem de brotar da sociedade. É uma tese a ser construída a milhões de mãos por intermédio da militância política. Não nasce de um conciliábulo de deputados, ainda que sejam pessoas boas e que tenham razão.

Há, aliás, nessa concepção, um erro de análise que me parece importante. Sim, é fato: se Eduardo Cunha não tivesse praticado o ato inaugural, Dilma não teria sido deposta. Mas se pode também dizer de outro modo: se petistas não tivessem votado contra ele no Conselho de Ética, o então presidente da Câmara não teria posto a denúncia para tramitar. E teria se estrepado do mesmo jeito.

No caso, note-se, assistiu-se ao que eu chamaria de "Expectativa Paradoxal Diante de um Antiético". Consistiu em quê? Em apontar a sua quebra de decoro no Conselho, esperando que, depois, ele fosse "ético" na medida dos interesses daqueles que o acusavam. Entenderam? Deu no que deu. Mas esse é um bordado lateral. O ponto é outro.

A vingança de Cunha só prosperou porque a base do governo já estava esfrangalhada, porque o país vinha ainda da voragem ensandecida de 2013, com bagunça promovida por setores de esquerda, que acordou a direita, vitaminada pela Lava Jato. Porque havia crise econômica. Cunha deu o passo inicial, mas não inventou a insatisfação popular.

Bolsonaro é uma usina de crimes de responsabilidade, Mas ainda está faltando bastante povo nessa equação. E não descarto que ele possa aparecer. À política, moçada. O cartório, nesse caso, não resolve. "Ah, mas se Maia tivesse apresentado o pedido..." Apenas 145 deputados votaram contra o aliado de Bolsonaro na Câmara. Quantos votariam para chutá-lo da Presidência? Não creio que se possam extrair grandes lições do BBB, mas é sabido que quem volta do paredão tende a ficar mais forte, não é mesmo?

LIRA É A GARANTIA?
Lira não é garantia de nada, como é evidente. Tem uma dívida de gratidão com Jair Bolsonaro, que abriu os cofres para elegê-lo, mas o Centrão costuma ser muito pouco sentimental. Isso passa logo. Até porque não existem apenas os pleitos do presidente da Câmara. Ele representa um modo de fazer política. Bolsonaro pagou apenas o preço da eleição de um nome do seu gosto. Agora existe o custo de manutenção, que não é pequeno.

O governo terá de atender às demandas de uma massa faminta, especialmente nos dois anos que antecedem a eleição — quando os senhores parlamentares, a exemplo de Bolsonaro, também querem renovar o seu mandato.

Ainda que às custas dos cofres, teria sido mais esperto comprar uma base nos dois primeiros anos de governo — ou no primeiro, já que a pandemia tragou 2020 —, tentar aprovar as tais reformas e depois manter uma força de sustentação no Congresso que não dependesse do Centrão.

Mas aí não seria Bolsonaro, certo? Ele fez precisamente o contrário: demonizou indistintamente os políticos e, acuado pelos fatos, agora se entrega aos apetites dos valentes.

Não terá, obviamente, vida fácil.

"Mas qual será a agenda do governo, Reinaldo?" Olhe, meus caros, para que eu tivesse uma ideia, ainda que remota, seria preciso que o governo tivesse.

Sim, Bolsonaro ganhou. Mas duvido que ele saiba agora o que fazer com isso.

A ESTREIA DE LIRA
O primeiro ato de Arthur Lira, como presidente, declarando a nulidade do bloco que apoiou Baleia Rossi para dar um golpe na formação da Mesa da Câmara não parece coisa de quem está disposto a investir na pacificação da Casa.

Se for uma amostra de como será o seu mandato, vêm confusão das grandes por aí, o que eleva o preço do apoio. Ninguém inventou ainda um modo melhor de vender facilidades do que criar dificuldades.

Bolsonaro ganhou. Mas para quê?