Topo

Reinaldo Azevedo

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Nova vacina criada pelo Butantan é um marco e põe Doria no centro do centro

João Doria, governador de São Paulo: se nova vacina for bem-sucedida, será ainda mais difícil convencer Doria de que ele não deve disputar a Presidência - Sergio Andrade/Governo do Estado de São Paulo
João Doria, governador de São Paulo: se nova vacina for bem-sucedida, será ainda mais difícil convencer Doria de que ele não deve disputar a Presidência Imagem: Sergio Andrade/Governo do Estado de São Paulo

Colunista do UOL

26/03/2021 06h29

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

Tudo indica que nasceu a primeira vacina inteiramente brasileira contra a Covid-19: a Butanvac, desenvolvida pelo Instituto Butantan. Não havendo percalços, será o maior feito de João Doria, governador de São Paulo, contra a doença. Numa democracia, falar em eleição não é ofensa. Trata-se apenas de lembrar uma das regras do jogo. Se ele não abrir mão da postulação, parece que será muito difícil tirá-lo da corrida presidencial — pelo PSDB ou não.

Doria e a direção do Instituto Butantan concederão uma entrevista nesta sexta para falar sobre o imunizante.

Se a vacina for bem-sucedida, será o terceiro gol de placa do governador contra a pandemia, o maior desafio posto hoje aos governos de todo o mundo. Se os feitos renderão dividendos eleitorais, aí o tempo dirá. Vamos ao que é fato até aqui.

O país vacinou com a primeira dose 8,7% da população. Nada menos de 85% dos frascos tinham a marca Coronavac, a maior parte já produzida no Butantan, mas com insumos importados da China. Ainda neste ano, o instituto promete começar a fabricar o IFA (Ingrediente Farmacêutico Ativo). E, então, se terá o domínio de todo o ciclo de produção do imunizante.

SORO
Na quarta, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) autorizou a realização em humanos de testes de um soro anticoronavírus que também vem sendo desenvolvido pelo Butantan a partir do plasma de cavalos.

Nesse caso, não se trata de uma vacina, mas de um remédio contra a doença. O teste consiste na aplicação da droga em pessoas que estão com a Covid-19. Houvesse um remédio assim, o sistema de Saúde do país não estaria em colapso.

Nenhum dos imunizantes aplicados no mundo tem 100% de eficácia. Mesmo quando todas as pessoas aptas a receber as vacinas estiverem imunizadas, existirão milhares de casos da doença. Haver um remédio que minora seus efeitos e que diminua o número de internações será uma bênção.

A VACINA BRASILEIRA
Bolsonaro e suas milícias tentaram desqualificar a Coronavac, chamando-a de "Vachina", porque desenvolvida em parceria com o laboratório chinês Sinovac. Ninguém havia contado ao presidente que o IFA que serve à fabricação do imunizante da AztraZeneca/Oxford também é fornecido pelos chineses...

Bem, se o Butantan lograr êxito, o instituto fará a primeira vacina realmente brasileira, associado a um consórcio internacional. Sabia-se que o órgão se dedicava à tarefa, mas não se imaginava que uma resposta pudesse vir tão cedo.

Na entrevista desta sexta, o governador e Dimas Covas, diretor do Butantan, devem anunciar o pedido à Anvisa para a realização simultânea das etapas 1 e 2 de testes, que compreendem a aplicação da droga em 1.800 voluntários. A fase três alcança 9 mil pessoas. Só então se consegue saber a eficácia da vacina.

Segundo informa a Folha, Covas estima que, não havendo percalços, o instituto consiga fabricar 40 milhões da Butanvac ainda neste ano. A vacina será testada também no Vietnã e na Tailândia, onde a Fase 1 já começou.

PARTICULARIDADE
As vacinas da Pfizer e da Moderna trabalham com o tal RNA mensageiro. A da AztraZeneca recorre ao adenovírus. A Coronavac emprega com o vírus desativado da Covid-19. Segundo a Folha, a tecnologia da Butanvac "utiliza o vírus inativado de uma gripe aviária, chamada doença de Newcastle, como vetor para transportar para o corpo do paciente a proteína S (de spike, espícula) integral do Sars-CoV-2." Covas afirma que a nova vacina já utiliza a proteína da variante P1, mais contagiosa e, tudo indica, mais letal.

DE VOLTA À POLÍTICA
Está, sim, em curso no país uma nefasta politização da doença. Mas, convenham, o governador de São Paulo não pode ser acusado de promovê-la. Quem inventou por aqui o populismo da morte foi Jair Bolsonaro, ao opor de modo estúpido a economia às medidas preventivas conhecidas contra a doença.

Tivesse liderado os esforços contra a pandemia em solo nativo — e não contra a vacina e aqueles que se dispuseram a combater o mal —, podem apostar, o país não contabilizaria agora mais de 303 mil mortos, em marcha acelerada para os 400 mil. Quem se dedica à criação de duas vacinas e de um soro não politiza a doença, mas a enfrenta.

Se esses feitos serão suficientes para eleger Doria presidente, bem, aí são outros quinhentos. A política trabalha com muitas outras variáveis. O quadro eleitoral nem definido está. A eventual candidatura de Lula ainda depende de decisão do Supremo. A se consolidar a ideia de que o centro deve fazer uma espécie de prévias para escolher um candidato, será difícil convencer o governador de São Paulo de que este não atende pelo nome de João Doria.

Ah, sim: acrescente-se outra dificuldade aí: o que — ou quem — é o centro? De todo modo, Doria se credencia ainda mais para o jogo.