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"Fiscais não têm treinamento compatível com a responsabilidade", diz secretário de Transportes

André Naddeo*<br>Do UOL Notícias<br>No Rio de Janeiro

15/04/2009 16h02

"Ninguém pode assistir a essas imagens sem se repugnar. O [governador Sérgio] Cabral me ligou na hora pedindo a demissão das pessoas envolvidas. Foi uma ação de absoluta desumanidade. É inaceitável." Foram estas as declarações do secretário estadual de Transportes do Rio de Janeiro, Julio Lopes, ao ser indagado pela reportagem do UOL Notícias sobre qual foi a sua primeira reação ao ver funcionários da Supervia (concessionária que administra os ramais de trens no Rio de Janeiro) dando socos, chutes e chicotadas em passageiros que utilizavam o lotado sistema de trens da cidade nesta quarta-feira (15).
 

Quatro fiscais da Supervia, que segundo a concessionária não têm função de policiais militares tampouco de seguranças, envolvidos na agressão foram demitidos nesta quarta-feira (15) logo após o incidente. "Eles não têm um treinamento compatível com a responsabilidade deles [de orientar e cuidar do patrimônio da empresa]. A providência imediata, além das demissões que já foram feitas, é aumentar a quantidade e principalmente o treinamento desses fiscais", afirmou o secretário.

Desde a última segunda-feira, os cerca de 250 mil passageiros que utilizam diariamente o sistema de trens, segundo a Supervia, sofrem com a greve dos maquinistas. O Tribunal Regional do Trabalho (RJ) determinou que 60% do efetivo trabalhasse no horário de pico, mas essa medida não foi cumprida, segundo a empresa. O sindicato foi multado em R$ 50 mil na última terça-feira.

A Supervia, por intermédio do diretor de marketing da empresa, José Carlos Leitão, também conversou com a nossa reportagem. "Todo o esforço para orientar o pessoal de frente foi por água abaixo. Fizemos melhorias no processo de seleção, mas nesse momento de estresse as pessoas vieram a falhar e aconteceu aquilo que a gente viu", explicou.

"Os passageiros que superlotam os trens também têm comportamento inadequado, você precisa ter um código mínimo de conduta. Eles ficam pulando a via, forçando a porta para que ela quebre. Ficam subindo em cima do trem. Não dá para a gente aliviar a forma de atuação deles também", ressaltou.
 

Jovem agredido pede justiça

Em entrevista à GloboNews pela manhã, Leitão chamou os passageiros citados em casos como o desta terça-feira de "marginais". Declaração que o secretário Julio Lopes classificou como "infeliz".

"Transporte de gado"
Melhorar o treinamento dos funcionários não é o único caminho a ser seguido na opinião do professor de Ética e Diretos Humanos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) Olinto Pegoraro. Na sua opinião, a questão é muito mais ampla.

"Não é debelar uma greve, não é bater em funcionário, passageiro, nada disso. Tem que se sentar, criar uma política, que não existe para o sistema viários de trens. Essa baderna é consequência de coisas que não se fazem e que deveriam ser feitas: política de sistema viário, trens novos, que o povo respeite o sistema. Ele só respeita quando ele é bem conduzido. A inspiração da violência vem daí, da falta de política, da falta de investimento", opina. "O sistema do metrô conseguiu essa disciplina popular, por que os outros sistemas não conseguem? Me dá uma ideia de sistema de transporte de gado", completa.

Boletim de ocorrência
Dois passageiros agredidos pelos funcionários da Supervia registraram a ocorrência na 29ª DP de Madureira, subúrbio do Rio. Após prestarem depoimento, ambos foram encaminhados ao Instituto Médico Legal (IML) na região central da cidade para exame de corpo e delito.

A equipe da delegacia irá requisitar as imagens do circuito interno da estação junto à concessionária que administra os trens do Rio, mas o sistema estava inoperante no momento das agressões. Ainda assim, os dados dos funcionários envolvidos serão pedidos para serem incluídos no inquérito policial. A Supervia confirmou que vai repassar as informações.
 

Segundo o promotor dos direitos do consumidor do Ministério Público (RJ), Júlio Machado, já existia investigação sobre os problemas com as portas das composições. "Já tinha um procedimento apurando isso (viagens com portas abertas) e acontecia em parte devido à fragilidade das portas. Elas não são sólidas, os viajantes conseguem fazer com que elas abram durante a viagem e não tem um sistema para que o maquinista saiba. É um sistema diferente do metrô, por exemplo", explica.

Com o episódio das agressões desta quarta-feira, "temos mais um elemento decisivo para se apurar se pode ou não ser caracterizado dano moral coletivo", afirma.

A assessoria de imprensa da Polícia Militar também divulgou parecer sobre o caso, já que dois PMs foram flagrados nas imagens sem tomar qualquer providência no episódio. Eles estão sendo identificados para que possam prestar esclarecimentos sobre o assunto.

* Com reportagem de Juliana Kalil