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Lindemberg: "Quando a polícia invadiu, a Eloá fez menção de levantar e eu, sem pensar, atirei"

Débora Melo

Do UOL, em Santo André (SP)

15/02/2012 20h25Atualizada em 15/02/2012 23h04

O terceiro dia de julgamento de Lindemberg Alves, acusado de matar Eloá Pimentel, 15, após mantê-la como refém por cerca de cem horas em outubro de 2008, foi quase totalmente dedicado ao depoimento do réu, que falou pela primeira vez sobre o caso. Ele ficou quase quatro horas respondendo a perguntas da juíza e da acusação. Já os questionamentos da defesa duraram cerca de dez minutos.

Lindemberg confessou que atirou em Eloá, mas negou que tenha planejado a morte da vítima. Também negou que tenha disparado contra um policial que participava das negociações e que tenha feito os amigos de Eloá reféns --eles teriam ficado por opção, segundo Lindemberg. No começou de seu depoimento, o réu pediu perdão à mãe de Eloá.

Lindemberg  é acusado de cometer 12 crimes, entre eles homicídio duplamente qualificado por motivo torpe (contra Eloá), tentativa de homicídio (contra Nayara Rodrigues, amiga de Eloá, e contra o sargento Atos Valeriano, que participou das negociações), cárcere privado e disparos de arma de fogo.

O réu assumiu que atirou em Eloá, mas apenas após a ação policial. "Quando a polícia invadiu, a Eloá fez menção de levantar e eu, sem pensar, atirei [contra ela]. Foi tudo muito rápido. Pensei que ela fosse pegar minha arma", afirmou. A fala contraria a versão dos policiais, que alegam ter invadido o local apenas quando ouviram um disparo.

Sobre o tiro que acertou Nayara, Lindemberg  disse não se lembrar. "Não posso dizer se atirei ou não na Nayara. Eu não me lembro."

Quando a polícia invadiu, a Eloá fez menção de levantar e eu, sem pensar, atirei

Lindemberg também negou que já estivesse planejando atirar em Eloá, como relataram diversas testemunhas nos dois primeiros dias do julgamento. "Muita coisa que eu disse foi blefe para manter a polícia longe do local", disse. "Eu estava muito nervoso e tomei atitudes impensadas. Atirei para o chão para manter a polícia longe do apartamento."

O réu disse ainda que chegou a encarar o cárcere como uma "brincadeira". "Infelizmente foi uma vida que se foi, mas em alguns momentos levamos aquela situação como se fosse uma brincadeira", disse.

Após o depoimento, a sessão foi suspensa e será retomada nesta quinta-feira, às 9h, com o debate entre as partes: uma hora e meia para a acusação e uma hora e meia para a defesa, além da réplica e da tréplica (sendo uma hora cada). Somente depois disso, os jurados vão dar seu parecer e, na sequência, a juíza lerá o veredicto.

Quero pedir perdão para a mãe dela em público

Os dias de cárcere

Lindemberg afirmou que entrou no apartamento apenas para conversar com Eloá, com quem ele manteve um relacionamento amoroso por dois anos e três meses. Segundo ele, eles haviam retomado o namoro cinco ou seis dias antes, mas os pais dela ainda não sabiam. "A Eloá ficou assustada ao me ver", relembrou.

Estava armado pois dias antes recebi ameaças de morte pelo telefone

O réu alega que foi surpreendido com a presença dos amigos dela no apartamento quando ele chegou ao local e que só estava armado porque estaria recebendo ameaças. "Estava armado pois dias antes recebi ameaças de morte pelo telefone. Era para garantir minha segurança", declarou, sem dar detalhes. "Comprei o revólver de uma pessoa em um parque. Paguei R$ 700 por ela", falou sobre a arma do crime.

"Mandei os três [amigos] saírem do apartamento pois eu queria conversar com ela sozinho. Mas eles se recusaram", disse, referindo-se a Nayara Rodrigues, Victor Lopes de Campos e Iago Oliveira, que estavam reunidos para fazer um trabalho de escola --todos foram feitos reféns no primeiro dia do cárcere.

Para Lindemberg, Eloá estaria o traindo com Victor. Ele então teria pedido para conversar com a vítima e ela teria gritado. "Puxei a arma para Eloá quando ela começou a gritar comigo, mentindo que ela não tinha ficado com o Victor", alegou. "Qualquer outra pessoa teria tido uma reação extrema. Eu fui muito calmo."

Quando a polícia chegou, fiquei apavorado. Não sabia o que fazer

Ele afirmou ainda que ficou com medo da chegada da polícia. "Quando a polícia chegou, fiquei apavorado. Não sabia o que fazer", relatou. "Só não saímos pois tínhamos medo da reação da polícia". E completou: "Procurávamos nos distrair durante o tempo que ficamos no apartamento. Ouvíamos música e conversávamos bastante".

Eu não tinha confiança na polícia, até pelo que aconteceu naquele ônibus do Rio de Janeiro

O réu reiterou que não confiava no trabalho da polícia. "Eu não tinha confiança na polícia, até pelo que aconteceu naquele ônibus do Rio de Janeiro [o sequestro do ônibus 174, em 2000, terminou com a morte de uma refém]. Então uma delas deu a ideia de que seria mais confiável falar com a imprensa do que com a polícia", afirmou, justificando o fato de ter dado entrevistas durante o cárcere. A advogada de Lindemberg, Ana Lúcia Assad, já deixou claro que a linha da defesa seria tentar mostrar que a imprensa e a ação da polícia também contribuíram para o fim trágico do caso.

Puxei a arma para Eloá quando ela começou a gritar comigo, mentindo que ela não tinha ficado com o Victor

Sobre os relatos das testemunhas de que Lindemberg teria batido em Eloá durante o cárcere, ele negou, dizendo que apenas a empurrou no sofá quando ela tentou pegar sua arma. Já sobre as manchas roxas vistas pelo corpo da vítima, ele minimizou: "Quando a Eloá ficava nervosa, apareciam manchas no corpo dela".

Muita coisa que eu disse [sobre ameaças de morte] foi blefe

Ao responder ao advogado José Beraldo, assistente de acusação, porque ele não se emocionava ao falar de Eloá, o réu disse que não estava lá "para dar show, para comover ninguém".


Antes do réu, falou apenas uma testemunha: Paulo Sergio Schiavo, que hoje é primeiro-tenente da Polícia Militar, mas na época era agente do Gate (Grupo de Ações Táticas Especiais) e comandou a operação de invasão do cárcere privado.

Segundo ele, quando ajudou a imobilizar Lindemberg após a invasão, o réu dizia “matei, matei”. “Ele disse, eufórico, que havia conseguido matá-la: ‘matei, matei’”, relembrou. Schiavo também reiterou que a polícia só invadiu o cativeiro quando ouviu um disparo.

Segundo dia

O segundo dia de julgamento teve como destaque a versão dos familiares da vítima sobre o caso. Os dois irmãos de Eloá prestaram depoimento nesta terça-feira (14). O primeiro foi Ronickson Pimentel, 24, o irmão mais velho. Ele afirmou que Lindemberg é "um monstro", embora sua família o tratasse como "um filho". “Ele é um monstro, é capaz de tudo”, afirmou Ronickson. A testemunha disse que o comportamento de Lindemberg na frente da família de Eloá era completamente diferente da sua postura na rua –geralmente uma pessoa briguenta, especialmente quando jogava futebol.

Ronickson se emocionou ao citar o impacto da morte de Eloá para o irmão mais novo, Everton Douglas, 17. “Meu irmão se fechou bastante. Acho que ele se sente um pouco culpado porque foi ele que apresentou Lindemberg para minha irmã. Eles eram amigos.”

Ao dar seu depoimento mais tarde, Everton confirmou que “infelizmente” era muito amigo de Lindemberg.

A mãe de Eloá, que foi arrolada como testemunha da defesa, chegou a entrar no plenário para depor, mas foi impedida pela advogada Ana Lúcia Assad, que voltou atrás e dispensou o depoimento.

No período em que esteve no plenário, Ana Cristina Pimentel encarou o réu. "Não vi arrependimento nele, ele não pediu perdão", afirmou depois aos jornalistas.

Também prestaram depoimento nesta terça outras testemunhas de defesa, entre elas dois jornalistas que fizeram a cobertura do caso.

Dois policiais que participaram das negociações para libertar Eloá também foram arrolados como testemunhas. O delegado Sérgio Luditza disse que os planos de resgate mudaram quando o réu disse a seguinte frase: “eu estou ouvindo um anjinho e um capetinha e o capetinha está vencendo".

Também prestou depoimento por cerca de 4 horas o agente do Grupo de Ações Táticas Especiais (Gate) Adriano Giovanini. Ele disse que Lindemberg “espancava muito Eloá durante o cárcere”. De acordo com o agente, o réu anunciava constantemente que ia matar a jovem e cometer suicídio. Segundo Giovanini, um tiro disparado dentro do apartamento motivou a invasão do local.

O agente também foi questionado sobre a volta da outra refém, Nayara Rodrigues, ao cativeiro. “A volta da Nayara não foi planejada, foi um excesso de confiança na Nayara porque o Lindemberg tinha dito que se entregaria na presença dela e do irmão mais novo de Eloá”, alegou.

Primeiro dia

O primeiro dia de julgamento durou pouco mais de nove horas e foi encerrado às 20h de segunda-feira (13). As quatro testemunhas que prestaram depoimento confirmaram que Lindemberg fazia ameaças de morte durante o cárcere privado. O testemunho mais esperado do dia era o da amiga de Eloá, Nayara Rodrigues, que foi feita refém junto com a jovem. Nayara pediu que Lindemberg fosse retirado da sala enquanto ela falasse.

Outros dois amigos de Eloá, que também foram mantidos reféns, afirmaram que Lindemberg os ameaçava de morte. "Ele dizia que ia fazer uma besteira", disse Victor Lopes de Campos respondendo às perguntas da promotora Daniela Hashimoto. Já Iago Oliveira afirmou que "ele ameaçava a Eloá a toda hora, e dizia que ela não ia sair viva de lá: ou ele ia matar todo mundo e se matar, ou matar a Eloá e se matar".

O sargento Atos Antonio Valeriano, policial militar que iniciou o trabalho de negociação com Lindemberg, disse que o jovem estava nervoso e dizia que “ia matar os quatro” e depois ameaçava também se matar.

Entenda o caso

Lindemberg Fernandes Alves, então com 22 anos, invadiu o apartamento de sua ex-namorada Eloá Cristina Pimentel, 15, no segundo andar de um conjunto habitacional na periferia de Santo André, na Grande São Paulo, no dia 13 de outubro de 2008. Armado, ele fez reféns a ex-namorada e outros três amigos dela, que estavam reunidos para fazer um trabalho da escola.

Em mais de cem horas de tensão, Lindemberg chegou a libertar todos os amigos, mas Nayara Rodrigues acabou voltando ao cativeiro, no ponto mais polêmico da tragédia --a polícia, que trabalhava nas negociações, foi bastante criticada por ter permitido o retorno.

Em depoimento, Nayara afirmou que, após ter sido liberada, foi procurada por policiais que queriam que ela tentasse convencer Lindemberg a libertar Eloá pelo telefone. Então ela os acompanhou até o local do sequestro e foi orientada pelo rapaz ao celular a subir as escadas. Nayara disse que Lindemberg prometeu que os três desceriam juntos, mas, quando chegou à porta, viu que ele estava com a arma apontada para a cabeça de Eloá. Então, ele puxou Nayara para dentro do apartamento e não a libertou mais.

Mais tarde, policiais militares do Gate (Grupo de Ações Táticas Especiais) invadiram o apartamento, afirmando que ouviram um estampido do local. Em seguida, foram ouvidos mais tiros. Dois deles atingiram Eloá, um na cabeça e outro na virilha, e outro atingiu o nariz de Nayara. Eloá morreu horas depois. Lindemberg foi preso.